A metamorfose do eleitor de periferia

A metamorfose do eleitor petista da periferia que decidiu votar em Doria

Moradores do extremo leste de São Paulo apoiam novo prefeito, mas não confiariam em outros nomes da legenda tucana

por Talita Bedinelli, no El País

Na bicicletaria da rua São João Marcos, a 24 quilômetros do centro de São Paulo sentido zona leste, nenhum outro candidato teve vez. O dono da loja, Sérgio da Costa, sua mãe, Lindava Caetano de Amorim, o montador de bicicleta Helton Carlos Lima e o vizinho desempregado Renan Almeida de Goes apertaram o 45 de João Doria no último domingo para elegê-lo prefeito. O único que destoava era o eletricista Jorge Bomfim, 30, que durante os reparos que fazia na loja explicou que preferiu votar em branco. Fosse há quatro anos, qualquer um que chegasse àquela loja escutaria do grupo um veredito diferente: todos, menos Renan, haviam escolhido Fernando Haddad.

Nas ruas do distrito de José Bonifácio, no extremo leste de São Paulo, a guinada foi total. Em 2012, Haddad foi ali o mais votado no primeiro turno: recebeu 24.426 votos, ou 34,7% dos votos válidos na região. No último domingo, apenas 11.974 pessoas apertaram o 13 nas urnas. Em números frios, isso significa que, em quatro anos, o atual prefeito de São Paulo perdeu, apenas neste distrito, 12.452 eleitores, 51% dos que haviam confiado nele em 2012. Neste ano, Doria não ganharia ali no primeiro turno, como ocorreu na cidade, mas com seus 44,62% de votos válidos mais do que dobrou a votação no PSDB na região: José Serra, em 2012, teve 12.753 votos (18,1% dos votos válidos); Doria, agora, 29.066.

Da esquerda para direita: Sergio, Lindalva, Renan e Helton, na bicicletaria. Todos votaram em João Doria (Foto: Victor Moriyama/ El País)

Os moradores ouvidos pelo EL PAÍS afirmaram que o voto não reflete necessariamente um apoio ao partido tucano. Dentre os votantes de Doria, há quem diga que jamais votaria em José Serra ou no atual governador, Geraldo Alckmin. Mas todos dizem que sua decisão foi baseada na própria imagem de Doria, que durante a campanha se vendeu como um “gestor” e “administrador”, algo longe das figuras políticas tradicionais, o que reforça a tese de descontentamento do eleitor com o cenário político nacional. Essa leitura aumenta também as expectativas em relação ao Governo do novo prefeito, algo que atingiu, também, Haddad em 2012. O petista, na época, era o nome novo, um professor que não era um político tradicional. Assim como no resto da cidade, a primeira opção do moradores de José Bonifácio foi o não voto: brancos, nulos e abstenções somaram 38.043 eleitores, quase 9.000 a mais que os votos dados ao tucano. O distrito tem 103.182 eleitores aptos a votar.

“Minha ideia mesmo era votar em branco, mas mudei de opinião depois que o Doria falou no debate que vai colocar alguém do bairro para trabalhar na subprefeitura daqui. Tem que acabar com essa história de alguém que mora em Pinheiros vir administrar a região”, conta Sérgio, 34 anos. O comerciante diz que não considera que Haddad tenha feito um mau Governo, opinião compartilhada por todos ali, mas afirma que esperava mais de sua gestão. “Minha mãe já chegou a aguardar um ano por um exame no posto de saúde. É aquela coisa: a pessoa morre e não faz o exame”, conta. Para ele, o Corujão, programa prometido por Doria que pretende disponibilizar hospitais privados na madrugada para exames de usuários da rede municipal, pode funcionar como algo emergencial. “Se for rápido e as pessoas precisarem, elas vão”. Lindalva, que é de poucas palavras, concorda com o filho.

