Espiando o poder – Os altos e baixos da crise

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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa

Foto: Eduardo Knapp/Folhapress 

Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho

O Estado e a Folha de São Paulo reproduzem hoje na capa, em tamanhos opostos, duas facetas também opostas da recessão atual. “Recuperação deve ser mais lenta, dizem economistas” na manchete da Folha, enquanto o Estadão, no pé da primeira página, em duas linhas, informa que a “Bolsa atinge maior patamar em quatro anos”. Na crise que deixou mais de 20 milhões de desempregados, por enquanto, há quem esteja ganhando cada vez mais dinheiro, no caso o 1% da população cada vez mais rico. No Globo, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que submete às regras do mercado os investimentos sociais, é definida pelos economistas José Márcio Camargo e André Gamerman, em chamada de capa, como “a legislação mais importante, do ponto de vista econômico, desde o Plano Real”. Enquanto os miliardários ficam mais miliardários, é preciso cortar na parte de baixo, por isso então o esperado aumento da repressão, com possível militarização com a participação, quem sabe, da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). A tese é do jornalista Luis Nassif, no “Xadrez de Carmen Lúcia, agente da remilitarização do país”.

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No subtítulo da manchete da Folha, “quedas nas vendas do comércio e na produção industrial pioram projeções”. Diversos analistas de bancos como Bradesco e Golgman Sachs preveem, no texto abaixo da manchete, que “a economia pode repetir, no terceiro trimestre deste ano, o tombo observado nos três meses anteriores”. Nas últimas linhas, brinca de boa e má notícia ao informar que “queda na renda desacelera a partir do terceiro trimestre, mas desemprego ainda deve aumentar”. As previsões não são nada boas e o pessimismo é confirmado pela coluna de Míriam Leitão assinada, durante as férias da titular, por Álvaro Gribel Marcelo Loureiro.

Sob o título “Prova de obstáculos”, o texto reconhece que “a queda do comércio em agosto reforçou as projeções de que a economia brasileira permaneceu em recessão no terceiro trimestre”, mas exime o governo Michel Temer de qualquer culpa disso nas palavras da economista Silvia Matos, do Ibre/FGV. “Ainda estamos pagando o preço dos erros do passado. Temos recuperação com crédito escasso, famílias e governo endividados e inflação alta. O governo está surpreendendo positivamente, com uma equipe econômica forte e sintonia política. Estamos caminhando, mas são muitos obstáculos” diz Silvia, justificando, também, o título da coluna.

No mesmo texto Silvia Matos “está preocupada com o otimismo do mercado. Acha que a recuperação será lenta e teme que isso leve a uma frustração de expectativas. ‘Desemprego, inflação e endividamento inibem o consumo, e a indústria não tem competitividade para exportar’.” E no pé da coluna, ao lado do título “Horizonte”, a última notinha avisa que “enquanto a economia real ainda patina, a expectativa puxa a bolsa. Ontem, o Ibovespa subiu 1,73% e chegou ao maior nível desde abril de 2012.” E na chamada do Estadão, único a dar a informação na capa, a alta festejada da Bolsa de Valores vem ao lado da foto de agentes do metrô paulista a brandirem cassetetes contra um estudante que protestava, na estação, contra a reforma da Educação.

O metrô de São Paulo, a propósito, está hoje entre as pitadas de contraponto da mídia familiar, corporativa. Na chamada de sua primeira página, a Folha informa cheia de cuidados, discreta, que a Policia Federal “apura possível propina em caso do metrô paulista”. No texto, fala em “suposto pagamento” a promotor de Justiça de São Paulo para favorecer empreiteiras acusadas pelo desabamento na obra da linha4-amarela, que abriu uma cratera no solo que tragou caminhões, maquinários e causou a morte de sete pessoas. O acidente aconteceu em janeiro de 2007, primeiro ano de gestão de José Serra (PSDB) no governo estadual.

