Países que tiveram suas obras interrompidas pela Lava Jato podem processar BNDES

Suspensão de repasse do BNDES tem risco de judicialização

na Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib)

*publicado originalmente no Valor Econômico

A suspensão dos repasses de financiamento à exportação pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para 25 projetos na América Latina e África pode abrir risco de judicialização contra a instituição de fomento por quebra de contratos. As ações judiciais podem ser movidas contra o BNDES pelos países que sintam prejudicados pela paralisação de obras envolvendo exportação de bens e serviços brasileiros financiados pelo banco. O risco de contencioso existe, dizem especialistas e empresas que estão com os desembolsos suspensos.

O BNDES anunciou, semana passada, que, desde maio, suspendeu desembolsos para 25 projetos na área de exportação de serviços de engenharia, que somam US$ 7 bilhões. “O importador [o país] pode considerar a suspensão do financiamento como quebra de contrato pois tem acordo em que o BNDES se compromete a financiar”, disse fonte. Outra fonte avaliou, porém, que o BNDES pode ter “conforto” nos contratos para suspender os repasses.

A decisão de suspender os desembolsos na exportação para Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez foi tomada em caráter prudencial depois de consulta à Advocacia Geral da União (AGU), que moveu ação civil pública por improbidade administrativa contra as empreiteiras investigadas na Lava­-Jato. O BNDES anunciou ainda novos procedimentos para financiar exportações de serviços.

Em nota, a OAS disse que está analisando as mudanças nas condições dos financiamentos anunciadas pelo BNDES e que o papel do banco como financiador é importante para seus planos de expansão. A empresa quer crescer no mercado externo. Dentre os 25 projetos suspensos, dois são de obras da OAS. A empresa havia saído de um deles, o de Honduras. O da Argentina está paralisado desde o fim de 2015 a pedido da autoridade local, responsável por parte do valor da obra, e deve ser retomado entre o fim deste ano e início de 2017. A empresa desembolsou 75% do valor contratado.

Fonte afirmou que, quando o BNDES deixa de desembolsar recursos, o exportador perde fôlego para continuar a obra. “Essa situação, levada ao extremo, faz a obra parar.” A lista de 25 projetos inclui obras que estão em diferentes estágios. Há obras com os serviços paralisados, realizando somente manutenção. A fonte disse que tem havido reuniões, via videoconferência, entre o BNDES e os países onde as obras se realizam, na busca de soluções. Os exportadores participam dos contratos como “intervenientes”, com obrigações na exportação de serviços.

Os países têm se mostrado insatisfeitos com as exportadoras brasileiras que não estão executando os serviços na velocidade prevista. Procurado, o BNDES não comentou. Na exportação de serviços, o exportador executa a obra no exterior e o cliente (governo local) atesta que o serviço foi realizado, autorizando o BNDES a pagar a empreiteira, no Brasil, em reais. Trata­-se de um reembolso pois a empresa vai receber por serviço executado, disse uma fonte.

Se parte dos projetos for cancelada, os exportadores brasileiros terão que discutir com os países a viabilidade de concluir as obras. As empreiteiras podem ter que buscar outras fontes financeiras, tarefa difícil, na avaliação de especialistas.

Se parte dos contratos for cancelada, as empreiteiras podem ficar liberadas de cumprir requisitos de conteúdo nacional exigidos pelo BNDES na exportação de bens e serviços. Poderiam assim contratar equipamentos para os projetos com fornecedores de outras origens. Bruno Werneck, do Mattos Filho Advogados, avaliou que o principal risco decorrente da suspensão dos repasses pelo BNDES é “reputacional”, sobre a imagem do sistema de financiamento e sobre os exportadores brasileiros. Werneck defende que a análise sobre a suspensão deveria ser cautelosa, caso a caso.

Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), pede a separação “do joio do trigo” em vez de penalizar a indústria como um todo.

Na sexta, as Associações de Funcionários do BNDES, Finame e BNDESPar soltaram nota repudiando “ilações indevidas” de que as mudanças anunciadas no financiamento às exportações tenham sido motivadas pela identificação de irregularidades nos contratos. A nota afirma que parte das mudanças começou ainda na gestão anterior inclusive as ligadas a compliance e ao combate a corrupção, mas, de acordo com a nota, “outra parte vinha sendo estudada e ganhou força com a chegada do novo diretor responsável. As AFs saúdam a atual Diretoria pela celeridade que deu ao aperfeiçoamento da atuação do BNDES”

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