Por que os partidos de esquerda não se reúnem para discutir mídia?

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Arpeggio – Coluna política diária

Por Miguel do Rosário

Um dia a nossa mídia será cobrada pela cultura de autoritarismo e fascismo que se instalou no Brasil. Ela é a principal culpada. E ainda hoje eu tenho a impressão que não caiu a ficha para parte importante da intelectualidade sobre a aberração democrática que é a nossa mídia. Na ciência política, espero que ao menos se leia os últimos artigos de Wanderley Guilherme dos Santos: o Brasil vive um dilema histórico entre a democracia e a Globo. [/s2If]

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Em post recente, Fernando Brito trata das mais recentes acusações desse consórcio Lava Jato & mídia a Lula: que o Itaquerão foi “presente” da Odebrecht, que ele é o “amigo” na lista da Odebrecht, e diz que “já não é só obsessão, é crime”.

Ora, discordo de Brito. Nunca foi leviandade e nunca foi obsessão. Sempre foi crime. E não apenas contra Lula. Desde a Ação Penal 470 que vimos testemunhando o avanço de métodos de exceção para julgar crimes considerados políticos e ligados a governos do PT.

O partido, no entanto, optou sempre por se curvar ao senso comum, até porque o PT sempre foi governado por ideias de “senso comum”.

Tornou-se um pouco enfadonho criticar o PT porque a legenda não parece mais ter o poder de assimilar críticas. Em entrevista à TV pública da Bahia, o jornalista Luis Nassif faz duras críticas ao presidente do PT, Rui Falcão, que ele chama de aparelhista e representante de um PT que não se preocupa em dialogar com a sociedade, mas apenas para dentro, com uma militância cada vez mais fisiológica, que serve de massa de manobra para ganhar as eleições internas.

Nassif está certo, mas sua crítica, que deveria ser reproduzida em instâncias do próprio PT, não repercute, porque a comunicação do PT hoje se tornou um bunker fechado para si mesmo.

É bem típico dessa mentalidade que tenham investido tanto dinheiro numa Agência PT, ao invés de um projeto mais coletivo, mais aberto, formado com forças sociais independentes, com a academia, que tenha a participação democrática e não invasiva do PT.

Evidentemente, uma Agência PT volta-se exclusivamente para um público interno cada vez mais reduzido. Nem os petistas lêem a Agência PT. Poder-se-ia alegar que os “blogs petistas” serviriam à comunicação do PT, sobretudo aqueles com mais afinidade, como o Brasil 247. Sim, mas isso também não é legal, porque também não tem a participação de outras forças sociais. No Brasil 247, não há críticas à gestão atual da presidência do PT, então não serve ao debate, porque não permite o avanço dialético necessário. Além disso, é preciso que haja transparência. PT, PCdoB, PDT, CUT, academia, intelectuais independentes, tinham que se sentar e apoiar um projeto de jornalismo coletivo, com um editor, um conselho editorial, reportagens, e que estivesse disposto a veicular críticas às próprias instituições envolvidas. Mas não pode ser, evidentemente, uma “Agência PT”. Tem que ser algo aberto à sociedade, a todos, e que não esteja identificado com um partido.

A opção pela Agência PT veio na contramão da tendência moderna, que não é exatamente “sem partido”, mas que quer discutir política e construir narrativas para além das instâncias partidárias.

A esquerda organizada precisa fazer um debate transparente sobre comunicação. Para que serve a Frente Brasil Popular se não for capaz de fazer nem ao menos um debate sério sobre mídia?

O isolamento do Brasil também é um caso sério. Foram quase duas décadas de governos progressistas, e os partidos de esquerda não tiveram pro-atividade para construir uma instância internacional, um fórum, para debater aquele que sempre foi o principal problema para os movimentos populares da América Latina, o controle absoluto da narrativa e da opinião pública?

O controle da opinião pública se tornou um problema mais grave a partir da era Obama, com suas agências de espionagem, com seu soft power, com a explosão de séries de Netflix, com a própria personalidade magnética do novo presidente, um indivíduo infinitamente mais astuto e inteligente que o anterior.

Com Obama, os EUA mergulharam de cabeça no imperialismo soft power. A esquerda não consegue mais repetir as estratégias da era Bush, quando ser contra os EUA produzia votos no mercado interno da opinião pública. Hoje a guerra se tornou mais sofisticada, mais difícil, e as armas de luta precisam ser diferentes.

É preciso lutar com informação. E não é com Agência PT que faremos isso. A esquerda que ainda tem espaços de poder precisa desenvolver políticas públicas para estimular o surgimento de núcleos independentes de jornalismo. Para isso, porém, precisa perder o medo provinciano, caipira, da crítica. É preciso lembrar da lição da escola de Frankfurt, que tão bem pode ser aplicada ao soft power americano. Os americanos, por exemplo, não fazem filmes apenas louvando a sua entrada nas guerras. Eles fazem filmes críticos a si mesmos. Filmes tão autocríticos, com personagens tão comoventes, lutando às vezes contra o próprio Estado, que disseminam uma mensagem positiva sobre o país.

A mesma coisa deveria fazer a esquerda. Já em 2014 apontávamos para o erro de somente se apontar para o passado, fiando-se nas conquistas sociais da era Lula, ao invés de sinalizar, para a sociedade, os próximos passos. Ainda cometemos o mesmo erro. Não se sinaliza para o futuro. É preciso também oferecer uma visão autocrítica sobre os governos Lula/Dilma. Por que escolheram nomes tão medíocres para o STF? Por que contribuíram, tão criminosamente, para a concentração da mídia no país?

Hoje em dia eu vejo que a estratégia de Franklin Martins, à frente da Secom, foi puramente demagógica. Ele pulverizou recursos da Secom para milhares de jornais e rádios Brasil a fora, e com isso o resultado foi simplesmente diluir o poder de comunicação do governo, sem contribuir para a formação de novos núcleos profissionais de jornalismo.

Com Dilma, o que já era ruim ficou pior.

A autocrítica é um fator essencial na dramaturgia. É uma arma. Se não a usarmos, a direita a usará contra nós. Os partidos de esquerda precisam se reunir em congressos interpartidários cujo tema principal seja a mídia e como ela conseguiu construir uma narrativa que nos tornou uma sociedade ainda mais autoritária e egoísta do que sempre fomos.

Dê uma nota para o post de hoje (avaliação anônima).[ratings]

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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