Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho,
O superdesenvolvimento das tecnologias da comunicação, com a internet e os dispositivos digitais, serviu de início aos bancos e ao capital financeiro, que agora concentram enorme fatia da riqueza mundial. Hoje, a PEC 241 vem para remunerar o capital especulativo, que lucra com a dívida pública, e para criar uma sociedade de fluxos hipermoderna e robótica, que, contudo, fará o Brasil regredir um século na história.
Apesar da multiplicação das redes sociais e dos smartphones, e do apego fascinado ao Facebook – as siderantes bugigangas do colonialismo do século XXI –, o Brasil voltará aos anos de 1910 e 1920, época em que a questão social era caso de polícia.
Hoje, data em que o governo Temer, somando o período como interino, completa 160 dias, não restam dúvidas sobre seu projeto para “pôr o Brasil nos trilhos”. Seu objetivo não é o de destruir uma ou outra política social, mas o conjunto das políticas sociais e direitos desse período em que a democracia no Brasil começou timidamente a florescer no país.
Nisso não há mistério nem enigma. Foi assim em 1945, logo após Vargas aprovar a legislação trabalhista, e a CLT, que hoje Temer quer trucidar para oferecer “bons negócios aos empresários” nacionais e internacionais. Foi assim em 1954, quando a força dos sindicatos, embora dentro da tímida política populista, começou a se insinuar. Foi o que voltou a ocorrer em 1964, quando novamente a luta pelas Reformas de Base, que pretendia levar a milhões de pessoas escolas, hospitais, alimentação e dignidade, foi brutalmente interrompida pelos militares. E está sendo novamente assim agora, em 2016, com o golpe que todos repudiamos.
Nesse quadro, prender Lula seria um passo essencial para erradicar a democracia fazendo desaparecer qualquer alternativa de poder. Mas não é assunto simples, como veremos logo adiante.
A história, como se vê, não se repetiu apenas uma vez. Foram quatro (1945, 1954, 1964 e 2016) os momentos em que as elites brasileiras trabalharam para fazer os ponteiros da história regredirem ao passado, embora o último ainda esteja em litígio (A obra Os bestializados, de José Murilo de Carvalho, mostra que a República de 1889 levou, já bem antes, o país a unir a modernização da belle époque ao furor regressivo das oligarquias). E em nenhum dos momentos apontados a história se repetiu como farsa, mas sempre como uma tragédia mais aguda. (O sentido desse movimento simultâneo para o futuro e o passado, e dessa hipermodernidade, tratamos em nossa tese Lógica do disparate, 2001)
A diferença hoje é que, nos planos do golpe, está a destruição dos direitos em escala monumental. Direitos novos e antigos, de crianças e de idosos, de homens e de mulheres, devem ser triturados. Eles querem destruir os direitos trabalhistas, a Previdência, o SUS, as universidades públicas, os hospitais públicos, a aposentadoria, o salário mínimo, o salário dos aposentados, etc. É a vingança insana numa guerra de extermínio contra a democracia.
A CLT que os militares em 1964 nem cogitaram tocar, exceção feita ao controle político, eles quererem destruir. Uma destruição que, para enganar a população, chamam de “adequação da relação entre empregador e empregado” e de “modernização”. Hoje, Temer e seus ministros querem fazer o país recuar um século, deixando apenas o caos onde antes havia uma legislação que dava garantias aos trabalhadores. Veja-se o que o biografo de Getúlio, Lira Neto, escreveu sobre a introdução da CLT em 1943:
“A CLT, com seus minuciosos 922 artigos, representava um inegável avanço em relação ao período republicano anterior, no qual as relações entre capital e trabalho eram encaradas como uma questão de polícia e os empregados ficavam à mercê das arbitrariedades dos patrões, sem praticamente nenhuma legislação que lhes assegurasse os direitos básicos. Ao criar a Justiça do Trabalho, regulamentar o salário mínimo, as férias anuais e o descanso semanal, entre outros tantos benefícios à classe trabalhadora, Getúlio rompera com um longo histórico de injustiças sociais, embora sob o preço da repressão sistemática ao movimento operário independente e ao sindicalismo livre.” (Neto, L., Getúlio, Vol. 2, p. 443)
Nada disso foi dado de mão beijada, mas é fruto de décadas de lutas sociais entre os anos 10 e 30, de anarquistas e socialistas, ao custo de enormes sacrifícios no enfrentamento da repressão policial aos movimentos. Temer pretende destruir tudo isso – tornar a aposentadoria quase impossível, elevar a jornada de trabalho, entregar aos empresários a decisão sobre as condições de trabalho, acabar com as garantias legais, etc.
