(Nos programas policialescos do oligopólio midiático a presunção de inocência nunca existiu)
Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho
Artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
O artigo 283 do Código de Processo Penal praticamente reproduz a Constituição: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
A interpretação é muito simples e clara: ninguém poderá ser preso a não ser em flagrante, em virtude de prisão cautelar ou por ordem de autoridade judiciária competente. Essa ordem deve sempre decorrer de sentença condenatória transitada em julgado, isto é, sentença da qual não cabe mais qualquer recurso.
Após a decisão tomada em fevereiro pelo STF, em um julgamento de um habeas corpus, no sentido de que as pessoas podem ser presas mesmo que ainda seja possível recorrer da condenação, foram propostas duas ações declaratórias de constitucionalidade, ou seja, o STF deveria dizer se o art. 283 do CPP é compatível com a Constituição.
Em um malabarismo jurídico e argumentativo inacreditável, os ministros do Supremo decidiram ontem, por 6 votos a 5, que a única interpretação possível para a sentença ‘ninguém pode ser preso por condenação sem trânsito em julgado’, a de que só cabe a prisão após esgotados todos os recursos, é inconstitucional.
Os argumentos para acabar com a presunção de inocência no Brasil foram qualquer coisa menos jurídicos: Barroso apelou para a emoção ao citar o caso do jornalista Pimenta Neves, que assassinou a sua esposa e aguardou em liberdade o trânsito em julgado de sua sentença penal condenatória, Gilmar Mendes insinuou que a preocupação dos advogados com a presunção de inocência tem a ver com a Lava Jato, Fux afirmou que existe um ‘direito fundamental da sociedade em ver a aplicação da lei penal’ que daria direito ao STF de contrariar texto literal da Constituição e que ‘o desígnio do processo penal é alcançar a condenação do denunciado’, uma aberração para qualquer estudante de direito, que sabe que o processo não pode, por definição, ter ‘desígnio’ por um dos resultados possíveis.
Os ministros tomam essa decisão esdrúxula em um contexto de pressão da grande mídia, que faz populismo penal há anos, principalmente nos programas policialescos, mas intensificou-o com a Lava Jato, aplaudindo todas as violações a direitos fundamentais cometidas por Sérgio Moro.
O papel do juiz é justamente ser contra-majoritário quando necessário, isto é, julgar de acordo com a Constituição e não de acordo com a pressão de qualquer grupo ou da opinião pública.
Na prática, porém, o cartel midiático brasileiro influencia nitidamente as decisões do STF, mostrando que é mais poderoso que o órgão supremo do Judiciário.
É sempre bom lembrar que a presunção da inocência nunca existiu para os excluídos da sociedade, especialmente para a população negra e pobre.
Mas ao invés de evoluirmos e buscarmos estender as garantias legais a todos, nós fazemos o caminho inverso: o STF, suposto guardião da Constituição, estendeu a inexistência da presunção de inocência para todos os brasileiros.
É a democratização do autoritarismo.