(Mafalda, por Quino. ‘Ou acabou a tinta ou não pôde terminar por razões que são de domínio público’.)
Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho
Depois de um golpe de Estado, as portas do autoritarismo ficam abertas, e a tendência inevitável é o aumento da repressão e da censura.
O Ministério Público, instituição importantíssima mas que vem se mostrando mais um braço do autoritarismo e da perseguição política em muitos casos, especialmente na Lava Jato, operação fundamental para o sucesso do golpe, cometeu mais um absurdo no dia 26 de setembro último.
O procurador Fábio Moraes de Aragão assinou uma recomendação ao colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, para retirar cartazes com a inscrição ‘Fora Temer’ das dependências do colégio, bem como proibir a ‘colocação futura de cartazes, banners ou panfletos com conteúdo político-partidário’. Aqui o documento na íntegra.
A recomendação é baseada em fotos dos cartazes e nas informações de um pai de um aluno, que verificou que ‘2 professores estavam incentivando os alunos a lutarem contra o golpe’.
Ao final do documento o procurador ameaça ajuizar ação de improbidade administrativa caso suas recomendações não forem seguidas.
O juiz Marcelo Semer criticou a atuação do MP: ‘O Ministério Público não é Executivo para ter poder regulamentar e não é Judiciário para compelir por decisão. É uma recomendação mordaça. Excluir a política da vida social só na Ditadura mesmo’.
No ofício, o procurador afirma que ‘a doutrinação política e ideológica de alunos atenta contra a integridade intelectual de crianças e adolescentes, que pela fragilidade etária e subordinação hierárquica se encontram em situação de vulnerabilidade, tornando-se reféns de determinadas agendas partidárias’.
É exatamente a argumentação dos grupos de direita que tentam emplacar o tal ‘escola sem partido’ Brasil afora.
A pretexto de combater a ‘doutrinação marxista nas escolas’ – a qual está sendo muito mal feita, diga-se de passagem, diante da guinada à direita que acabou de acontecer nas eleições municipais -, o que se busca, na prática, é tolher a liberdade dos professores e alunos de se expressarem politicamente.
O procurador Fábio discorre sobre como o colégio não pode se envolver em questões político-partidárias, mas se utiliza de argumentos de grupos de direita para sustentar sua recomendação.
Após citar a proibição de que servidores públicos promovam manifestação de desapreço no recinto da repartição (art. 27 da Lei n8.112/90), o procurador não deixa dúvidas sobre qual espectro político tem o seu apreço:
No caso sub examine, os cartazes externam desprezo e repúdio ao Chefe do Poder Executivo Federal, autoridade constituída como Vice-Presidente por meio do voto popular e, agora, como Presidente da República em decorrência de processo constitucional.
Quer dizer então que os alunos e professores não podem manifestar seu repúdio ao presidente golpista, mas o procurador, também ele servidor público e sujeito às mesmas proibições que cita na representação, pode dizer que o processo de impeachment foi ‘constitucional’, em uma evidente tomada de posição política?
Vejam este comentário de um cidadão chamado Fábio Moraes de Aragão, mesmo nome do procurador, em uma notícia no site da Veja, em maio:
Poderia ser um homônimo, mas como o comentarista fala com propriedade sobre a Torá, e o procurador Fábio Moraes de Aragão é líder de uma instituição vinculada ao judaísmo nazareno, a probabilidade de o comentarista e o procurador serem a mesma pessoa é alta.
Se for mesmo, está explicada a argumentação de direita, a defesa comovente de Michel Temer e o desejo de censurar as manifestações políticas de professores e alunos.
Eis mais uma maravilha proporcionada pelo golpe e pela ascensão do conservadorismo: comentaristas da Veja investidos de poder sentindo-se à vontade para desfilar seus argumentos pueris e censurar a esquerda.