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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa
Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho
A Escola Estadual Santa Felicidade, em Curitiba, vinha sendo ocupada há vinte dias por alunos contrários à reforma do Ensino Médio e à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que estipula um teto para os gastos públicos e, na prática, decreta o fim ou o congelamento dos investimentos sociais no País. Em todo o estado do Paraná, das 2 mil escolas da rede estadual, cerca de 800 estão ocupadas, mas até ontem não se falava quase nada disso na grande mídia. Até que, como na ditadura militar, a nove meses do AI 5, agora também morreu um estudante. “Aluno mata colega em escola do PR”, diz o Estado de São Paulo, único a dar em chamada de capa a morte de Lucas Eduardo Araújo Lopes, de 16 anos, aluno da Santa Felicidade que foi esfaqueado dentro da escola ocupada. Hoje as polícias Civil e Militar do Paraná prenderam um adolescente de 17 anos que confessou ter matado Lucas após um desentendimento enquanto os dois usavam uma droga sintética. O caso ainda é nebuloso, baseado apenas, por enquanto, na versão policial, mas já serve para o governador Beto Richa (PSDB) atacar as ocupações, ele que, além de já ter ordenado que a PM batesse em estudantes, é acusado também de formar milícias para combatê-las. E se aumenta a repressão, com morte e ameaças de prisão até contra pais de alunos, aumenta também a reação, e o movimento que já vem sendo chamado de primavera secundarista chegou ontem à noite a São Paulo, e já ocupa quase 1 mil escolas em todo o Brasil, como mostra, hoje, o El País.
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Assim como o golpe atual não tem a truculência ostensiva dos tanques de guerra nas ruas, as circunstâncias da morte de Lucas não têm, também, a clareza do assassinato de Edson Luiz de Lima Souto, ocorrido em março de 1968. Edson foi morto com um tiro à queima-roupa, durante a reação da PM a um protesto no restaurante Calabouço, no Centro do Rio. Nove meses depois, em dezembro daquele mesmo ano, seria assinado o Ato Institucional número 5, que fechava o Congresso, instaurava a censura e consolidava de vez a ditadura militar no Brasil.
Nos dias de hoje, em meio ao golpe mais nebuloso, Lucas Eduardo e outro aluno do colégio Santa Felicidade, segundo a versão da polícia, consumiram drogas sintéticas na escola. Após um desentendimento, Lucas teria sido ferido pelo colega, de 17 anos, com golpes de uma faca de cozinha. Ele teria pulado o muro do colégio e fugido. A polícia informou que o estudante foi encontrado em casa e levado para a Delegacia do Adolescente, onde confessou o crime.
A Folha de São Paulo publicou o caso no alto de uma página de dentro, em que o secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp) do Paraná, Wagner Mesquita, afirma que “o inquérito do caso pode responsabilizar maiores de 18 anos que estavam na ocupação, articuladores do movimento e até mesmo os pais de alunos”. Para o site da revista Veja, Mesquita diz que a escola onde o crime ocorreu “tinha o pedido de reintegração de posse feito pela Procuradoria Geral da República (PGE) e estava em análise da Justiça. A mesma PGE havia solicitado atuação mais firme do Conselho Tutelar e do Ministério Público, prevendo a exposição desses adolescentes ao risco. O Conselho visitou essa e outras escolas e disse que estava tudo bem”.
O Globo deu matéria secundária sobre o caso, na metade de baixo da página e sem uma informação sequer sobre a quantidade de escolas ocupadas nem no estado nem no resto do País. Na matéria pequena, ‘o governador Beto Richa (PSDB) classificou a morte como uma “tragédia chocante” e aproveitou para pedir o fim do movimento que ocupa escolas e universidades do Paraná desde o dia 3 de outubro. ‘A ocupação de escolas no Paraná ultrapassou os limites do bom senso e não encontra amparo na razão, pois o diálogo sobre a reforma do ensino médio está aberto, como bem sabem todos os envolvidos nessa questão’ disse o governador, em nota.” Como contraponto, o jornal carioca diz que “o movimento de estudantes Ocupa Paraná disse que Lucas Eduardo não era um dos alunos que ocupavam a escola. O Ocupa Paraná lamentou a morte do adolescente e convocou um ato em solidariedade à família da vítima e uma vigília contra a violência.”
Como avisa Mauro Donato, no Diário do Centro do Mundo (DCM), “a intenção das autoridades é obviamente desqualificar o movimento estudantil e apresentar um cadáver como consequência da ‘irresponsabilidade’, da ‘vadiagem’, do ‘despropósito’ das ocupações. O mesmo foi feito após a morte da estudante Rayzza Ribeiro, de 21 anos, que era ativista em uma ocupação na escola Miguel Couto no Rio de Janeiro.” Nessa empreitada, como se pode ver hoje, as autoridades terão a ajuda de sempre da mídia corporativa e familiar, que nada publica sobre a dimensão do movimento que, ainda segundo Mauro Donato, no momento ocupa escolas “em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Goiás, Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Pará, Sergipe, Espírito Santo, Rondônia… E não só escolas, há algumas universidades também.”
E se os grandes jornais genuinamente brasileiros se calam sobre o movimento de resistência ao golpe nascido nas escolas, a edição brasileira do espanhol El País, virtual, cumpre seu papel ao dizer, na matéria de Marina Rossi, que “com quase 1000 escolas ocupadas no país, ato de estudante chega a SP”. “A Escola Estadual professor Silvio Xavier Antunes, na zona norte de São Paulo, foi ocupada na noite desta segunda-feira”, diz o texto, que lembra ainda ainda que “a ocupação foi a forma de protestos eleita pelos estudantes que são contrários à reforma do Ensino Médio e à PEC 241”.
De acordo com o El País, “no estado do Paraná estavam ocupadas 850, das 2.114 escolas estaduais, além de 14 universidades, de acordo com os estudantes. A secretaria de Educação confirma 792. Em Minas Gerais, o Governo afirma que, até o momento, 38 escolas estão ocupadas. E no Espírito Santo, são cinco, oficialmente, totalizando quase 1.000 ocupações no que os estudantes batizaram de primavera secundarista.” Enquanto isso, segundo o blog do Esmael Moraes, “o governador Beto Richa (PSDB) estimula a criação de milícias fascistas para desocupar mais de 900 escolas da rede pública do Paraná. Há relatos de confrontos entre estudantes e membros do MBL (Movimento Brasil Livre), que estariam atuando com violência a soldo do tucano”.
Sem nada disso em suas páginas, a tratar as ocupações contra o governo golpista como se nada fosse, o Globo o Estado e a Folha de São Paulo exibem a mesma manchete, na caça ao personagem de sempre. Depois de levar a sério a acusação de que a construção do estádio do Corinthians, o Itaquerão, seria um presente para Lula, a grande mídia agora anuncia com ansiedade, como diz a manchete do Globo, que “Marcelo Odebrecht e mais 50 fecham delação”. No subtítulo, o jornal diz que “planilha da empreiteira indica repasse de R$ 8 milhões para Lula”, enquanto os dois concorrentes paulistas dão seu jeito de incluir o ex-presidente logo na manchete, as duas, tanto na Folha quanto no Estadão, ao lado da chamada de alto de capa sobre o mais novo entrevero nas hostes golpistas.
“Renan chama ministro de ‘chefete da polícia’”, diz o título que, no Globo, vai logo abaixo da manchete. O presidente do Senado reagiu à operação da Polícia Federal “que prendeu quatro policiais legislativos acusados de tentar atrapalhar a Lava-Jato com varreduras antigrampo na casa de senadores e ex-senadores”. Entre suas declarações de ataque ao Judiciário e ao governo, na pessoa do ministro da Justiça, Alexandre Moraes, Renan, segundo o Globo, “disse que a ação foi autorizada por um ‘juizeco de primeira instância’ e chamou o ministro da Justiça de ‘chefete de polícia’. ‘Tenho ódio e nojo a métodos fascistas’, disse ele”.
Na coluna Panorama Político, do Globo, Ilimar Franco solta a nota “Tensão entre Renan e Temer”, avisando que “foi tensa a última conversa do presidente do Senado, Renan Calheiros, com o presidente Michel Temer. Renan cobrou de Temer, ontem, que controlasse a língua do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Além das declarações de ontem, apoiando a ação da PF nas dependências do Senado, referiu-se à campanha, quando Moraes antecipou ações da PF. Renan repetiu: “Não fui eleito presidente do Senado para ter medo”. Os relatos são de que Temer, como sempre faz, pediu calma a Renan, e independentemente do julgamento que faça da fala do ministro, os senadores do PMDB dizem que ele não fará nada.”
Hoje a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, respondeu prontamente sem citar Renan. Disse ter se sentido agredida pela declaração e exigiu “respeito aos juízes do Brasil”, o que torna bem mais compreensível a coluna de hoje de Merval Pereira, “Os limites da lei”. O colunista diz que a “retórica violenta do presidente do Senado Renan Calheiros, chamando o ministro da Justiça Alexandre Moraes de “chefete de polícia”, e o juiz que autorizou a ação da Polícia Federal contra a Polícia Legislativa do Senado de “juizeco de primeira instância”, inaugura uma nova fase na disputa de espaço político entre o Legislativo e os integrantes da Operação Lava-Jato.”
Para resolver essa disputa, Merval elege o Supremo, presidido por Cármen Lúcia. “Essa disputa de poderes só existe porque ainda estamos exercitando os limites da democracia, e mais uma vez o Supremo será chamado a mediar essa relação delicada”, afirma o colunista, que não deixa de citar, simulando imparcialidade, seus ministro e juiz favoritos. “As decisões e opiniões dos que fazem a Operação Lava-Jato não podem ser canonizadas, como bem disse o ministro do STF Gilmar Mendes, nem as dez ações contra a corrupção propostas pelo Ministério Público devem ser vistas como os dez mandamentos, como pontuou o juiz Sérgio Moro.” E Moro, com chamada em vermelho na capa do Estadão, bem abaixo de Renan, “em evento sobre combate à corrupção na Assembleia Legislativa do Paraná”, “cobra ‘lado’ do Congresso”. “Congresso deve mostrar de que lado se encontra”, repete o juiz no Globo, em evento que defendeu, justamente, os tais “dez mandamentos”.
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