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(Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Arpeggio – Coluna política diária
O Brasil, de repente, se tornou uma ficção monstruosa de si mesmo. A imprensa perdeu qualquer senso de ridículo e de realidade. As instituições parecem ter enlouquecido. E ninguém liga para o fato de que esse processo de auto-destruição está fazendo a economia declinar mais e mais, apesar das mentiras cada vez mais deslavadas da mídia tentando vender, de maneira insensata, boas notícias em prol do governo.
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Todos lembram as manchetes de todos os jornalões, dias atrás, anunciando a queda no preço da gasolina como a salvação do país. Dias depois, anunciaram que os donos de posto informaram que a queda seria de apenas 1 centavo. E agora os mesmos jornais dizem que a gasolina na verdade aumentou.
Nunca foi tão difícil se informar no Brasil. A nossa imprensa se tornou um partido político especializado em mentir ao povo, manipular a opinião pública, chantagear a classe política e extorquir verba pública do governo.
Hoje, a imprensa traz um novo “vazamento” da Lava Jato, sobre as delações da Odebrecht. Não sei se a palavra vazamento ainda tem algum valor semântico. A Lava Jato hoje está dentro da imprensa brasileira. Uma e outra se retroalimentam, numa promiscuidade que, há tempos, já se tornou criminosa.
Segundo este vazamento, portanto, um executivo teria dito que o Itaquerão foi um “presente ao Lula”.
Nem a ficção latino-americana seria tão invencionista. A loucura da Lava Jato chega à grande imprensa sem filtro. Além disso, se trata de má literatura, porque até a ficção precisa de verossimilhança, caso queira despertar o interesse do leitor.
O Brasil se tornou um gigantesco power point do Dallagnol, em que tudo aponta para Lula, inclusive, a “reação de Lula”, a “expressividade de Lula”, os eleitores de Lula, os advogados de Lula. O próprio Lula aponta para Lula.
Gilmar Mendes, o “velho amigo” de Michel Temer, participa de reuniões a portas fechadas com o presidente, em companhia de FHC, detona as leis trabalhistas, os tribunais de trabalho, o bolsa família, e, no dia, seguinte, fala verdades sobre a Lava Jato e o autoritarismo dos juízes.
Mendes reina sozinho no STF porque é o único juiz realmente orgânico do sistema. Os outros ministros do STF, por uma razão ou outra, não são orgânicos e, portanto, precisam fingir o tempo inteiro, ou mesmo exagerar no seu papel de sabujos da mídia.
Participei, na última sexta-feira, de um Café & Política, um café da manhã com debate promovido, periodicamente, pelo Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Senge), sempre trazendo um convidado especial.
Esta semana, o convidado especial foi Silvio Caccia Bava, editor-chefe do Le Monde Diplomatique, que fez uma análise perturbadora da conjuntura geopolítica que nos levou ao golpe.
Sim, Caccia Bava sabe que o Brasil foi vítima de um golpe de Estado.
A grande imprensa quer pintar a denúncia de golpe como uma “narrativa do PT”, mais uma vez tentando diminuir a capacidade de milhares de intelectuais de refletirem sobre o Brasil e o mundo de maneira absolutamente autônoma em relação a questões partidárias.
Caccia Bava iniciou sua fala dizendo que está muito impressionado com a intensidade dos debates sobre o golpe que ocorrem no Brasil inteiro. Ele informou que acabava de voltar de um debate na Universidade Federal de Pernambuco, cujo tema central também era sobre os desdobramentos do golpe.
O jornalista argumentou que o capitalismo não vive crise terminal nenhuma, que os Estados Unidos nunca estiveram tão fortes, e que o mundo vive uma mudança em seu padrão de acumulação.
A crise de 2008, que levou governos a fazerem aportes de trilhões de dólares para salvar fundos e bancos, fez com que estes, superada as dificuldades, renascessem três vezes mais fortes.
Apenas um fundo de investimento privado dos Estados Unidos, lembrou, o BlackRock, já controla 17 trilhões de dólares, um montante superior aos 13 trilhões de dólares do PIB americano.