Assim, recuaríamos um século em 24 prestações mensais pagas pelo capitalismo canibal brasileiro e internacional à gangue do golpe. A PEC, que não esconde isso de ninguém, quer arrasar as políticas sociais e o estado de direito para pagar os rentistas da dívida pública, os bancos, os especuladores, os ‘fundos abutre’ e os parasitas mais sórdidos. A fome, as doenças, a subtração de direitos, a degradação completa das escolas e universidades, a violência sem limites, devem imperar para que o capital financeiro seja locupletado.
Trata-se de construir um modelo de sociedade escravista pós-moderna para o século XXI. Não nos enganemos, é um projeto futurista, em acordo com as tendências da impensável concentração mundial de renda que se reforça no século XXI. É uma reforma levada a cabo por uma máfia de aventureiros, mas não é mero acidente no caminho da história. Sem reação, certamente vencerá e será imposto a ferro e fogo por décadas.
Esse será um admirável mundo novo em que as piores maldições do passado reviverão e serão conectadas com as formas de repressão do século XXI. Por exemplo, a violência policial contra os movimentos sociais, transformados em caso de polícia, será operada como vigilância panóptica contra qualquer rebeldia, nos moldes já implementados pela Agência de Segurança Nacional (ASN) dos Estados Unidos, que Edward Snowden denunciou.
Esse projeto pretende criar uma população dividida entre zumbis de classe média e uma multidão de robôs, a “base social”, formada por ex-operários (a categoria ‘operário’ será extinta junto com a CLT), lumpens, miseráveis, viciados, traficantes, etc. Uma maquete desse projeto, já se pode vislumbrar em diversos estados brasileiros, em regiões metropolitanas que concentram milhões em periferias que são verdadeiros campos de concentração.
A prisão de Lula é o último obstáculo a implementação desse projeto, que reúne a mídia, o judiciário, o empresariado, e tem o governo Temer como seu operador. Excluída toda alternativa de poder, qualquer ato de rebeldia política será considerado terrorismo com todas as consequências legais que isso acarreta. Leis, as únicas que existirão e que o Judiciário reconhecerá, serão as que criminalizam e punem os pobres.
O mundo estará dividido em dois grupos: o mundo dos moralistas, que como o juiz Sérgio Moro já ganham hoje mais de R$ 70 mil por mês, e o mundo dos sem renda fixa, ex-trabalhadores, que passarão a ser chamados pura e simplesmente de bandidos.
A prisão de Lula nesse momento é objeto de muitos cálculos. Prendê-lo, é o que a mídia e a política sugerem insistentemente ao Judiciário. Mas o Judiciário sabe que, preso Lula, as prerrogativas da justiça serão reduzidas. É o mesmo medo que sentem com um eventual fim da Lava Jato. Sérgio Moro, como o alertou Rogério Cerqueira Leite, deixará de ter mídia e palco no dia seguinte à detenção de Lula, e seus apoiadores do DEM e do PSDB, mas também os do PMDB e demais ‘partidos da ordem’, não o tolerarão nem mais um dia após a neutralização do PT.
Esse quadro torna a decisão sobre a prisão de Lula mais complexa e mais problemática do que parece à primeira vista.
Mas isso não exime a esquerda de se preocupar com ela. Muito pelo contrário. A eventualidade dessa prisão tem que ser objeto de cálculos e estratégias elaboradas, mas com objetivos claros de mobilização e preparação eficazes, e não os de propagar lamentações depressivas ou de semear o pânico.
É preciso compreender e divulgar a dimensão da catástrofe que se anuncia com a prisão de Lula, como a senha para implementação da hipermodernidade robótica no Brasil.
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