Arpeggio – Coluna política diária
Por Miguel do Rosário
Em agosto deste ano, um mês antes do início das campanhas eleitorais municipais, o governo Temer tomou uma decisão curiosa no campo da comunicação pública. Os gastos com publicidade em mídia exterior saltaram de apenas R$ 124 mil em agosto de 2015, para R$ 2,4 milhões em agosto deste ano, último mês atualizado na planilha da Secom.
Um crescimento de 1855%.
É uma estratégia criminosamente astuta para aplicar a verba localmente, beneficiando os candidatos apoiados pelos caciques que detêm influência no manejo dos recursos da Secom.
Mídia exterior é o nome que se dá a todo o tipo de publicidade veiculada externamente, como TVs em ônibus e trens, outdoors, cartazes, vitrines de rua, etc.
Entretanto, é um uso partidário criminoso, que deveria ser investigado pelo Ministério Público Federal e punido pelo Judiciário. Mas aparentemente não há nenhum juiz interessado em coibir essa instrumentalização de recursos públicos em prol de um “projeto de poder”. Esse tipo de combate só vale contra o PT, como se constata pela lhaneza com que a nova presidenta do STF, Carmen Lúcia, ofereceu hoje um “pacto republicano” ao governo Temer. Tão diferente da Carmen que fazia discursos demagógicos, midiáticos, furibundos, que repercutiam na imprensa como petardos contra o PT, ou da Carmen que, num surto de incrível grosseria, disse que não queria ser chamada de presidenta por “amar a língua portuguesa” – esquecendo oportunamente que a palavra presidenta existe há séculos em nosso idioma.
O atual presidente, Michel Temer, assumiu o poder em 12 de maio de 2016, e suas primeiras ações se deram no campo da comunicação, com anúncio de cortes de recursos para todos os veículos críticos a ele mesmo e ao impeachment, e aumento (sem alarde, porém) explosivo dos investimentos nas mídias amigas.
Desta vez eu tive o cuidado de checar se havia alguma limitação imposta pela lei eleitoral, que proibisse o governo de fazer pagamentos em datas mais próximas da eleição (setembro e outubro), obrigando-o então a antecipar investimentos e pagamentos para agosto. Não há essa limitação, conforme informa um comunicado publicado, em destaque, pela própria Secom em seu site. Ao final de dezembro de 2015, foi baixada uma resolução do TSE, tendo como relator Gilmar Mendes (o TSE era presidido, à época, por seu fiel escudeiro Dias Toffoli), que liberava totalmente a publicidade federal nas eleições municipais.
Vamos a outras considerações sobre os números da Secom nos primeiros quatro meses de governo Temer.
No período mais crítico dos debates em torno do impeachment, de junho a julho, os gastos federais com internet foram literalmente cortados. Em julho de 2016, as despesas da Secom na internet recuaram 64%, enquanto que os gastos com jornais subiram 219%.
No mês que assumiu o governo, em maio, os gastos federais com jornais, um universo dominado pelo campo conservador, pró-impeachment, explodiram 646%, de R$ 73 mil para R$ 549,46 mil.
No acumulado de maio a agosto, os gastos da Secom no item jornais subiram 934%. O governo Temer sabia muito bem que veículos poderiam lhe ajudar a consolidar o golpe.
É importante que o internauta entenda que esses valores são muito maiores do que parecem. Primeiro porque se referem a apenas quatro meses. Segundo porque, apesar de não incluir os gastos publicitários das estatais, indicam a orientação da Secom, que é apenas uma, ainda mais sob o governo Temer, que lhe retirou o status de ministério para exercer um controle mais vertical sobre ela.
O governo federal tem gasto mais de R$ 2 bilhões por ano com publicidade. Com Temer, esse valor deve crescer bastante.
Dêem uma olhada nas duas tabelas abaixo, que o Cafezinho preparou, com exclusividade, para seus leitores. Os números podem ser conferidos por qualquer internauta neste link. Eu conferi tudo diversas de vezes, mas se eu errei qualquer coisa, por favor me corrijam. O Cafezinho só trabalha com provas cabais, e com postura humilde. Não damos qualquer importância ao que alguns chamam de “convicção”. Volto em seguida.
