Espiando o poder – Na escalada da repressão, tortura vale também para menores

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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa

Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

“Ministério adia Enem de 191 mil alunos em razão das ocupações”, diz a chamada do alto da capa da Folha de São Paulo. O Estadão também dá a informação na primeira página, embaixo, enquanto o Globo, sem nada na capa, mantém lá dentro o enfoque principal relacionado pela grande mídia às ocupações de escolas públicas contra a PEC do Teto dos gastos públicos e a reforma no ensino médio. As ocupações adiam o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), causam transtornos, prejuízos sem fim e nada é dito, na edição de hoje, sobre a decisão de um juiz de Brasília que, simplesmente, autorizou a tortura, por privação do sono, contra menores de idade. A Folha relata o caso no pé de uma matéria auxiliar em que “alunos deixam foco de resistência no PR”. Não fala nada sobre a decisão do juiz em nenhum dos dois editoriais, o primeiro sob o título “Censura policial, e o segundo exatamente sobre as ocupações nas escolas. E assim, tratada como assunto quase sem importância, a repressão vai aumentando até contra menores de idade, sem destaque nas capas que hoje se voltam também para a eleição americana, graças à pesquisa que aponta Donald Trump à frente de Hillary Clinton. A informação agitou os mercados, mas só num dos jornais vem a explicação de que, no que realmente importa no complexo sistema eleitoral americano, a candidata democrata continua na frente.

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“O juiz Alex Costa de Oliveira do TJDFT (Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal), autorizou a PM a usar estratégias de isolamento físico e privação de sono para desocupar o Centro de Ensino Asa Branca de Taguatinga, ocupado desde quinta (27) por alunos…”, conta a Folha na última das três colunas da matéria em que, na abertura, “em meio ao corte de luz e de água do prédio, um grupo de 25 alunos que prometia resistência na ocupação do Núcleo Regional da Educação, em Curitiba aceitou sair pacificamente do local por volta das 20 horas desta terça-feira.”

Para debelar as ocupações nas escolas públicas vêm sendo usadas livremente pelas autoridades, contra menores de idade, táticas de guerra como “corte de luz e de água”. Agora, graças à decisão do juiz Alex Costa de Oliveira, os policiais ganharam mais um “instrumento” de repressão contra adolescentes. “Autorizo, ainda, o uso de instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono”, escreveu o juiz na decisão, segundo a Folha. E se não deu nada sobre o caso em sua edição impressa, pela internet o Globo informou que a Polícia Militar conseguir desocupar a escola na base do diálogo.

No Tijolaço, o jornalista Fernando Brito afirma no título do posto para tratar do assunto, que “quando a PM é mais civilizada que um juiz, algo vai mal muito com a Justiça”. Segundo Brito, quando um juiz ordena a PM para “retirar um grupo de adolescente cortando a comida, a luz, a água, o gás e, ainda por cima, use ‘instrumentos sonoros, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono’,  está agindo mais do que como um irresponsável que enseja situações de tensão entre garotos encurralados e uma tropa armada. Está dizendo que podem fazer o que quiserem, porque agem em nome da lei e da ordem que, naturalmente, são ele próprio.”

A própria Folha critica hoje, em seu editorial principal, a ação policial que reprimiu uma peça encenada numa praça de Santos (SP). O jornal conta no texto que a “polícia chega e encontra atores vestidos com fardas e saias, a bandeira do Brasil hasteada de cabeça para baixo. Dá voz de prisão ao diretor do espetáculo”. No editorial, expressando a opinião do jornal, a Folha afirma que “a liberdade de pensar e de dizer o que se pensa não é apenas uma garantia fundamental tutelada pelo Estado mas também o tônico que lubrifica as engrenagens de uma sociedade livre e dinâmica.”

No fim do texto, a conclusão é de que “num país em que muitos magistrados ainda não compreenderam a importância da liberdade de expressão, nem chega a ser irônico que a polícia invista contra uma peça que fala da violência da polícia”. No editorial de baixo, “Ocupação racional” , a Folha também ensaia seu bem senso democrático ao dizer que “embora a interrupção forçada das aulas esteja longe de ser a melhor maneira de se fazerem ouvir, os jovens são parte diretamente interessada nos rumos do ensino e têm direito a influir neles”.

O jornal lembra que “o governador Geraldo Alckmin (PSDB) deu farto exemplo do que não se deve fazer”, ao insistir na repressão para forçar o projeto de remanejamento escolar no ano passado, mas no fim não cita a informação que, hoje, deveria ser a principal sobre o tema, a decisão judicial que autorizou a tortura, e conclui que “os próprios estudantes têm de se organizar para articular com mais profundidade suas objeções à reforma encaminhada pela gestão Temer. Não basta apegar-se a simplificações, como afirmar que certas disciplinas desaparecerão da grade”.

