(Charge: Harm Bengen/ Cartoon Movement)
por Luis Felipe Miguel, em seu Facebook
A vitória de Donald Trump simboliza dois fenômenos.
O primeiro e mais importante é o esgotamento do modelo de democracia representativa que vigora nos Estados Unidos há mais de duzentos anos e que se espalhou pelo mundo.
O modelo representativo nasceu como alternativa à democracia direta, não apenas ou principalmente por causa dos impedimentos práticos à tomada direta de decisão pelo povo, mas porque se imaginava que seria escolhida uma minoria mais capaz e mais virtuosa do que a média da população. Esta ideia está lá, com todas as letras, nos escritos federalistas.
Os críticos sempre argumentaram que o afastamento da maior parte das pessoas dos processos decisórios levaria a uma educação política tão baixa que qualquer virtualidade seletiva seria perdida. E agora a maior potência do mundo está entregando a presidência a um sujeito que é obviamente desqualificado para o cargo: desinformado, despreparado, desonesto, bronco. Não estou nem discutindo suas posições políticas: ele simplesmente não domina as competências necessárias para ocupar o cargo.
O segundo fenômeno é que estamos entrando numa fase pós-pesquisas de intenção de voto. Há 20 ou 30 anos, pesquisas feitas com honestidade e com alguma competência técnica tinham uma boa capacidade de predizer resultados eleitorais. Desde então, elas têm acertado cada vez menos. Como a técnica não regrediu, imagino que isso se deva a mudanças no comportamento eleitoral – talvez menos homogêneo, menos estável – que erodiram os pressupostos sociológicos sobre os quais as pesquisas de intenção de voto se apoiavam. O que mostra, uma vez mais e para tristeza de quem padece do fetiche quantitativista, que nem os problemas estatísticos se resolvem no terreno da estatística.
Luis Felipe Miguel é Professor de Ciência Política da UnB e coordenador do Demodê — Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades