Arpeggio – coluna política diária
Por Miguel do Rosário
Durante oficina dada a juízes sobre saúde, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lucia, se saiu com a seguinte frase:
“Há uma democratização da sociedade brasileira. O cidadão brasileiro que morria até pelo menos a década de 1980, antes dessa Constituição, não sabia que ele tinha direito à saúde, que podia reivindicar. Hoje ele sabe e vai à luta, porque a democracia voltou ao Brasil. Graças a Deus!”
Em novembro de 2015, Carmen rendeu manchetes de jornais com uma de suas frases de efeito, sobre o cinismo ter vencido o medo, no mensalão, e o escárnio vencer o cinismo, na prisão de Delcídio. Ela agora pode acrescentar mais um degrauzinho à sua hierarquia moral: o mau caratismo venceu o cinismo.
Sim, porque afirmar que um brasileiro doente e sem recursos poderá receber atendimento médico mediante ações na justiça é mais cruel do que qualquer manifestação de cinismo ou escárnio. É mau caratismo mesmo.
Além do mais, é estúpido. Ações judiciais desorganizam o orçamento da saúde, pois impedem o Executivo de fazer um planejamento financeiro adequado das políticas públicas.
Partindo de uma autoridade que, absurdamente, se posicionou favorável a PEC 241 (hoje PEC 55, no Senado), conclue-se que Carmen talvez tenha pulado não um mas dois degraus na escala da degração moral: o sadismo social venceu o mau caratismo.
Enquanto isso, Lewandowski participa de congresso de juízes patrocinado por empresa suspeita de desvios, e diz que juízes não devem ter vergonha de reinvindicar melhores salários. Lewandowski parece ter perdido a última fibra que ainda sustentava sua espinha moral. O tímido ministro, que contestava modestamente as truculências golpistas de Joaquim Barbosa, ousando divergir aqui e ali (o que bastou para enfurecer a grande mídia), telefonando no dia seguinte, aflito, para Merval Pereira, para explicar porque o fez, agora se tornou um lobista sem vergonha da categoria.
O papel de Pilatos exercido pelos ministros do STF no processo do impeachment parece ter sido fatal: perderam qualquer noção da realidade. O que lhes importa agora é apenas aparecer bem na foto e defender privilégios.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não fica atrás. A condenação de Paulo Henrique Amorim, editor do blog Conversa Afiada, por causa de um comentário publicado em seu blog, após todas as primeiras instâncias terem negado a multa, mostra que estamos realmente órfãos. Os tribunais superiores não tem mais nada de superior: neste caso do PHA, o STJ mostrou-se um tribunal inferior.
É triste que diante das denúncias contra o Estado de Exceção, que partem inclusive de juízes, e sobretudo de juristas, professores, intelectuais, cientistas políticos, dirigentes sindicais, representantes de movimentos sociais, parlamentares, nenhum ministro do STF tenha uma palavra de solidariedade.
A polícia de São Paulo entra atirando na escola Florestan Fernandes em São Paulo e Carmen Lucia diz, numa reunião com juízes, que “a democracia voltou, graças a Deus”. Sim, Carmen. A democracia voltou, mas foi embora de novo, não sabia?
É impressionante como o método de cooptação da mídia foi avassalador. Nenhum juiz escolhido pelo PT conseguiu se manter íntegro por muito tempo. A maioria virou a casaca alegremente. Ayres Brito hoje trabalha na Globo, depois de escrever o prefácio do livro de Merval Pereira. Carmen Lucia ganhou prêmio de Personagem do Ano 2015, uma das premiações do Faz Diferença. Joaquim Barbosa, que também ganhou o prêmio Faz Diferença (o outro que ganhou foi Sergio Moro) parece ter ficado contente com seu apartamentinho em Miami e o cachê das palestras. Ainda tentou salvar um pouco de sua dignidade fazendo críticas ao impeachment, mas não colou muito. A midia ignorou-o.
Gilmar Mendes, muito à vontade, fez declarações em Washington sobre o julgamento das contas da campanha de Dilma Rousseff e Michel Temer. Como sempre, falou fora dos autos sobre algo que ainda vai julgar. Ou seja, cometeu uma das mais graves infrações éticas de um magistrado, que é antecipar o resultado de seu próprio julgamento. Mas e daí?
A fala de Gilmar:
Em debate no Wilson Center, centro de pesquisas em Washington (EUA), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, afirmou que “estimativas” indicam que a chapa presidencial Dilma-Temer gastou mais de R$ 900 milhões, via caixa dois, na campanha eleitoral de 2014. Segundo Gilmar, o valor declarado à Justiça eleitoral foi de R$ 360 milhões, mas especialistas apontam que tais gastos não poderiam ter sido inferiores a R$ 1,3 bilhão.
Ou seja, ele fala de “estimativas”. Naturalmente, nada se fala da campanha dos adversários de Dilma Rousseff. O consórcio golpista prepara uma última humilhação à democracia, que é cassar a chapa de Dilma, com base nas informações truncadas e cuidadosamente preparadas pela Lava Jato para tal fim. Seguramente, esperam com isso “matar” a narrativa do golpe, mas só irão reforçá-la, visto que Gilmar Mendes é, ele próprio, um dos artífices mais combativos do processo de ruptura democrática que vivemos.