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Na primeira tabela, observe que eu acrescentei, embaixo da tabela, duas informações sobre as finanças públicas. O déficit no resultado primário do governo nos sete primeiros meses de 2015 havia sido ruim, mas moderado, de R$ 8,9 bilhões. No mesmo período de 2016, todavia, este déficit salta para R$ 51 bilhões. Mesmo assim, os gastos da Secom crescem 50%.
Os gastos federais da Secom na internet, nestes primeiros meses de governo Temer, se concentraram de maneira espetacular em anúncios via Facebook, outra ferramenta que permite ao anunciante atingir públicos específicos (o que é útil eleitoralmente para um período de eleições municipais).
Depois de cortar brutalmente os gastos com internet em junho e julho, o governo Temer volta a investir fortemente na rede em agosto, com muita ênfase no Facebook, Twitter e nos grandes portais.
A astúcia e a ausência de qualquer escrúpulo republicano ou democrático do governo Temer no uso dos nossos impostos não se segue, infelizmente, a uma boa gestão do governo petista. Uma análise dos números da Secom revelam que a incompetência do governo Dilma no uso das verbas da Secom era ainda mais apocalíptica do que pensávamos.
Em todo o ano de 2015, o item revista, por exemplo, não recebeu um mísero centavo do governo. Muito se falou no corte, pelo governo Dilma, da publicidade na Veja. Sim, o governo cortou a Veja, mas cortou todas as outras revistas também. A mesma coisa vale para os jornais. O governo não fez nenhuma relação com os grandes jornais. Foi uma estratégia um tanto quanto infantil, porque poderia perfeitamente usar a publicidade nesses veículos para canalizar propostas criativas contra o golpe. A menos que esses jornais tenham se recusado a veicular publicidade federal, o que também não seria surpreendente, dada a intensidade de seu envolvimento nas conspirações que levaram ao impeachment. O governo poderia, de qualquer forma, estabelecer parcerias com outros jornais de grande circulação, como o Dia, no Rio de Janeiro.
O governo Dilma cortou verbas de revistas e jornais, provocando o ódio destes veículos, e direcionou uma quantidade ridícula de recursos para os blogs, que ficaram assim duplamente vulneráveis: ficaram sob a mira da grande mídia, que achou que eles estavam recebendo o dinheiro que o governo deixou de aplicar nela, e ao mesmo tempo os blogs recebiam, na verdade, e mesmo assim só um punhado de pouquíssimos blogs, uma quantidade miserável de recursos, insuficientes para qualquer mudança de qualidade no serviço oferecido ao leitor.
A maneira óbvia de criar qualquer mudança efetiva teria sido fazer um investimento maciço na internet, em milhares de blogs, não em 15 blogs, ou melhor ainda, criar um sistema de publicidade randômico, destinado a todos os blogs cadastrados na Secom. Assim não deixaria esses 15 tão vulneráveis a campanhas de difamação por parte da grande mídia e de seus cães de guarda na blogosfera conservadora.
A estratégia de “pulverizar” as verbas publicitárias para jornais do Brasil inteiro, embora tenha parecido muito democrática à primeira vista, foi excessiva, superficial, demagógica: o número de contratos com valores absolutamente irrisórios é assustador. Uma verba de poucos milhares de reais, para um jornal ou blog, evaporam-se esterilmente, sem permitir que se contrate uma redação, que se faça uma reportagem mais aprofundada.
Nem Franklin Martins, na era Lula, com toda a sua experiência de jornalismo, jamais pensou nisso: que a pulverização jamais criaria núcleos profissionais de jornalismo. Era preciso diversificar sim, quebrar o oligopólio, mas também promover políticas públicas que permitissem o surgimento de núcleos profissionais de jornalismo, como fez Getúlio Vargas, ao investir na criação da Última Hora.
Há coisas piores no uso dos recursos pelo governo Dilma. No item TV, veículos como Sony, Turner, Fox Latin America, ganhavam muito mais do que todas as tvs comunitárias reunidas ou mesmo a EBC. Para se ter uma ideia, de maio a agosto de 2015, enquanto a EBC recebeu ridículos R$ 220 mil da Secom, a Globo recebeu R$ 11 milhões, a Fox Latin America R$ 790 mil, a Turner R$ 655 mil, a Sony R$ 342 mil e a Discovery R$ 485 mil.