“Se não derem passos para amadurecer suas propostas, as ocupações podem terminar promovendo o mesmo efeito das rotineiras greves realizadas pelos professores nas redes públicas: empobrecer ainda mais um ensino que já é de péssima qualidade”, conclui o editorial da Folha, aproveitando para tirar suas lasquinha do direito de greve. No Globo, Ilimar Franco informa na coluna Panorama Político, na nota cujo título é “Paz”, que “a ocupação de escolas por estudantes provoca muita polêmica no governo. Os mais irritados defendem uma reintegração de posse na marra. Mas a pesquisa que Temer encomendou sugere o diálogo (71%) ou acionar a Justiça (19%).”

Em outra nota, intitulada “Passou no teste”, o colunista do Globo diz que “O presidente Temer está aliviado. A PEC do teto tem apoio da opinião pública. Pesquisa telefônica feita pelo Planalto diz que ela é aprovada por 62% dos ouvidos. Para 41%, a medida vai contribuir para ajustar as contas públicas; para 38%, vai tirar o país da crise. A maioria (49% x 41%) avalia que o prazo de 20 anos, de congelamento, é longo demais.” A tal pesquisa telefônica do Planalto contradiz a consulta pública promovida pelo Senado, que é atacada hoje pelo editorial do Estadão.

“Uma consulta muito estranha” é o título do editorial em que o diário paulista afirma que “chama atenção o resultado colhido na página e-Cidadania do site do Senado sobre PEC do Teto”. “Cerca de 95% das quase 300 mil pessoas que haviam se manifestado são contra a PEC do Teto”, e o Estadão, diante dessa informação, diz que “das duas, uma: ou o Congresso está prestes a tomar uma decisão ao arrepio da vontade da maioria dos brasileiros ou essa pesquisa não reflete exatamente a realidade”, e em dado momento do texto é dito que “não se pode ignorar que o tipo de consulta feita pelo Senado se presta à manipulação por qualquer grupo militante.”

E se a manchete da Folha avisa que acordo de delação prevê que “Marcelo Odebrecht ficará na prisão até fim de 2017”, na chamada do alto de sua capa o Estadão informa que “Câmara usa brecha e tenta anistia a Caixa 2”. Embaixo, em vermelho, “Lava Jato vê ofensiva” de políticos que são alvo da operação. O assunto é tema da coluna de hoje de Merval Pereira que, sob o título “Agora, às claras”, diz que “com a confirmação do relator da comissão especial de combate à corrupção, deputado Onyx Lorenzoni, de que propostas contra a prática de caixa 2 ‘com dinheiro lícito’ estão previstas no relatório que será lido para aprovação na semana que vem, está aberta nova etapa na tentativa de estabelecer uma linha divisória para a punição de parlamentares e ex-parlamentares que foram financiados de modo ilegal nos últimos anos.”

Segundo Merval, “os políticos resolveram assumir abertamente a tese de que é preciso criminalizar o caixa 2, sem darem ênfase, porém, aos efeitos da nova lei, que é anistia ampla e suprapartidária. Eles não estão preocupados com os já presos na Lava-Jato, mas com os que podem vir a ser presos depois das delações da Odebrecht e outras empresas envolvendo doações aos políticos. Do mesmo modo, as empresas também têm interesse nessa definição legal.”

O Globo foca sua manchete hoje na crise doméstica, do estado do Rio de Janeiro, dizendo que a “Polícia pede ajuda para manter delegacias”, mas em cima, na segunda notícia de maior destaque da página, destaca a declaração do secretário da Receita, Jorge Rachid, de que “a era do sigilo bancário acabou”. A frase se relaciona com a manchete do Estadão em que “repatriação rende R$ 50,9 bi e governo quer repetir processo”. “Proposta de novo programa de regularização de dinheiro do exterior será apresentada terça-feira no Senado”, avisa o jornal no subtítulo, e na Folha, Vinicius Torres Freire diz que, no fim das contas, o projeto sancionado pela então presidenta Dilma Rousseff em janeiro deste anjo, na prática, criou um “imposto sobre fortunas, de graça”.

“O governo inventou um modo de aumentar impostos em 2017, um jeito quase sem custos. De quebra, seria um tributo sobre grandes fortunas, para dizer a coisa de  modo sarcástico”, afirma o articulista do jornal que gasta quatro páginas de sua edição de hoje para falar da eleição americana. Como no Globo e no Estadão, a Folha também dá na capa a pesquisa que coloca o candidato republicano, Donald Trump, à frente de Hillary Clinton.

No Globo, a chamada no alto da capa pergunta: “será o Trump?”, e o texto embaixo informa que “a apenas uma semana da eleição, pesquisa ABC News/The Washington Post assustou o mundo. Nela, o republicano Trump aparece à frente da democrata Hillary: ele com 46% das intenções de voto e ela, com 45%. A queda de Hillary teria sido provocada pela reabertura da investigação do FBI sobre o caso dos e-mails. A mudança teve reflexo nas bolsas mundiais.” Lá dentro, na primeira das quatro páginas que dedica ao tema, a Folha lembra no subtítulo que “Hillary segue na frente na média das sondagens e na soma dos Estados, o que tem mais peso na probabilidade de vitória”. Nada, no entanto, que acabe de vez com a sensação incômoda, desagradável, de que tudo ainda pode piorar.

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Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.
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