O relator das contas da Dilma no TSE, o ministro Herman Benjamin, já foi devidamente cooptado pelo consórcio golpista. Segundo fontes do blog, alguns poderosos do PSDB teriam lhe prometido a próxima vaga no STF caso trabalhe obedientemente pela causa golpista.
Para o consórcio golpista, não faz diferença nenhuma se houver ou não separação da chapa Dilma e Temer, poupando Temer. O resultado é o mesmo: um governo neoliberal tucano, inspirado em… Margaret Thatcher.
As instituições brasileiras, como bem disse Toffoli, numa manifestação de involuntária ironia, seguem funcionando com espantosa normalidade.
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O post continua com algumas curiosidades sobre o mercado de mídia que eu compilei hoje à tarde.
Fiz uma tabelinha com a receita e lucro de alguns dos principais grupos de mídia no mundo.
Abaixo, o ranking das principais agências de publicidade atuantes no Brasil.
Algumas observações sobre as agências de publicidade que dominam o mercado brasileiro:
1) Y&R – Britânica, pertence à WPP, um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, e maior do setor de publicidade, no planeta.
2) Ogilvy e Mather Brasil – Pertence também à WPP.
Obs: a maior acionista da WPP é o fundo de investimentos BlackRock.
3) A WMCCANN, era a W Brasil, do Washington Olivetto, e foi vendida para a americana McCann Erickson, uma das quatro maiores agências de publicidade do mundo. A Erickson pertence ao grupo Interpublic Group of Companies (IPG).
Adivinha quem é uma das maiores acionistas do grupo? Sim, ela mesma, a Blackrock.
4) A AlmapBBDO pertence ao grupo Omnicom, um dos quatro maiores do mundo. Dentre os principais proprietários de ações do grupo estão os quatro maiores fundos do mundo: Vanguard, State Street, Blackrock e Fidelity.
Em suma, o mercado de publicidade brasileiro foi totalmente desnacionalizado e hoje é dominado por agências cujos proprietários são fundos de investimento norte-americanos, interessados muito mais em promover empresas americanas das quais são sócios do que em promover bom jornalismo. Muitos mistérios em torno do golpe de 2016 encontram explicações nessas informações.
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Olhando o relatório financeiro de 2015 da Walt Disney, segundo maior conglomerado de mídia do mundo, topo com um trecho, na página 6, em que o grupo explica a seus investidores os limites impostos pelo governo americano à concentração dos meios de comunicação nos Estados Unidos. É coisa de país comunista e bolivariano. Traduzo:
Limites à propriedade de estações de tv e rádio: A FCC (Federal Communications Comissions, Agência Nacional de Comunicação) impõe limites ao número de estações de tv e rádio que podemos possuir num mercado específico, no número combinado de estações de tv e rádio que podemos possuir num mercado singular, e no percentual agregado de audiência nacional que podemos alcançar por nossas estações de tv. Atualmente, o regulamento da FCC pode restringir nossa capacidade para possuir mais de uma estação num determinado mercado, dependendo do tamanho e da natureza deste mercado. Não podemos ter mais de uma estação de tv em nenhum mercado. Os estatutos da FCC permitem que nossas estações de TV possam atingir um percentual agregado de, no máximo, 39% de audiência nacional.
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A tabela abaixo mostra o total de investimentos publicitários no Brasil, por plataforma.
*A partir da base de dez/15 os dados de Mobiliário Urbano e Outdoor foram agrupados como OOH.
**Número do meio Search não divulgados no ano de 2015.
Olha que coisa estranha: os investimentos em publicidade na internet (que o Ibope Kantar denomina como “display”) caíram pela metade no primeiro semestre de 2016, de 7,4% do total em Jan/Jun 2015 para 4,2% em 2016.
Esses dados mostram um país profundamente atrasado e reacionário. Olhem a divisão do mercado publicitário nos EUA, por plataforma:
Nos EUA, a internet em 2016 já responde por 35,8% do total dos investimentos publicitários. Aqui no Brasil é 4%! A partir de 2017, a publicidade na internet americana vai superar a da TV.
Ricardo Oliveira
09/11/2016 - 09h32
O judiciário sempre teve seus privilégios e nunca sofreu como os outros poderes arrocho salarial e corte de regalias, suas atitudes estiveram por um bom tempo encobertas pela ideia de dignidade mas hoje vemos que este poder é o mais corrupto do país, pois o judiciário deveria ser o exemplo para a sociedade em defesa dos direitos de qualquer cidadão bem ao contrário do que estão fazendo, em um país onde a justiça é parcial e corrupta fica difícil falar em democracia.
Clarivaldo Freire
09/11/2016 - 14h29
Ricardo
Estou de acordo com você. Entretanto, é preciso diferenciar a casta que compõe a cúpula deste poder corrupto, (em sua quase totalidade oriunda da casa grande, mais preparada para os concursos), dos demais funcionários que ralam “pra caramba” e ficam com as migalhas que caem das mesas da cúpula. Maus pagos, e, com péssimas condições de trabalho, (posso lhe garantir): Na base, nos cartórios, com raras exceções, os funcionários têm muito o que fazer e fazem, muitas vezes por compaixão do seu igual que está ali clamando por uma solução do seu processo. Digo isto porque nos idos de 1980 trabalhei neste poder. E até tirar dinheiro do bolso para comprar papel, fazíamos para poder expedir um ofício que autorizasse descontar pensão alimentícia, etc…
Sergio Santos
08/11/2016 - 23h19
Justiça podre e juíza pobre