por João Feres Júnior
No último dia 19 um amigo repostou na linha do tempo de seu Facebook um post de Luciana Genro contendo a seguinte reação à notícia da prisão de Eduardo Cunha (PMDB) pela Polícia Federal: “Cunha na cadeia, vitória contra a corrupção! Viva a Lava Jato!”. Preciso confessar que não guardo grande expectativas em relação a essa liderança gaúcha do PSOL. A maneira como ela se comportou nos debate eleitorais, mais preocupada em acusar Dilma de corrupção do que em criticar as propostas e não propostas de Aécio, para mim indicava equívocos políticos que iam além do mero oportunismo de ocasião.
O moralismo exagerado é um dos principais vícios do PSOL e de outros partidos e grupos à sua esquerda. Seu tom aristocrático e efeito despolitizante é deletério para a democracia e para as causas populares. Sim, aristocrático porque o moralista se sente superior às pessoas e à sociedade que o circundam. E despolitizante porque ele se sobrepõe às reais escolhas políticas que determinam, por exemplo, se o governo vai aumentar o orçamento do Bolsa Família ou dar perdão de impostos às grandes empresas de comunicação. Ser de esquerda é optar por políticas de redistribuição, é ser a favor das causas populares. Ser de direita é o contrário disso. Quando escolhemos a questão da corrupção como prioridade, como fez Luciana em momentos cruciais do debate, deixamos de ser de esquerda e nos reduzimos a meros moralistas – aproximando-nos bastante do moralismo de direita.
Esse elogio rasgado à Lava Jato é um exemplo muito didático. Vejamos. Vamos esquecer por enquanto que a Lava Jato é uma operação de perseguição seletiva a políticos do PT e a pessoas e empresas do seu entorno. Vamos esquecer que essa perseguição é feita por meio da deturpação e violação de práticas institucionais fundamentais à democracia e ao Estado de Direito: são prisões preventivas e temporárias sem justificação, delações premiadas arrancadas por constrangimento, escutas ilegais, ilegalmente publicizadas, conduções coercitivas sem justificação convincente, silenciamento de instâncias superiores judiciais, etc. Quero me concentrar no efeito ideológico do que foi dito pela filha de Tarso Genro, mormente no que está subentendido na mensagem do post: tudo pela luta contra a corrupção.
Pois bem. A glorificação da luta contra a corrupção tem um efeito ideológico (ou cognitivo) de fazer seu aderente pensar que o grande problema do governo é de gestão, ou seja, de uma gestão que desvia recursos ilegalmente: corrupta. As pessoas que pensam assim chegam rapidamente à conclusão de que, uma vez debelada a tal corrupção, os serviços públicos, como saúde e educação, entre tantos outros, vão funcionar maravilhosamente bem. Ora, o grande problema de um governo, dada a inevitável desigualdade produzida pelo funcionamento normal do capitalismo, é mitigar essa desigualdade, e isso só se faz tirando dos que ganham mais e dando para os que não ganham tanto. Não há segredo ou magia, os impostos têm que subir para os ricos e baixar para os pobres, e a arrecadação ser usada para melhorar os serviços para todos, dando preferência aos pobres. É isso que resolve o “problema” do governo.
O sonho dourado da classe média brasileira é ter serviços nórdicos pagando impostos de estado mínimo. Daí ser a ideologia do combate à corrupção uma ficção que lhes é oportuna. Quando os mapas de votação mostram que os eleitores do PSOL moram nos mesmos bairros campeões dos panelaços de recente e deplorável memória, seus militantes ficam perplexos, incapazes de compreender como o povo se nega a reconhecer suas nobres convicções. Mas o povo do alto de sua imensa sabedoria há muito já sacou que de boas intenções está cheio o inferno.
João Feres Júnior é cientista político, vice-diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ e coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA)