Daniel Iliescu, 32 anos, é uma das mais jovens lideranças do movimento social brasileiro. Presidente da UNE durante os dois primeiros anos do governo de Dilma Rousseff (2011-2013), foi na sua gestão que o movimento estudantil conquistou 10% do PIB e 50% do fundo social do pré-sal para a educação.
Neste ano, o sociólogo formado pela UFRJ enfrentará um novo desafio: será candidato a vereador pelo PCdoB na cidade de Petrópolis (RJ). Nesta entrevista, Daniel fala sobre impeachment, retrocesso na educação e a necessária reconstrução da esquerda a partir das bases sociais. Confira abaixo:
O Cafezinho: Daniel, você foi o presidente da UNE durante os dois primeiros anos do governo Dilma Rousseff. Ou seja, durante algum tempo você dirigiu um dos maiores movimentos sociais do Brasil. Como você tem visto a atual situação do país hoje, após o impeachment?
A atual situação do Brasil é gravíssima. Precisamos lutar contra retrocessos tanto no campo democrático, quanto o ataque aos direitos sociais, econômicos e trabalhistas adquiridos com muita luta. As forças conservadoras estão na ofensiva e as forças que defendem a democracia e os avanços sociais conquistados nos últimos anos, precisam de muita determinação para conseguir dialogar com a população e resistir a esse avanço da direita do Brasil.
O Cafezinho: Os meios de comunicação tiveram papel protagonista nesse processo de impeachment. Você acredita que a esquerda precisa fazer uma autocrítica por não ter caminhado na direção de uma regulação da mídia ao longo desses 13 anos de governo?
Sim. Cabe uma autocrítica, mas não é suficiente. A luta política no Brasil é muito complexa, em outras experiências latino-americanas, que podem ser usadas como parâmetro para pensarmos sobre a política brasileira, mostraram avanços como a Lei de Meios que enfrenta o monopólio da grande mídia privada e tenta dar maior pluralidade. Entendo que houve experiências um pouco tímidas como a própria EBC e a TV Brasil que poderiam ter sido vitaminadas e objeto de investimento prioritário para criar com força um campo da comunicação pública no Brasil. Faltou visão estratégica e determinação para que o país perseguisse esse caminho da democratização das comunicações . Continua, mais do que nunca, na ordem do dia. Lutar e pressionar por uma regulação mais democrática, um novo marco na comunicação no Brasil e o fortalecimento dos canais públicos de comunicação.
O Cafezinho: A educação é uma área em que você teve muito protagonismo. Virá muito retrocesso nesse tema com o novo governo?
Lutaremos para resistir! Não temos dúvidas que esse novo desgoverno é absolutamente danoso para educação. Anísio Teixeira já dizia que a máquina que prepara a democracia é a escola pública e, justamente por isso, querem enferrujar essa máquina. Eles querem uma escola sem partido que não ensine filosofia, sociologia, artes e educação física. Que pague mal seus professores e que trate mal seus estudantes. Esse é o projeto de escola que as elites sempre praticaram no Brasil e são esses retrocessos educacionais que o governo Temer mira. E também retirar muitas conquistas como o dinheiro do pré-sal para educação, já que uma das agendas do José Serra, ministro de relações exteriores do desgoverno Temer, é a venda do nosso pré-sal que foi conquistado com muita luta pela UNE, pelos estudantes brasileiros para educação pública e que ele quer desnacionalizar. Então, em todos os sentidos, precisamos resistir ao projeto de educação e retomar uma agenda de avanço educacional no Brasil
O Cafezinho: A esquerda saiu bem fragilizada desse processo todo de impeachment. Qual o caminho para esse campo político retomar seu crescimento?
A esquerda sofreu derrotas que se explicam em parte pela dinâmica da política brasileira, que se insere em uma dinâmica internacional, a uma crise do capitalismo, a um rearranjo e uma busca por soluções econômicas para o capitalismo , para o neoliberalismo, por parte dos países do centro do sistema. Existe um reflexo importante sendo sentido nos BRICS e em especial na América Latina, outras experiências progressistas na América Latina também sofrem dificuldades. A esquerda perdeu uma eleição na Argentina, o Brasil sofreu um golpe e a Venezuela caminha também para um golpe de estado. É uma conjuntura mundial e no Brasil eu entendo que as forças de esquerda e as forças democráticas precisam sustentar os direitos e os avanços conquistados nos últimos ano e dialogar de forma clara com a população. Não apenas no momento eleitoral, em que toda população debate a política e vai às urnas , mas também após a definição do novo quadro de forças. Existe muito trabalho para esquerda fortalecer suas bases e se fortalecer com a sociedade. É preciso uma agenda de lutas de resistência aos descaminhos do governo Temer , pautar novas políticas públicas, um novo ciclo de avanços e de lutas que irão sair dos movimentos sociais, das categorias de trabalhadores organizados e da juventude brasileira
O Cafezinho: Na sua avaliação, como deve ser feita a construção política nas cidades? É possível reconstruir as bases para um novo projeto político de esquerda para o país a partir das cidades?
É nas cidades que vivemos o dia a dia e a política. A política comunitária, a política pública no sentido mais amplo. É nas cidades, praças, ruas, escolas e creches que conseguimos formar com as pessoas os laços de confiança e pactos de lutas para melhorias das suas vidas como educação, transporte, moradia, saúde , cultura, ocupação de espaço público e emprego de qualidade. É mobilizando essas lutas que a gente consegue ressignificar a esquerda e construir um projeto de Brasil a partir das cidades. Existe um ciclo muito significativo e histórico no Brasil de avanços das políticas públicas nacionais com programas e verbas federais, e nos municípios nem sempre isso foi acompanhado. Existe uma lacuna que precisa ser atacada com elaboração de políticas públicas, de avanços de serviços públicos . É por esse viés que pretendemos atacar o debate da política em Petrópolis.
O Cafezinho: Hoje você está cotado para ser um dos candidatos mais votados para a Câmara de Vereadores de Petrópolis. Como tem sentindo essa mudança de atuação política do nacional para o local?
Eu voltei para Petrópolis, minha terra natal, de maneira gradativa. Eu saí da UNE em 2013 depois de passar pelas experiências mais fantásticas e inacreditáveis da minha vida, pelas quais sou muito grato e aprendi muito. Voltei primeiro para o Rio de Janeiro com a missão de presidir a UJS no âmbito estadual e isso também me trouxe para Petrópolis, para o dia-a-dia da minha cidade e para essa militância de base com uma ação local. Na cidade nós lutamos diante da realidade que a gente enxerga, que a gente atua. Em Petrópolis tenho a oportunidade de retomar atividades que ficaram estacionadas durante algum tempo, por conta da atuação no movimento estudantil, como desenvolver minha carreira como professor, prosseguir com meus estudos, retomar uma série de atividades pessoais e me relacionar com as pessoas e com a política de outra forma. Nesse caso, até mais profunda, no dia-a-dia de trabalho na escola pública e na luta em relação ao transporte. Sair de uma escola maravilhosa que é a escola do movimento estudantil da UNE, que trouxe uma oportunidade de crescimento e alargamento da visão de mundo e compromisso com as causas do Brasil e das lutas do nosso povo, para poder atuar de forma mais concreta inserido na dinâmica da minha cidade e lutar por mais direitos para a população e por avanços reais na realidade em que eu vivo.