Espiando o poder – A hora e a vez da Petrobras

PETRO9 MACAE 18/03/2001 GERAL OE JT PLATAFORMA-ACIDENTE EQUIPES TRABALHAM PROXIMO A PLATAFORMA P36 NA BACIA DE CAMPOS TENTANDO EVITAR O AFUNDAMENTO FOTO DIGITAL POOL TASSO MARCELO-AE 5.70 MB

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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa

Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

Se a gasolina subiu, apesar das manchetes comemorativas sobre a queda dos preços de uma semana antes, sobem também as ações da Petrobras. E se o Estado de São Paulo foi o único dos três maiores jornais a ignorar a queda que virou aumento em sua primeira página, anteontem, é hoje o único, também, a avançar sobre a maior estatal brasileira na capa. “Com alta nas ações, Petrobrás começa a superar Lava Jato”, afirma o Estadão na manchete, com a teimosia do acento agudo já retirado do nome da estatal. No subtítulo, Pedro Parente, “presidente da estatal alerta, porém, que ‘a parte mais difícil vem agora'”. E a analista da agência Moody’s Nymia Almeida tem também chamada de capa para dar uma pista sobre a tal parte mais difícil, ao dizer que “a Petrobrás está em um movimento interessante, mas ainda tem muitas tarefas a fazer”. E no dia em que mostrou um Gilmar Mendes sensato em entrevista de página inteira, a condenar a “canonização” do juiz Sergio Moro, a Folha de São Paulo assumiu também a outra frente para a qual as hostes do golpe pedem pressa. “Aposentado do INSS custa 1/3 do servidor federal”, diz a manchete do jornal que, nesse avanço, recebe o apoio hoje de um colunista do Globo, outra do Estadão e também da chamada de capa do jornal carioca em que “mais da metade dos idosos que trabalham já são aposentados”.

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“Erário gasta R$ 3,3 milhões em 20 anos com funcionário da União e R$ 1,1 milhão com beneficiário do setor privado”, diz o subtítulo da manchete da Folha, com base em “cálculo da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados”. Segundo o estudo, quem se aposentar hoje aos 60 anos, com expectativa de viver até os 80, custará R$ 3,3 milhões. Se o aposentado for militar, o valor sobe para R$ 4,9 milhões. “Ao longo dos anos, desequilíbrios nos regimes de previdência do país criaram distorções e benefícios para grupos específicos, o que desencadeou custos extras no caso dos servidores”, diz a matéria.

Ainda na primeira página, a Folha avisa no fim da chamada que ” presidente Michel Temer quer criar regra única via reforma constitucional”, e que “trabalhadores temem os efeitos da mudança”. No Estadão, a colunista Vera Magalhães diz na capa que “o governo federal vai cobrar dos governadores pressa no envio de suas propostas para a reforma da Previdência”, na chamada para a coluna “Temer cobra ajuda de Estados”. E no Globo Paulo Guedes dá o recado em tom alarmista. “Vai dar tempo?”, pergunta ele, no título da coluna na qual afirma que “o governo Temer precisa exercer sua capacidade de coordenação política para aprovar a reforma da Previdência o quanto antes”.

Guedes não deixa de citar o oráculo mais poderoso nesses tempos de golpe, quem dita as regras, ao afirmar que “os mercados financeiros estão antecipando os efeitos favoráveis que a economia real pode experimentar em futuro próximo, desde que aprovadas as propostas encaminhadas ao Congresso”. Tudo, porém, “é ainda muito precário. Uma corrida contra o tempo”, conclui o colunista, com apoio da chamada da capa do jornal.

Por que não fazer a reforma da Previdência, por que não cortar benefícios nem retirar o ganho real dos aposentados se, afinal de contas, como diz a matéria que abre a editoria de economia do Globo hoje, “entre os homens idosos que estão no mercado, 51,6% recebem benefício do INSS”? Entre as mulheres, esse índice é de 44,4%. Os dados são do livro “Política Nacional do Idoso, velhas e novas questões”, editado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e lançado na última sexta-feira, com “a avaliação de 32 pesquisadores sobre os impactos da política que deu origem ao Estatuto do Idoso”.

A matéria informa também que em 1983, quando foi instituída a Política Nacional do Idoso, “as proporções eram de 39,7% para os homens e 17,5% para as mulheres”. E as autoridades máximas do Judiciário, do Supremo Tribunal Federal, também entram no coro pelo corte de gastos, e de maneira das mais justas, sensatas, aliás, na chamada logo acima, na capa do jornal carioca, em que “ministros do STF criticam remuneração acima do teto” no Judiciário.

A ocupar todo o nobre espaço da página 3 do jornal do carioca, sob o título “Contra os ‘dribles’ no teto”, a matéria afirma que “vencimentos inflados e falta de fiscalização do CNJ preocupam ministros do Supremo”. Dividindo igualmente o espaço com o colega Marco Aurélio Mello na página de dentro, Gilmar Mendes está sozinho na chamada de capa, a querer que o Conselho Nacional de Justiça aja para coibir a prática. “Por resoluções que editou ou pela falta de fiscalização, o CNJ permitiu que se criasse o caos e agora precisa agir para voltarmos à normalidade”, diz Gilmar Mendes, que na Folha, também com chamada de capa, tem uma página inteira só pra ele.

