(Foto: Adriano Machado, Reuters)
Arpeggio – coluna política diária
Por Miguel do Rosário
Sei que todo mundo quer ver o seu inimigo político em cana. Mas não é assim que funciona o xadrez da política no Brasil.
O nosso xadrez (peço licença ao Nassif para copiar um pouco a sua metáfora) obedece a seguinte regra: todo o poder a Moro e à Lava Jato, desde que o objetivo final seja cumprido – prender Lula, destruir o PT e derrubar o governo Dilma.
Os dois últimos já foram bem sucedidos. A Lava Jato produziu todo o clima para o golpe. Compôs a trilha sonora, escreveu parte do roteiro e participou da produção. Derrubou-se o governo mesmo sem crime de responsabilidade. Assaltou o poder uma trupe de delinquentes de fazer inveja à cúpula do PCC. Por uma dessas ironias bem típicas do Brasil, mais de sete ministros eram indiciados pela Lava Jato.
O PT saiu semi-destruído das eleições municipais.
Agora falta prender o Lula, pois é preciso prender a democracia, um regime que pressupõe a liberdade, a insubmissão, a ascensão social, coisas que a nossa elite não suporta.
Para prender Lula, os golpistas são capazes de tudo. Poderiam, no limite, até prender um tucano. Mas isso seria apenas em caso de desespero, pois é muito radical para eles. Então prendem o Cunha, que é um “pato manco”, uma carta fora do baralho.
A primeira coisa que os procuradores disseram é que não vão aceitar “delação premiada” de Cunha.
Claro!
Delação valeria apenas se Cunha tivesse algo contra Lula. Como o material de Cunha é contra Temer, contra o PMDB e contra o PSDB, então é melhor mantê-lo completamente isolado do mundo. Ele vai entender o jogo. Se não denunciar ninguém, se ficar caladinho e deixar o golpe seguir seu curso, daqui a pouco será solto.
Claro que isso não impede um tanto de tortura psicológica, como deixá-lo preso junto com Palocci, apenas para humilhar Palocci e força-lo a, ele sim, delatar.
De qualquer forma, a prisão de Cunha também é um arbítrio, porque Sergio Moro não apresentou nenhum fato novo, nenhuma justificativa.
Os fatos apresentados são antigos, remontando ao Banestado. Moro põe de lado inclusive o entendimento do Supremo, que preferiu não acatar o pedido de prisão de Cunha por não ver necessidade de prisão cautelar, preferindo apenas cassar seu mandato.
Moro, porém, está acima do Supremo.
A prisão de Moro é uma armadilha para ampliar o poder da Lava Jato e de Sergio Moro, abrindo caminho para novos arbítrios.
Quem analisa não sou eu, e sim um respeitado professor da faculdade de direito da UERJ, um dos melhores cursos do país, e um dos que estão sendo deixados à míngua pelo golpe.
Não sou contra a prisão de Eduardo Cunha. Sou contra a prisão cautelar, esse instrumento do arbítrio, que permite ao juiz prender quem ele quer, na hora que quer, independente de provas, com base apenas em sua “cognição sumária”.
Quer prender Cunha? Façam um julgamento, condene-se, dêem a ele o direito a todos os recursos e, ao cabo, se ele perder em todas as instâncias, prenda-o. É assim que deveria funcionar o sistema democrático, que não é um regime prisional e sim um regime de liberdade.
A impunidade não é deixar de prendê-lo. Impunidade foi ter permitido que ele, mesmo com tantos processos nas costas, conduzisse um processo de impeachment!
Esse arbítrio é que deu espaço para o Estado de Exceção que vivemos hoje. O autoritarismo de Moro já envenenou todo o corpo do Estado.
MPF, PF, polícias, tribunais de todo o país estão ampliando o nível de truculência, coação, repressão e desprezo pelas garantias e liberdades.
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No Justificando
Quarta-feira, 19 de outubro de 2016
Estamos diante de mais um caso de abuso com prisões cautelares
Não sei se, depois que deixou de ser deputado, Eduardo Cunha praticou atos atentatórios à instrução criminal. Mas sei que enquanto era parlamentar usou e abusou deste expediente. No entanto, o STF entendeu que essas condutas não justificavam o pedido de prisão, mas o afastamento do mandato.
E a decisão do juiz Sérgio Moro, que decretou-lhe a prisão, não traz nenhum fato posterior à perda do mandato, reportando-se a situações que já eram do conhecimento da Corte Maior. E presumiu o magistrado que tais condutas devem continuar existindo. Mas isso não passa de uma convicção pessoal sem que seja apontado qualquer fato que o justifique.
Assim, mais uma vez se usam apenas os indícios de materialidade e autoria para justificar prisão cautelar na República de Curitiba.
Afinal, ao contrário do que sustenta a decisão, esta medida é sim excepcional, o que se mantém mesmo diante da chamada corrupção endêmica. Nos ensina Agamben [filósofo italiano] que os direitos fundamentais devem ser respeitados mesmo diante de situações de crise, sob pena de instaurarmos o Estado de Exceção Permanente.
Não sou especialista na matéria, mas não preciso ser para me convencer de que estamos diante de mais um caso de abuso das prisões cautelares, o que fragiliza o Estado de Direito e os direitos de todos os brasileiros.
E a conclusão não pode ser diferente por ser Eduardo Cunha o atingido. São nesses casos, em que aqueles que não temos qualquer apreço tem seus direitos fundamentais violados, que é feito o teste do nosso compromisso com a inviolabilidade das garantias constitucionais.
Ricardo Lodi Ribeiro é professor da Faculdade de Direito da UERJ.