O desempregado Renan, de 22 anos, afirma se preocupar com a proposta do prefeito eleito de iniciar uma desestatização no município. “Acho essa história de privatizar tudo complicada. É preciso expandir os serviços do Estado”, pondera ele. Os amigos discordam. “Tem que vender mesmo! Olha o Pacaembu, só dá gasto! Nem o Corinthians joga mais lá”, destaca Sérgio, que veste um blusão branco e preto do time e acredita que o dinheiro a ser arrecadado com a venda e com as parcerias com o setor privado pode ser investido nos serviços públicos

As ruas de José Bonifácio, na zona leste (Foto: Victor Moriyama/ El País)

A algumas ruas de distância, a dona de casa Julia Ribeiro da Silva, de 45 anos, deixava o posto de saúde do bairro acompanhada da irmã e da filha. Para ela, o que pesou na decisão foi a imagem de que Doria é um “gestor e não um político”. “Votei no João porque é gente nova, que não tem carreira na política. Mas ele vai ter que melhorar a saúde. Os postos não têm pediatra e para marcar um ginecologista e um clínico a demora é de um ano”, reclamava ela. Resolver o problema da fila da saúde, que conta atualmente com 753.811 pedidos, é a principal prioridade para os paulistanos, segundo o Datafolha. Antes de Haddad assumir, o tema já recebia as maiores críticas.

A desilusão com um Governo no qual se nutria grandes expectativas é um mote comum nas justificativas dos novos eleitores tucanos. Helton, o montador de bicicletas, acredita que Haddad não priorizou as coisas certas. “Ele preferiu fazer essa coisa de wi-fi em praça, de ciclovia. É necessário, claro, mas não é o mais importante”, diz. “E teve a história das multas também”, complementa. O eletricista Jorge, de 30 anos, o único que votou em branco no grupo da bicicletaria, diz que deixou de votar no atual prefeito por isso. “Muitos radares instalados. Radar atrás de poste, pegadinha”. Em 2012, ele optou por Haddad depois de o petista anunciar que acabaria com a inspeção veicular obrigatória. O grupo, entretanto, discorda da intenção de Doria de aumentar o limite de velocidades nas marginais, outra medida de Haddad que despertou polêmica. Para eles, a velocidade mais baixa ajuda a salvar vidas.

Perto dali, o comerciante Marcos Santos Delila orgulha-se de ter influenciado “muita gente” a votar em João Doria. Eleitor de Lula e de Dilma, em todas as eleições, ele se queixa do envolvimento do partido com os escândalos de corrupção. “Não voto mais no PT. Só votei no [Eduardo] Suplicy [vereador mais votado de São Paulo] porque ele nunca fez nada de errado”, destaca ele, que nas municipais passadas votou em Gabriel Chalita, no primeiro turno, e em Haddad, no segundo – Chalita era, agora, o vice do atual prefeito. “Não achei que Haddad fez um trabalho bom. Ele prometeu muitas coisas e não fez. A única coisa boa foram os ônibus, que são novos, com wi-fi. Doria falou que vai mexer na educação, colocar mais médicos e mais remédios e prometeu luz de LED na cidade toda, o que aumenta a segurança. Ele é empresário, administrador, acho que tem caráter e acredito que vai fazer um bom trabalho.”

O comerciante Marcos Delila, que convenceu muitos vizinhos a votar em Doria (Foto: Victor Moriyama/ El País)

O gráfico Domingos dos Santos Araújo, de 65 anos, foi uma das 20.151 abstenções registradas pela zona eleitoral de José Bonifácio, um número 34% maior do que em 2012. Chegou minutos atrasado e não conseguiu votar, conta. Se tivesse acelerado os passos, seria mais um responsável por eleger o candidato tucano. “Mas é só mais uma coisinha e não voto mais em ninguém, nem a minha família”, ressalta ele, que diz que votou no PT a vida toda. “Agora votei no Doria pelo histórico dele, por ele ter começado de baixo, como o Lula”, compara, muito embora as duas biografias guardem diferença. “Ele é um trabalhador e convenceu a classe trabalhadora. Haddad só cuidou dos ricos”, lamenta.

 

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