O Globo vem com chamada embaixo, no canto, dando prosseguimento à denúncia da manchete de ontem do Estadão contra a família Picciani, do PMDB do Rio de Janeiro. “R$ 1 milhão por fora pelas vacas”, diz a matéria sobre o segundo depoimento em delação premiada no âmbito da Lava Jato a envolver “a Carioca Engenharia com a compra de gado de Picciani.” Ricardo Pernambuco Júnior, diretor e acionista da empresa, revelou ao Ministério Público Federal (MPF) a “compra de 160 cabeças de gado da Agrobilara, empresa da família do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, por R$ 3,5 milhões”.

O negócio teria ocorrido “entre 2012 e 2013” e o valor acertado, segundo Pernambuco, “estava acima dos de mercado, razão pela qual Picciani devolveu R$ 1 milhão por fora e ficou com o restante”. A matéria conta ainda que “Walter Faria, fabricante da cerveja Itaipava, cujas distribuidoras devem mais de R$ 1 bilhão em ICMS ao Estado do Rio, também é sócio de Picciani na Tamoio Mineração.” Na manchete de ontem do Estadão, quem levantou a história foi a ex-diretora financeira da Carioca Engenharia, Tânia Maria Fontenelle, e hoje o jornal usa a proposta de delação de outro empresário em nova manchete de denúncias contra o lado que nunca é preso, nem condenado.

“Proposta de delação de dono da Delta atinge PMDB e PSDB”, diz o Estadão na manchete, e no subtítulo dela “Aloysio Nunes, Sérgio Cabral e Marconi Perillo foram citados por Fernando Cavendish”, na tentativa de acordo do dono da Delta com os procuradores do MPF. “A Delta integrou consórcio responsável por um dos lotes da nova marginal Tietê”, diz o texto da chamada, que também fala em “desvios para conquistar obras como a do Maracanã”. Ao lado, em chamada auxiliar à manchete, “Lula quer afastar desembargador”.

O Estadão é o único a citar Lula na capa, falando do caso que foi tema hoje da coluna, “Preparando o terreno”, de Merval Pereira. Os advogados de Lula entraram com um pedido para que o desembargador João Pedro Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), considere-se impedido de julgar o pedido de suspeição do juiz Sérgio Moro. A defesa de Lula apontou indícios de relações próximas entre Moro e Gebran Neto, “inclusive com o apadrinhamento de um dos seus filhos”. Gebran Neto é responsável por julgar recursos às sentenças de Moro na segunda instância.

Merval não fala em apadrinhamento no texto. Diz que os advogados de Lula justificaram que juiz e desembargador “seriam amigos íntimos”, antes de confirmar que Gebran Neto simplesmente “se recusou a esclarecer se mantém relação de amizade com Moro, e marcou o julgamento para hoje.” E no fim, no dia em que um ex-presidente da República pode ter sua prisão decretada sem provas, na base do powerpoint, Merval conclui o texto em tom fantasioso, como se o Judiciário nacional fosse 100% imparcial, ao dizer que “seria preciso acreditar que uma ampla conspiração da Justiça brasileira foi montada apenas para perseguir Lula. Há quem acredite, no entanto, que toda essa estratégia de vitimizá-lo pode desaguar num pedido de asilo político do ex-presidente e de sua família.”

Trata-se de uma estratégia de Lula, diz Merval, de apresentar-se ao resto do mundo como perseguido político. O colunista do Globo ironiza o quanto pode, diz até que não houve a vigília na porta do prédio onde Lula mora, exibida na primeira página do Estadão de ontem, e no fim bate de frente, mais uma vez, com a opinião do povo exposta logo na página dois, na coluna de seu colega de jornal Ilimar Franco, que recorre à pesquisa Vox Populi que aponta o petista subindo na liderança das intenções de voto para 2018, de 29% para 34%, enquanto o segundo colocado, Aécio Neves, tem 15%.

