Espiando o poder – E a crise vira fotonovela…

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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa

Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

Ao contrário da primeira vez em que foi aprovada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 não conquistou, com a confirmação de sua aprovação na Câmara, na noite de ontem, a tríplice manchete do Globo, do Estado e da Folha de São Paulo. O Estadão quebrou hoje a unidade esperada e deu mais destaque à crise geral e irrestrita a envolver o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. “Presidente do STF rebate Renan e crise de Poderes se agrava”, diz a manchete do jornal paulista. No subtítulo, “Michel Temer marca reunião para tentar conciliação, mas Cármen Lúcia alega não ter espaço em sua agenda”. A ausência de cargos na frase, só com os nomes próprios, remete a cenas de novela, e o Globo escancara a referência ao abrir, no espaço nobre da página 3, sob o título “Poderes em crise”, a fotonovela colorida cuja imagem maior é esta aí de cima, enquanto as demais seguirão ao longo deste texto. É mais um capítulo da zorra total nacional instituída pelo golpe, para o qual a repressão, sobretudo nas escolas ocupadas, é cada vez mais fundamental. Se o Globo prefere ignorar solenemente o assunto hoje, a Folha informa, só em página de dentro, que “morte de estudante no PR acirra tensão em escolas ocupadas”. Já o Estado dá seu recado logo na capa, na chamada para o editorial em que “assassinato de adolescente prova a irresponsabilidade das invasões de escolas públicas”.

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“Tragédia anunciada” é o título do editorial em que o Estadão compra a versão policial da morte de Lucas Eduardo Araújo Lopes, de 16 anos, sem nada questionar. Lucas teria sido morto por um colega, de 17 anos, que fugiu da Escola Estadual Santa Felicidade, onde o crime ocorreu. A polícia depois informou que havia capturado o menor e que ele confessara o crime. Com base nisso, o Estadão afirma que “a realidade que tragicamente emergiu das invasões de escolas em Curitiba envolve intolerância, consumo de droga, homicídio e porte de arma branca”.

“O homicídio foi causado por uma discussão, depois que ambos consumiram drogas. Isso dá a medida do que vem ocorrendo no interior das quase mil escolas públicas invadidas em todo o País”, afirma o editorial. O jornal usa um fato isolado como se fosse comum às “quase mil escolas públicas” que segundo o texto estão “invadidas”, não ocupadas. É preciso reprimir, e para isso ajuda o clima de tensão acirrada da matéria da Folha, que diz, logo na abertura, que “a morte de um aluno nesta semana em uma escola ocupada por estudantes no Paraná acirrou os ânimos contra e a favor o movimento, que já dura três semanas e ocupa cerca de um terço dos 2.000 colégios estaduais.”

A Folha chegou a acompanhar uma manifestação contrária à ocupação de uma escola em Curitiba, em que “cerca de 40 pais e alunos seguravam faixas, apitavam e gritavam ‘O colégio é nosso’ em frente ao Colégio Estadual Lysímaco Ferreira da Costa, na capital paranaense. Motoristas buzinavam em apoio”. “Do outro lado”, como diz a matéria, “a advogada Tânia Mandarino, de um grupo de defensores das ocupações”, fala em “campo de guerra”.  E na matéria auxiliar, seguindo com a repressão, “Polícia desocupa escola em SP e 22 vão para delegacia”.

“A Polícia Militar entrou na escola estadual Professor Silvio Xavier Antunes, no Piqueri, zona norte de São Paulo, por volta das 17h desta terça-feira e encerrou a ocupação dos estudantes contra a PEC 241 e a reorganização do ensino médio, proposta pelo governo Temer (PMDB)”, diz a matéria. A ocupação havia começado por volta da meia-noite de ontem, e “antes da entrada da PM na escola, a estudante Débora Santana, 19, membro da UJS (União da Juventude Socialista), havia afirmado à reportagem que os alunos não tinham data para sair e estavam em diálogo com outras unidades. ‘A PEC 241 congela os investimentos e prejudica a educação e a saúde””, disse ela, horas antes da aprovação da proposta em segunda votação na Câmara, em meio ao tiroteio verbal entre os três Poderes.