“O imperialismo já não se manifesta como anteriormente”, observou Caccia Bava, afirmando, contudo, que há movimentos dos governos para tentar regulamentar esses fundos, que estão fugindo do controle dos Estados.
Caccia Bava lembrou que até pouco tempo 70% dos governos da América Latina tinham perfil mais democrático. Foi a “onda rosa”, que fez o resto do mundo olhar para o nosso continente com admiração, achando que aqui encontrariam soluções para os impasses que afligem o planeta, sobretudo nas questões sociais e humanitárias.
Entretanto, veio a reação. Caccia Bava observou que os Estados Unidos ainda tem 36 bases militares na América Latina.
Lembrou também que Dilma baixou os juros da Selic, a taxa básica da economia, para 7,5%. Pela primeira vez em nossa história tivemos juros próximos da média internacional. A presidenta também usou os bancos públicos para forçar para baixo os juros reais praticados no mercado e o spread bancário, forçando os bancos privados a baixarem também suas taxas.
A participação dos bancos públicos, após essas políticas, cresceu de 35% para 56% nos primeiros 10 anos dos governos petistas (2003 a 2013).
O BNDES criou linhas especiais de crédito para os setores da indústria naval e o petroquímico, reativando-os e gerando milhões de empregos. A economia brasileira voltou a crescer. A Petrobrás respondia por 10% do PIB nacional.
Caccia Bava explicou que faz parte de um grupo de economistas e cientistas sociais reunidos em torno do projeto Plataforma de Política Social. Segundo ele, esses economistas entendem que Dilma errou ao optar pelo ajuste neoliberal em seu segundo mandato. Ele lembra que Dilma terminou seu primeiro mandato com uma taxa de desemprego extremamente baixa.
Bava observa que, em alguns aspectos, a situação no Brasil é ainda pior do que na Grécia e na Espanha, porque nesses países europeus, quando a crise fiscal os atinge, eles já possuíam uma infra-estrutura de saneamento básico, transportes de massa, organização das cidades. Aqui, não.
As informações de Bava nos fazem refletir sobre o papel da Lava Jato na destruição daqueles setores nos quais o país tinha mais investido, e tudo isso numa conjuntura internacional negativa, que amplificava os estragos promovidos pelos procuradores.
Se a Lava Jato inflingisse seus ataques contra a indústria petroquímica num momento de preços estáveis do petróleo, o prejuízo seria grande, mas talvez fosse possível superar a crise. Mas a operação atingiu a indústria exatamente no momento em que esta se encontrava mais vulnerável, por causa do declínio acelerado, brutal, das cotações do barril.
Bava definiu os deputados que votaram pelo impeachment de Dilma como a “escória” do congresso. Ele alertou sobre o crescimento desmesurado do poder da religião sobre a política. O PRB, partido da Igreja Universal do Reino de Deus, controlada por Edir Macedo, já possui 178 prefeitos no Brasil, 1.600 vereadores e pode ganhar a prefeitura do Rio.
O jornalista observou que os políticos evangélicos cresceram sobre o eleitorado até então petista, composto pelos extratos mais humildes da população.
Bava entende que dificilmente Lula será preso pelos fanáticos da Operação Lava Jato, ou por outros procuradores que queiram fazer parte da articulação golpista. O mais provável, segundo ele, é que ele tenha seus direitos políticos cassados, porque “senão o golpe não teria continuidade”. Ou seja, para o golpe ser completo, é preciso cassar os direitos políticos de Lula e eleger um tucano em 2018.
Após a fala de Bava, vários participantes falaram por alguns minutos. Eu destaco a fala da economista Ceci Juruá. Ela disse que é preciso olhar a PEC 241 em sua dimensão completa. Ela não afeta apenas os orçamentos de saúde e educação, mas desmonta o Estado brasileiro, alertou.
Juruá advertiu que uma das maiores dificuldades para o campo popular se defender dos ataques da elite predadora é definir quem é o inimigo. Ela lembrou que, em seus estudos do século XIX, identificou que havia sempre um “duplo poder” controlando a economia brasileira. Um era o poder na superfície, mais facilmente identificável pela população. Mas havia sempre um poder invisível, que parecia ser o verdadeiro poder. A situação se repete hoje, diz Juruá. FHC e Globo, segundo ela, seriam instrumentos desse poder invisível.