“O discurso do PT está emplacando”, diz Ilimar. Na pesquisa Vox Populi encomendada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), “41% concordaram com a afirmação de que o MP ataca Lula, mas não os integrantes do PSDB e do governo Temer. Para 65%, é equivocado concluir que Lula está errado tendo como base a convicção, e não as provas”, completa o colunista, que publica a nota, sob o título “Lula, a vítima”, bem abaixo de outra sobre a mesma pesquisa, com números mais palatáveis, que por isso abrem a sua coluna.

“A curva ascendente de Temer” é o título da nota principal a afirmar, na primeira linha, que “a avaliação positiva do governo do presidente Temer está crescendo na sociedade”. Segundo a Vox Populi , “os que acham que o Brasil vai melhorar no governo Temer cresceram de 21%, em junho, para 33%, em outubro. A região na qual essa avaliação positiva mais cresceu foi o Sudeste, onde saltou de 23% para 38%”, afirma o colunista.

Forte, portanto, cada vez mais popular, segundo o Globo, Temer aparece na capa da Folha conversando com o imperador Akihito, do Japão, na foto de Beto Barata, da Presidência da República. De lá mandou avisar, segundo a chamada ao lado da foto, que “se governo parar a cada denúncia ficará difícil”. Nada além de manchetes e chamadas passageiras, breves, contra os amigos, é o que sugere o presidente não eleito nem votado. E na mesma nota, sobre a mesma pesquisa, Ilimar diz que “no caso da PEC do teto dos gastos, a despeito de a reação ser rarefeita, 70% se dizem contra, porque os gastos com Saúde serão corrigidos só pela inflação”, e que “no caso da reforma da Previdência, 80% são contra. Isso revela que há espaço para mobilização contra as mudanças.”

Se há espaço para mobilização, há também para a repressão, com movimentos em direção à militarização cujo ápice, segundo Nassif, “foi a atitude da nova presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Carmen Lúcia, de convocar as Forças Armadas (FFAAs) para discutir segurança interna”. No “Xadrez de Carmen Lúcia, agente da remilitarização do país”, o jornalista afirma que “a ideia básica desse modelo é ajudar a fortalecer governos de direita, contra movimentos populares e partidos de esquerda”. “Com a desmoralização crescente do poder civil, o resultado óbvio será o de, em algum ponto do futuro, as FFAAs abolirem os intermediários”, conclui Nassif.

E se bradou ontem em quatro páginas, ao lado de Fernando Henrique Cardoso, pela reforma política, o Globo mostra hoje, no editorial, seu real interesse na história, a volta do financiamento privado eleitoral. “O equívoco de proibir a doação eleitoral por empresas” é o título da texto em que o jornal repisa o argumento de que a proibição da via preferida por 10 entre 10 corruptos, na verdade, “acabou criando novas zonas de sombra no abastecimento de contas”. No Estadão, na coluna intitulada “Dinheiro move ‘reforma'”, Dora Kramer fala que a ideia no Congresso “agora é criar atalho para permitir a volta de doações empresariais”.

Na mesma coluna, Dora Kramer avisa que “suas excelências devem ir devagar com o andor que a paciência do eleitor é de barro”. E na capa da Folha, na foto do mesmo fotógrafo que assina a imagem lá em cima, o prefeito eleito Jorge Doria joga bola de camisa social, calça comprida, cinto e mocassim. Em volta dele, meninos carentes de Parelheiros, na zona sul de São Paulo, observam de fora, alguns deles rindo. A bola está com os mais ricos, que já começam a ganhar muito dinheiro com a crise, e querem mais.

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Luis Edmundo: Luis Edmundo Araujo é jornalista e mora no Rio de Janeiro desde que nasceu, em 1972. Foi repórter do jornal O Fluminense, do Jornal do Brasil e das finadas revistas Incrível e Istoé Gente. No Jornal do Commercio, foi editor por 11 anos, até o fim do jornal, em maio de 2016.
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