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Espiando o poder: análise diária da grande imprensa
Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho
O rótulo de exclusivo precede as manchetes do Estado de São Paulo e do Globo neste sábado em que a Folha de São Paulo puxa pelo projeto de repatriação de recursos, assunto sequer citado nas primeiras páginas dos dois concorrentes. O Globo passa recibo na manchete da véspera do Estadão sobre a crise do Rio de Janeiro e informa que o “Estado terá programa de demissão voluntária”, sem esquecer da eterna rixa bairrista na imagem da Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão postal do Rio, com a espuma feia, certamente mal cheirosa, em primeiro plano na foto de Paulo Jacob sobre o título: “o Tietê é aqui”. Bem ao lado da manchete, sob o “Alívio nos preços” do chamado chapéu, no jargão jornalístico, a “Inflação cai, e BC deve baixar juros”, e ao dar no alto a chamada para o único assunto nacional a ocupar as capas dos três jornais de hoje, o diário carioca mostra que no entorno das manchetes, nas páginas de dentro também, a grande mídia corporativa permanece unida no mesmo ideal neste sábado de belas paisagens maculadas, em que a manchete mais relacionada ao ideal em questão, hoje, é do Estadão, e não deixa de ser, também, um sinal desses tempos de bondades mais gordas ainda, com o dinheiro público, para a imprensa amiga.
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“No QG da delação premiada” é o título da manchete sobre a exclusividade da matéria da “equipe do Estado” que, informa o jornal no texto, ficou hospedada no hotel Windsor Plaza Brasília, “um dos mais caros da cidade”, segundo a chamada da primeira página. Em tempos de demissões em massa nas redações e fechamentos de jornais, houve verba até pra pagar a “taxa extra” de acesso ao buffett onde, pelo que sugerem as fotos, foi apurada boa parte da matéria sobre a rotina no hotel que teve “quartos para cerca de 20 pessoas” alugados pela Odebrecht, além de salas de reunião, “refeitório e lounge para secretárias”, tudo para negociar “aquela que pode ser a mais explosiva delação premiada da Operação Lava Jato”. Espera-se que Marcelo Odebrecht, preso há um ano e 4 meses, quando presidia o grupo empresarial, confesse crimes ao lado de cerca de 50 executivos da empresa, em troca de punições menores.
Centrada na aflição da família Odebrecht, principalmente do patriarca, Emilio, a matéria cita o nome de um político apenas, que por alguma coincidência quase inacreditável vem somente no 13o parágrafo. Na lista da Odebrecht divulgada anteriormente, e desprezada depois pela Lava Jato, Moreira Franco, atual secretário do Programa de Parceria de Investimentos do governo Michel Temer, é o “gato angorá”. Renan Calheiros é o “atleta”, o ex-governador Sergio Cabral é “Proximus” e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, é o “Nervosinho”, enquanto José Sarney é o “Escritor”. Romero Jucá, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves não recebem apelidos, mas também estão na lista, ao contrário do único político citado na matéria de capa do Estadão, ele, no parágrafo 13, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sem a história exclusiva do hotel, o Globo diz no alto da página 8 que os executivos da Odebrecht “começam a fechar acordos de delação”, sobre a foto de Marcelo ao ser preso, sendo conduzido pelo famoso policial japonês hoje condenado (não preso) a exibir sua tornozeleira eletrônica por aí, inclusive conduzindo com ela outros presos. Na página ao lado, o título em seis colunas usa a delação de Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, pra falar outro nome de politico não citado na lista inicial da Odebrecht. O Globo fala em “‘pressão horrorosa’ de Dilma” no título e, entre as duas matérias sobre a Lava Jato, vem menor, a mostrar que a Justiça é para todos, o texto auxiliar sobre caso já conhecido, do ex-juiz João Carlos da Rocha Mattos, preso na quarta-feira por peculato, por comandar organização que negociava decisões judiciais.
A informação sobre a prisão foi dada pela Polícia Federal só na sexta e hoje a história também vem como matéria auxiliar na Folha, abaixo de uma daquelas pra mostrar pluralismo, que até chamada de capa recebeu anunciando a denúncia contra o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, acusado de receber R$ 4 milhões de firma investigada. A ver por quanto tempo o caso merecerá destaque como o de hoje, na primeira página, junto com a manchete em que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo “Maia lança ultimato por mudança na repatriação” neste País onde, mesmo diferentes nas manchetes, com exclusividade e tudo, os grande jornais quase sempre concordam entre si em todas as páginas, inclusive nos editoriais.
Se o editorial principal do Globo de hoje, em cima, reforça a manchete do jornal pregando “tratamento de choque para a crise fiscal fluminense”, o de baixo afirma “o equívoco da proibição de doações de empresas na eleição”, em tabela perfeita com a opinião da Folha exposta uma semana atrás, no mesmo dia, sábado. A Folha relacionou a redução das verbas aos candidatos com o aumento da violência na campanha eleitoral, depois de destacar a morte ao vivo, em foto enorme na primeira página. O Globo, hoje, diz que a proibição ao financiamento privado nas eleições deste ano “estimulou o aperfeiçoamento de mecanismos de burla à fiscalização da Justiça Eleitoral”, e assim os dois jornais dão-se as mãos na luta pela volta da maior veia de corrupção da América Latina, que ajudou a formar o Congresso atual, esse mesmo que manchou a história, infelizmente, sob a batuta de Eduardo Cunha.
Globo e Folha também compartilham uma foto da capa hoje, do presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, com as mãos na mesma posição de reza, nos dois jornais, ele que foi agraciado com o Nobel da Paz. Premiado por seus esforços pelo fim do confronto de 52 anos em território colombiano contra as Farc, apesar da derrota do acordo com o grupo guerrilheiro no plebiscito do domingo, Juan Manuel Santos aparece na Folha embaixo de mais uma foto de destroços provocados pelo furacão Matthew, que matou 877 pessoas no Haiti. No Globo, vem embaixo da lagoa tomada pela espuma, fenômeno que, segundo o texto-legenda da foto que não é esta aí em cima, do mesmo autor, “para especialistas pode ter sido causado por esgoto”, enquanto a Secretaria de Meio Ambiente, no mesmo texto-legenda, afirma que não se trata de poluição, que “o efeito foi provocado por algas”. E se o jornal carioca aproveita o título da foto pra alfinetar São Paulo com as mazelas da própria cidade maravilhosa, o Estadão publica uma foto apenas na capa, além das imagens relacionadas à manchete. Trata-se da reinauguração do tradicional hotel Ca’d’Oro, na Rua Augusta, “sinônimo de charme”, segundo a legenda da foto de Tiago Queiroz. Em tempos de esperado aumento na eternamente gritante desigualdade social brasileira, que vinha sendo reduzida nesses 13 anos de governo do PT, a imagem mostra parte do luxuoso saguão do hotel tendo à frente o funcionário engalanado com a típica farda de funcionário de recepção, colorida, chamativa, pronta pra servir. O funcionário é negro e empurra o carrinho dourado das malas de cabeça baixa, como quem conhece o seu lugar.
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