A vitória de Dória e as abstenções são dois lados da mesma moeda

Geraldo Alckmin ao lado de João Dória, em evento do Lide — Grupo de Líderes Empresariais (Foto: Ciete Silverio/ A2D)

por Aline Coutinho

Talvez após a vitória de Dória já no primeiro turno na capital paulista, surpreendente porque quebra uma tradição de decisão eleitoral feita em duas etapas, o que mais intrigou nas eleições municipais de ontem foi o número gritante de abstenções, votos nulos e brancos. O que devemos ter em mente é que se tomarmos tanto o discurso vitorioso quanto a taxa de abstenção em conta, o diagnóstico é muito mais sombrio: trata-se da  crise da própria política representativa.

Parte do discurso vitorioso de Dória é que ele representa uma espécie de descontinuidade com o jeito de fazer política no Brasil. Ele, o gestor sem nenhuma experiência em cargos executivos, entoou o canto de que por ser administrador e “não político” representaria algo de novo: seria um homem dos negócios, do mercado, não da política.

Agora, notemos que só o percentual de abstenção do eleitorado paulistano chegou a quase 22%. Notemos também que o número de votos arrecadados por Dória não alcança a soma dos votos nulos e brancos com o número de abstenções. Oras, não se trata aqui de uma outra faceta do descontentamento com a política, muito mais que um simples desgosto pela gestão petista anterior?

Na mídia tradicional hoje proliferam manchetes que enfatizam a vitória do PSDB sobre o PT. Se tomarmos os números brutos, sim, há razão no diagnóstico. Mas se prestarmos atenção dos discursos veremos que não é o PSDB quem saiu ganhando, mas o discurso da meritocracia, da eficiência do mercado sobre o estado, de Hayek. É o discurso do apoliticismo, por mais político que ele seja.

Aline Coutinho é professora de sociologia na Universidade de Ottawa

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