O governo Temer, de qualquer forma, não perdeu tempo: enquanto os recursos da Secom para a Globo subiram vertiginosamente, o montante destinado à EBC de maio a agosto deste ano caiu 69% em relação ao ano anterior.
Isso sem falar no maior problema de todos: a Globo. O nível de concentração das verbas federais de TV para a Globo, no governo Dilma, foi indecente. Nos quatro meses pesquisados de 2015, maio a agosto, 47% dos recursos federais para TV foram para a Globo.
Temer, porém, soube agradecer bem o apoio dos Marinho ao golpe. De maio a agosto deste ano, apesar da violenta queda da arrecadação federal, os gastos com a TV Globo subiram 23%. Com outros veículos da Globo, como o Jornal Globo e as revistas do grupo, o aumento das verbas foi ainda (muito) maior.
A discriminação por veículo nos fornece o panorama terrível do monopólio. Em todos os campos onde a Secom aplica dinheiro: internet, jornais, revistas, rádio, TV, lá está a Globo em primeiro ou segundo lugar.
No campo Mídia Exterior, a principal recebedora de recursos federais, a TV Minuto, pertence à Band, ou seja, mais favorecimento público ao oligopólio – contrariando a orientação da nossa Constituição.
A proliferação de mídias externas, em especial tvs acopladas aos meios de transporte de massa, é uma nova etapa do controle das consciências pelas corporações, na medida em que os conteúdos jornalísticos vem das mesmas empresas de sempre: Abril, Globo, Folha.
Mais uma vez, é assustador que os governos do PT não apenas não tenham feito nada para mudar isso, como sequer organizaram debates para discutir esse problema.
O governo Dilma não se limitou a ser covarde na ação. Foi covarde até mesmo no campo do debate. Nas poucas entrevistas que teve a coragem de dar, antes do frenesi do golpe, Dilma fugia covardemente do tema da comunicação, como se fosse um tabu. A bem da verdade, Dilma só começou a usar a palavra e mostrar alguma coragem, quando já era tarde demais.
O golpe se explica pela fusão de dois fatores convertentes: de um lado, a inacreditável covardia e incompetência do governo Dilma e do PT no campo da comunicação; de outro, a total ausência de escrúpulos éticos ou republicanos do grupo político de Temer no uso das verbas públicas, fortalecendo sem vergonha o monopólio, prometendo rios de dinheiro caso o golpe fosse bem sucedido – e cumprindo a promessa.
Ao mesmo tempo em que a arrecadação federal despenca e o governo e a mídia defendem cortes brutais nos gastos sociais, a quantidade de verba pública destinada à Globo cresce de maneira extraordinária.
(Vale lembrar que é com esse mesmo dinheiro que a Globo organiza festas e prêmios para juízes de primeira instância, como Sergio Moro, e para ministros do STF, como Joaquim Barbosa e Carmen Lúcia. Prêmios privados com dinheiro público – e para juízes que, segundo a mais comezinha ética pública, jamais deveriam receber prêmios de corporações privadas. Infelizmente, o PT cometeu o mesmo erro de Roosevelt ao escolher seus primeiros juízes: não entendeu que a função de magistrado da corte suprema é de um soldado na última trincheira da guerra política. É preciso nomear então juízes dispostos a lutar nessa trincheira, e não janotas carreiristas, tímidos, vaidosos e pusilânimes, como são todos – sem qualquer exceção – os indicados por Lula/Dilma. A votação de hoje, em que decidiram em prol do modo muçulmano de justiça, com redução de garantias e liberdades, aprovando a prisão do cidadão antes do julgamento em última instância, a prova derradeira que não se salva um ali. Roosevelt, no entanto, aprendeu a tempo e conseguiu nomear alguns juízes que salvaram seu governo – e os Estados Unidos. Dilma/Lula não. Erraram até o final).
Não há crise fiscal nenhuma no repasse de verbas para os grandes meios de comunicação que apoiaram o golpe.
O trem da alegria está só começando a pegar velocidade.