Juruá observou ainda que os militares, apesar de sua truculência, tinham legitimidade política porque o mundo vivia uma guerra fria real, e importantes setores socais entenderam que somente os militares tinham capacidade para enfrentar a ameaça do comunismo. Hoje, os golpistas não tem nenhuma legitimidade. Não há comunismo a combater, embora grupos oportunistas, radicalizados, tentem pintar o PT e a esquerda como herdeiros de um comunismo soviético que há décadas não existe mais.
“Uma escória tomou o poder”, observou Juruá.
Segundo ela, a queda de Dilma foi decidida pelos poderes invisíveis quando os “senhores da guerra e das finanças” viram o Brasil aderir aos Brics.
Ela entende que existem dois faróis que podem nos orientar, em meio ao caos que vemos no horizonte da política brasileira: democracia e soberania. Nesses dois faróis, “lá está o caminho”, independente se quem estiver à frente seja esquerda ou direita. Em caso contrário, adverte Juruá, o Brasil estará “liquidado por meio século”.
Batista, presidente do PCdoB estadual, disse que o momento pede humildade, mente aberta e um espírito autocrítico. Lembrou que perdemos a batalha, mas não ainda a guerra.
Renan Brandão, importante quadro do PT fluminense, integrante da tendência Articulação à Esquerda, lembrou que o campo progressista precisa tomar cuidado para não cair no canto da sereia do espontaneísmo, uma tendência que a internet estimulou muito. Os partidos políticos ainda são necessários, e por isso mesmo é preciso que estes experimentem um processo de autocrítica muito sincero, e se abram às mudanças.
O representante do MST no Rio, também participante assíduo dos debates promovidos pelo Senge, disse que é hora de reler o livro Imperalismo, fase superior do capitalismo, de Lenin, e que as análises catastróficas que alguns fazem da conjuntura são exageradas. “A dialética está viva”, lembrou, enfatizando que o campo popular precisa se organizar pensando muito além e adiante das questões eleitorais. Qualquer movimento de reorganização das forças populares que pensar apenas nas eleições de 2018 já nascerá morto, disse. Alertou ainda para o avanço do Estado de Exceção, que vem criminalizando o MST. “Temos vários companheiros presos, e fala-se numa lei para criminalizar o MST, nos transformando em organização terrorista”, advertiu.
Pegando novamente a palavra, o editor do Le Monde Diplomatique Brasil lembrou que a crise econômica pós-2014 foi “criada”. O Brasil estava bem, segundo ele. Por isso, a disputa de ideias e de narrativas é imprescindível.
Bava observou que o governo Temer está cada vez mais frágil. Segundo ele, o governo perdeu apoio do PSDB. “Não me surprenderia se os principais quadros do governo fossem envolvidos na Lava Jato e houvessem eleições indiretas. O golpe não é um bloco monolítico. No jogo de poder ainda está em aberto a disputa para 2018”.
Bava observou que a sociedade civil organizada no Brasil é uma das mais fortes do mundo, mas que isso ainda não se reflete em instituições partidárias. Ele fez uma crítica ao comportamento do PT e da CUT, que dificultam qualquer debate sobre a constituição de uma frente politica ampla em função de sua fome de hegemonia.
“Não estamos desarmados. Ainda temos capital social”, disse Bava, referindo-se exatamente a sociedade civil.
De fato, uma das fragilidades do governo Temer e do consórcio golpista é justamente confundir um punhado de instituições partidárias e sindicais com a sociedade civil organizada (ou nem tão organizada), que é um universo infinitamente mais vasto, mais plural, mais capilarizado. Essa confusão, claro, é deliberada. É assim que os jornalões, ao se referirem aos blogs políticos, sempre os definem como “blogs pró-PT”, sempre tentando manter a sociedade organizada invisível. A mídia esconde de seus leitores que existem amplos setores sociais que não aprovaram o golpe de Estado, não concordam com a partidarização da justiça, defendem a pluralidade da mídia, lêem blogs e, definitivamente, não querem ser governados por um presidente ilegítimo que não foi eleito, e que tenta implementar um programa de governo que não foi devidamente debatido nas eleições.
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