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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa
Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho
A caminhar jovem, livre pelas ruas de Londres em 1966, ou na maturidade dos cabelos brancos dos atuais 75 anos, Bob Dylan domina as capas do Estado e da Folha de São Paulo hoje. A Academia Sueca deu sua guinada pop e o bardo da canção norte-americana, depois do Oscar, leva agora o Nobel de Literatura, o que também é destacado pelo Globo no alto da primeira página. As mortes do italiano Dario Fo, outro Nobel literário, e do psiquiatra Flávio Gikovate ganham chamadas e, além deles, apenas outros dois nomes se repetem nas três capas de hoje: o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o do juiz Sergio Moro. Lula é a primeira palavra da manchete do Globo, corrupção é a última, e a denúncia para associar as duas trata, novamente sem provas, de criminalizar ações do ex-presidente em favor de empresas brasileiras no exterior. O caso tem chamada na capa de Estadão e Folha, onde em cima ou embaixo, também no jornal carioca, Moro condena o ex-senador Gim Argello (PTB-DF) e começa a julgar Eduardo Cunha. Eis o contraponto, o justiceiro implacável atrás do outro lado enquanto se prepara para o que realmente importa, o duelo ao sol de cartas marcadas, na base do todos contra um, a ser assistido com tempo de sobra, à toa, pelos 22,7 milhões sem trabalho que a Folha, ao contrário dos concorrentes, não mostra na capa.
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O jornal da família Frias exibe de novo interesse único, especial, por assunto ignorado pelos concorrentes em suas primeiras páginas, ao dar nova manchete sobre a repatriação de recursos no exterior, “que acelera a 15 dias do final do prazo”. O governo já garantiu “R$ 12 bilhões com impostos e multas sobre um patrimônio de R$ 40 bilhões mantido no exterior por brasileiros, sem declaração à Receita”, diz a primeira frase do texto da manchete. O buraco da sonegação do 1% mais rico da população brasileira, porém, é muito maior, porque a Receita espera arrecadar R$ 50 bilhões até o fim do prazo para a repatriação, no dia 31 deste mês de outubro. E nas páginas de dentro a Folha avisa no título que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), “falta trabalho para 13,6% da população em idade produtiva”. No subtítulo da matéria, 11,6 milhões estão desempregados, 4,8 milhões são subocupados e 6,2 milhões simplesmente se afastaram do mercado, em movimento que combina com o título de “percepções sombrias”, do segundo editorial do jornal hoje que, no entanto, tenta puxar pelo otimismo.
O texto até cita o levantamento “O que preocupa o mundo”, do instituto Ipsos, que coloca os brasileiros em terceiro lugar no planeta entre os mais pessimistas, mas abre, na primeira linha, com a “imagem de despreocupação, otimismo e efusividade popular” associada ao Brasil. Logo em seguida vem o Relatório Mundial da Felicidade, da ONU, onde o País subiu da 24a para a 17a posição, “acima de outras 140 nações”, como afirma o editorial que mais à frente admite, entre elogios às propostas “necessárias”, que o que está ruim vai piorar. É “duvidoso” que o “caráter amargo” das tais propostas necessárias do governo Temer possa reverter “a curto prazo o predomínio de percepções sombrias a respeito do futuro”, diz a Folha, para depois mostrar a redução nos índices de preocupação com o sistema de saúde (de 70% em 2014 para 50% este ano) e com a violência (de 60% para 48%). “Sinal, talvez”, segundo o jornal, “de que algum otimismo não deva ser descartado”, nestes tempos difíceis em que a penúria atinge também os estados.
Enquanto tentam garantir no Congresso que parte das multas da repatriação seja repassada a estados e municípios, governadores endividados “vão receber R$ 1,9 bi” em repasses da União relacionados “ao auxílio de financiamento às exportações”, diz o Globo na chamada. Bem ao lado, na foto maior da capa, de Pablo Jacob, o jornal que ontem mostrou o interior lotado da Basílica de Nossa Senhora Aparecida (SP), no dia da padroeira do Brasil, hoje exibe José Mariano Beltrame, de saída da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, a guardar na maleta de mão um crucifixo. Uma sugestão, talvez, sobre onde pode vir a ser aplicada a maior parte dos recursos a serem recebidos, na sonhada, almejada segurança pública para todos nós.
Beltrame “defende ações sociais” na primeira página do jornal carioca e lá dentro, na declaração que é o título da entrevista, diz que a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) “intimou o Estado a exercer o seu dever”. O ex-secretário lembrou que a UPP “descortinou áreas que estavam com o crime organizado”, reiterou que “a paz não pode ser resumida a ações policiais” e, como exemplo prático do que o Estado poderia ter feito e não fez, falou em prisão. Avisando antes que “dirão que o secretário está desviando o foco”, lembrou do tiroteio com mortos e feridos desta segunda-feira, pelas ruas das icônicas Copacabana e Ipanema, fruto de um ataque de traficantes à UPP da região. “Esse problema não é da UPP”, diz Beltrame, antes de relatar o caso de Samuel de Freitas e Silva, chefe do tráfico no morro do Pavão-Pavãozinho, “preso com um fuzil .30 e solto seis anos depois”. O ex-secretário conta que a unidade da UPP vinha monitorando Samuel desde maio e, ainda que não tivesse conseguido evitar o caos nos bairros nobres em plena luz do dia, “percebeu que o plano era retomar morros da Zona Sul” carioca. Tal plano, segundo Beltrame, foi planejado por Samuel ainda dentro do presídio. “E a Justiça deixou que ele (Samuel) saísse”, diz o ex-secretário, em parceria com o editorial principal da Folha.
Em cima das pitadas de otimismo no meio das “percepções sombrias”, o diário paulista ressalta vícios, “algumas doses de incoerência e populismo”, mas afirma sem sombra de dúvida, no subtítulo, que a “proposta de endurecer regras para soltar presos vai na direção correta”. E no País dos 22,7 milhões de desempregados no aguardo de mais arrocho, mais recessão à margem das centenas de bilhões de reais sonegados por parcela ínfima, 1% só da população nacional, espera-se agora o duelo ao sol de cartas marcadas, sem provas. De um lado o xerife todo poderoso, juiz de primeira instância com o beneplácito dos tribunais superiores e apoio irrestrito da mídia amiga. Do outro o ex-presidente, ex-operário também, que nessa hora só pode contar, talvez, com o povo, quem sabe a entoar canções de protestos, como Bob Dylan.
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