De Estocolmo – Wellington Calasans, colunista do Cafezinho
O Vento Norte, que no hebraico é definido como Aquilon ou Tsaphown, é o vento que abre a nossa visão. Aquele que fala do desconhecido e permite a luz do sol, pois faz com que os céus se abram ao afastar as nuvens. E é aí onde o Sol da Justiça começa a se manifestar.
É inegável que o Brasil caminha a passos largos rumo ao “Processo de Congolização”. Com todo respeito ao Congo, mas ninguém pode dizer que as coisas estão boas por lá. E essa nuvem escura que impede que a luz do sol brilhe para todos só poderá ser afastada com a incorporação de exemplos e práticas já testados e comprovados.
O atual governo brasileiro, sem nenhuma legitimidade, foi estrategicamente colocado no poder através do eufemismo “licença democrática”, mundialmente conhecida como golpe. E por não representar a sociedade brasileira, esses políticos que aí estão não apenas destroem o futuro de gerações, mas também fazem questão de destruir qualquer indício de Estado Social, afetando de forma impiedosa, nas classes menos favorecidas, os poucos benefícios que arduamente foram conquistados ao longo de décadas. A CLT, as ofensivas contra as empresas públicas, o sistema de saúde, o acesso à educação, o sistema previdenciário e o emprego são apenas as refeições mais visíveis neste cardápio de maldades.
Mas existe um caminho a seguir. Peguei este exemplo aqui próximo da Suécia, neste pequeno país nórdico, a Islândia, que tem muito a nos dizer neste momento de distanciamento entre políticos e sociedade, vivido no Brasil.
A Islândia é um verdadeiro laboratório de experimentos da democracia. Nunca é demais lembrar que quando a Europa iniciou uma onda de arrocho, como esta atual do Brasil, onde os direitos dos cidadãos foram tragados pelo buraco sem fim da austeridade, foi a Islândia que deu o maior exemplo de democracia, no verdadeiro sentido da palavra. Apenas para falar um pouco da história recente, no início do século XXI, a Islândia teve governos como este de Temer: conservador, de mãos dadas com as reprovadas políticas neoliberais. A privatização do sistema bancário, que era predominantemente estatal, foi a primeira ofensiva contra o Estado islandês.
Foi uma verdadeira orgia capitalista, um paraíso fiscal igual ao do Caribe. E as consequências disso foram a adoção da política de impostos mínimos sobre o capital, a desregulamentação das relações de trabalho, etc. A mesma cartilha praticada por Temer e os comparsas de Cunha, que seguem leais aos princípios de destruição rápida do país e do estado social. Não podemos deixar de fazer uma menção honrosa aos “capas negras” que dão suporte no STF ao festival de absurdos, que acabam por ganhar o status de constitucional.
Mas assim como será no Brasil, e por isso chamo de “Processo de Congolização”, a Islândia quebrou economicamente. A crise bancária e financeira nos Estados Unidos, entre 2007/2008, deu à Islândia o inevitável atestado de “primeiro país a falir”. Fuga em massa de capitais, falência de bancos, elevadas taxas de desemprego e uma população abandonada, sem qualquer sinal de seguridade social, inclusive sem o seguro-desemprego. Há, no entanto, neste paralelo que faço entra a Islândia e o Brasil um fator que faz toda a diferença: a consciência política do povo.
Você pode falar: ah! Mas comparar um país com dimensões continentais como o Brasil com um país minúsculo como a Islândia é inviável. Eu até concordaria contigo se a minha comparação fosse entre os países, mas eu quero falar aqui sobre os cidadãos. Pois enquanto no Brasil uma camada expressiva da sociedade ainda é capaz de condenar os estudantes secundaristas que ocupam as escolas exigindo ensino de qualidade, ou empregados que fazem greves e manifestações contra a tentativa de resgate da escravatura, imposta pelas PECs disso e daquilo, na Islândia, um país onde grupos de cinco ou seis mil pessoas são chamados de multidões, o Parlamento começou a ser pressionado através de protestos contra as políticas desastrosas do então Governo. Houve confrontos entre manifestantes e a polícia, apedrejamento do Parlamento e outras ações menos dramáticas. E qual foi a consequência dessa pressão popular? O governo conservador, do Partido Independente, que estava no poder há duas décadas, caiu.
Novas eleições foram convocadas, uma constituição foi votada num estádio de futebol por representantes de diferentes franjas da sociedade. Uma coligação de esquerda chegou ao poder e as coisas mudaram para melhor. Foi reerguido o sistema de seguridade social. Bancos quebrados foram nacionalizados, pequenos e grandes empreendedores tiveram renegociadas as suas dívidas. Enfim, foi feito, sob a permanente participação popular, o oposto do que o governo ilegítimo de Temer propõe para o Brasil e os brasileiros. Observe que tudo isso só aconteceu na Islândia porque o povo exigiu uma mudança de postura dos políticos.
Depois de tudo isso, o país saiu da crise, conheceu uma nova onda de prosperidade. Mas, em abril deste ano, o primeiro-ministro foi forçado a renunciar ao cargo após ter o seu nome entre os documentos vazados no famoso escândalo Panama Papers, onde ele e a esposa mantinham milhões de dólares em uma offshore. Novas eleições foram convocadas por antecipação e foram realizadas neste último sábado 29 de Outubro, sem que uma coligação conquistasse maioria absoluta nas urnas. O que vai obrigar o diálogo de campos opostos da política.
Obviamente que a Islândia tem a vantagem de não ter uma mídia controlada por seis famílias, políticos comprovadamente ligados a corruptos como Eduardo Cunha ou um judiciário com figuras bizarras como Moro ou Gilmar Mendes. Ainda assim o brasileiro tem a obrigação de participar ativamente dos movimentos de repúdio a esta política de destruição do Estado. Exigir imediatamente a terceira geração da urna eletrônica, com comprovante impresso em papel, exigir que pautas tão perversas sejam vetadas e, sobretudo, abandonar a ideia fixa de que política e eleição são uma coisa só. É preciso estar em permanente virgília e é este o ensinamento que o professor “Vento Norte” nos oferece, vindo do nórdico povo islandês.