“Decisões de juiz Moro não devem ser canonizadas”, afirma Mendes na capa do diário paulista para, lá dentro, dizer que “o combate à corrupção é usado para defender ‘oportunisticamente’ privilégios do Judiciário, do Ministério Público e de corporações”. O ministro não deixa de ressaltar que a operação Lava Jato é um “marco no combate à corrupção”, mas afirma que “práticas do juiz Sergio Moro e de procuradores não podem ser canonizadas”.

Ao ser questionado sobre o projeto de lei do Senado, de 2009, que pune o abuso de autoridades e foi o pivô do acirramento da tensão entre Judiciário e Legislativo na semana que passou, Gilmar voltou a falar como ministro do Supremo, correto, ao lembrar que “a definição de Estado de Direito é a de que não há soberanos. Juízes e promotores não são diferentes de todas as autoridades e devem responder pelos seus atos. E a verdade é que nós temos um histórico de abusos que vai de A a Z, do guarda de trânsito ao promotor, de prisões abusivas, de vazamento de informações sigilosas, para falar apenas das coisas correntes.”

No Tijolaço, o jornalista Fernando Brito reconhece que o “interesse imediato” de tamanha sensatez de Gilmar Mendes “pode ser, nas ‘sábias’ palavras de Romero Jucá, estancar a Lava Jato, agora que ela já cumpriu seu papel de derrubar o governo e desarticular a esquerda”. Brito afirma, no entanto, que a entrevista de Gilmar à Folha “tem o mérito de colocar a nu o movimento corporativo e o arreganho de poder – não que Gilmar seja contra eles, desde que sejam privilégios das altas esferas – que marca a Justiça brasileira.”

Enquanto isso as ações da Petrobras “subiram 168% neste ano e, desde janeiro, a estatal passou do 11o para o 8o lugar no ranking de valor de mercado que reúne grandes companhias do setor”, afirma a chamada de capa do Estadão. O jornal não abandona o tom otimista nem quando, logo depois, no mesmo texto, informa que “em maio de 2008 (antes da Lava Jato e da crise política), a estatal brasileira era a terceira maior do mundo.” Ministro-chefe da Casa Civil em 2001, ano do naufrágio da plataforma P 36, da foto aí de cima, Pedro Parente agora é presidente da Petrobras e “comemora a escalada”, mas pede atenção, muita displina com o que está por vir.

“Executar um plano de negócios que tem ao mesmo tempo redução de custos e de investimento, sem reduzir metas, com ganho de produtividade, além de um programa de desinvestimento, requer muita disciplina”, avisa Parente, mostrando que vem cumprindo direitinho as tarefas impostas pelos novos patrões do mercado financeiro. “A Petrobrás está vendendo ativos, com uma tendência boa de acesso aos mercados”, diz Nymia Almeida, que sobre as tais tarefas a serem cumpridas, completa o raciocínio da capa avisando que elas são  “principalmente em relação à venda de ativos e à parte operacional, com os custos que ela (Petrobras) pretende baixar.”

Que se venda o máximo possível da Petrobras, em ritmo acelerado, é o que pede a Moddy’s em troca do aumento da nota de crédito da estatal que o Estadão, ao contrário do aumento de gasolina, destacou na capa de sábado. Aumento, aliás, que para Nymia é uma boa notícia, a julgar pela resposta dela à pergunta sobre os efeitos da nova política de preços de combustíveis da Petrobras, regida pelo mercado. “Em relação à venda de ativos, essa política está dando previsibilidade. Antes, quando o preço (do petróleo) subia, questionávamos se a Petrobras conseguiria subir a gasolina. Agora, começamos a ter um pouco mais de certeza”.

E se o Globo  capa só fez relação com a machete da Folha, nas páginas de dentro tabelou bem com o Estadão. “Temer pode indicar hoje novo diretor da ANP”, diz o título em alto de página para a matéria afirmando que o presidente não eleito nem votado “quer dar sinalizações positivas ao setor de petróleo e gás hoje, ao abrir a feira Rio Oil & Gas, que ocorre esta semana no Rio”. A maior sinalização, segundo o jornal “será apontar uma direção-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) mais amigável ao setor do que a de Magda Chambriard, que deixa o cargo no próximo dia 4. O nome mais cotado, com chancela da indústria e apoio dentro do próprio governo, é o de Décio Oddone”.

Tudo certo, tudo pronto para que se venda o máximo possível da Petrobras, em tempo recorde, nesses tempos em que, segundo Joel Pinheiro da Fonseca, na capa da Folha, a “Marca ‘esquerda’ está em baixa na política brasileira”. “No lugar dela, entram valores do liberalismo e da eficiência”, avisa Joel que, como contraponto não na primeira página, só lá dentro tem o artigo “De novo a Belíndia”, de Ricardo Antunes, professor titular de sociologia do trabalho na Unicamp. “O eixo central das ações do governo Michel Temer nas relações de trabalho é implantar a flexibilização completa dos direitos”, afirma ele, para concluir retomando a expressão esquecida no País há cerca de 13 anos, pelo menos. “Em breve teremos um Brasil com riqueza exuberante no topo, parecido com a Bélgica, e uma miserabilidade social que segue os padrões da Índia. Seremos novamente a Belíndia.”

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Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.
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