Uma análise da entrevista de Gilmar Mendes à Folha

Brasília - O presidente do TSE, Gilmar Mendes, fala no fim da apuração das urnas da eleição municipais de 2016 (Valter Campanato/Agência Brasil)

(Gilmar Mendes. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho

Gilmar Mendes, além de ser ministro do STF, é também uma espécie de porta voz informal da direita brasileira – papel obviamente incompatível com o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, mas ninguém se importa mais em nem mesmo manter as aparências de que ‘as instituições estão funcionando’ -.

Semana passada ele disse que o Tribunal Superior do Trabalho ‘é na maioria formado por pessoal que poderia integrar até um tribunal da Antiga União Soviética’ e que o Bolsa Família é compra de votos institucionalizada, declaração digna de comentarista de portal (o cientista político Cesar Zucco ensina para o ministro que ‘se Bolsa Família é compra de votos, qualquer outra política também seria’).

A Folha publica hoje uma entrevista com Gilmar.

Nela o ministro do STF critica os juízes e procuradores que estão atacando o projeto de lei que pune abuso de autoridades:

Parece que eles imaginam que devem ter licença para cometer abusos! (…) Juízes e promotores não são diferentes de todas as outras autoridades e devem responder pelos seus atos. E a verdade é que nós temos um histórico de abusos que vai de A a Z, do guarda de trânsito ao promotor, de prisões abusivas, de vazamento de informações sigilosas, para falar apenas das coisas correntes.

As menção a prisões abusivas e a vazamentos de informações sigilosas é evidentemente direcionada à Lava Jato e ilustra bem a disputa de poder que está ocorrendo no Brasil pós golpe.

A mídia corporativa, com sua cobertura estridente da operação, e o STF, chancelando os seus abusos e ilegalidades, empoderaram a Lava Jato enormemente para que esta pudesse gerar as condições necessárias à derrubada do governo eleito.

Agora que o golpe já foi consumado, não interessa à direita orgânica (mídia familiar, PSDB, PMDB, Gilmar Mendes) um juiz de primeira instância e um Ministério Público com a força que adquiriram Sérgio Moro e os procuradores que atuam na Lava Jato.

Imaginem os mesmos métodos e critérios usados pela Lava Jato com petistas aplicados a tucanos como Aécio, por exemplo: haja power point para tanta denúncia.

Os procuradores e Sérgio Moro (e demais juízes de primeira instância), por sua vez, não querem perder os músculos que ganharam nos últimos anos e atuam para isso, fazendo campanha pelas ‘10 medidas contra a corrupção’, que são na verdade muitas medidas pró acusação, e contra o projeto de lei que visa coibir abuso de autoridades.

O trecho humorístico da entrevista de Gilmar é quando ele responde a uma pergunta sobre as críticas ao seu encontro com Michel Temer, já que o presidente golpista vai ser julgado por Mendes em uma ação contra a chapa Dilma/Temer no TSE:

Sobre questões ligadas ao processo não se conversa. Nós dois sabemos os limites éticos. Agora, é impossível um presidente do TSE não conversar com o presidente da República. Há questões, por exemplo, orçamentárias que precisam ser discutidas.

Fora o fato de que, sendo a conversa privada, não há como ninguém avaliar se os dois realmente sabem os limites éticos ou não, o próprio Gilmar Mendes desmentiu a balela de que foi apenas um encontro institucional entre o presidente da República e o presidente do TSE ao afirmar, no dia do encontro, que tratou-se de ‘uma conversa de velhos amigos’.

A Folha logicamente não confrontou Gilmar com essa afirmação dele mesmo e ficou tudo por isso mesmo.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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