“Câmara conclui votação, e teto de gastos vai ao Senado”, diz a manchete do Globo, que embaixo, no subtítulo, avisa que a “proposta do governo é aprovada em segundo turno por ampla maioria”. O jornal carioca não faz alusão, na capa, à redução do apoio à PEC que institui um teto para os gastos públicos e, na prática, congela ou acaba com os investimentos em programas sociais. Já a Folha, no subtítulo da manchete na qual, “em segunda votação, Câmara aprova limite de gastos”, informa que “Governo Temer obtém vitória, mas apoio à proposta cai de 366 para 359 votos”.

A Folha admite que o resultado “frustrou o plano governamental de ampliar a maioria conquistada no primeiro turno”. E o Globo, se não fala em frustração nem na capa nem na página de dentro, que abre a editoria de economia, mostra no editorial que há preocupação, sim, nas hostes golpistas, ainda mais com os desentendimentos recentes entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, chefe do Legislativo, e a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, comandante do Judiciário, incluindo também a participação especial, pelo Executivo, do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

A PEC 241 vai agora ao Senado presidido por Renan, e o jornal carioca alerta, no título de seu editorial principal, que “não se pode deixar que crise atrapalhe reformas”. No texto, segundo o jornal, “reação veemente de Renan à ação policial no Congresso recebe resposta à altura da ministra Cármen Lúcia, mas o entendimento deve ser buscado entre os poderes”. O Globo diz ainda que “a melhor resposta” a Renan “veio da presidente do Supremo, Cármen Lúcia: ‘Onde um juiz é destratado, eu também sou’, disse, ao rejeitar que questionamentos não sejam feitos ‘nos estreitos limites da constitucionalidade e legalidade’. Fez bem”.

Esta não é a opinião, por exemplo, do procurador do Ministério Público Federal (MPF), professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão. Além de presidente do STF, Cármen Lúcia preside também o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável por fiscalizar e julgar magistrados. Eugênio Aragão publicou artigo no blog do jornalista Marcelo Auler, em que explica, segundo o título, “porque a presidente do CNJ não deve entrar no jogo corporativo dos juízes”.

Segundo Aragão, quando “autoridades se comportam como moleques, como moleques serão tratadas. Se adotarem discurso e comportamento de botequim não poderão se queixar quando começarem a var garrafas e sopapos”. O ex-ministro da Justiça afirma em seguida, mais embaixo, que “tanto mais é surpreendente, isto sim, que a Presidente do Conselho Nacional de Justiça vá à imprensa, não para admoestar magistrados que ultrapassam a linha do bom senso em suas atitudes e decisões, mas para se dirigir com dedo em riste ao Presidente do Senado Federal, com discurso não menos surpreendente de se ver como destinatária de cada crítica que se faça em tom mais ou menos contundente a magistrados que procedem de forma, no mínimo, controvertida.”

Outro que criticou a presidente do STF, no texto “Carmen Lúcia, uma ministra sem noção”, o jornalista Luis Nassif começa falando que “a ministra Carmen Lúcia é fruto direto da espetacularização da Justiça que ocorreu a partir da AP 470. O jornalismo de celebridades abriu uma porta para ministros com menor potencial analítico. De repente, se deram conta de que poderiam ganhar protagonismo explorando frases de efeito, mas, principalmente, obedecendo ao roteiro preconizado pelos grupos de mídia.”

Segundo Nassif, a presidente do STF “assumiu a posição de líder corporativa, atacando o presidente do Senado por críticas dirigidas a um juiz de primeira instância, mostrando – ela própria – um populismo e uma falta de decoro indesculpável nas relações com outro poder da República.” Enquanto isso, sem uma linha sequer de críticas a Carmen Lúcia, a grande mídia pisa em ovos, preocupada mesmo é com as reformas, sobretudo em aprovar logo no Senado a PEC 241.

Merval Pereira, por exemplo, diz na capa do Globo que “corporativismo está presente nos dois lados da disputa”. A Folha também aborda o tema em seu editorial, sob o título “À Flor da Pele”. “Reação de Renan a prisão de policiais legislativos gera atrito entre Poderes, mas constitui problema menor se limitar-se ao campo retórico”, diz o jornal paulista. Já o Globo conclui o editorial contando que “Renan Calheiros pediu ao presidente Michel Temer reunião com as presenças de Cármen Lúcia e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para aparar as arestas entre os poderes. É boa oportunidade para se contornar uma crise institucional indesejada, especialmente neste momento de reformas estratégicas em debate no Congresso.” E a grande mídia corporativo-familiar torce unida, como sempre, por um final feliz nesse mais novo folhetim tupiniquim.

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Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.
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