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Carandiru: Brasil se tornou um país onde matar pobre é considerado “legítima defesa” pela justiça

Foto: Epitácio Pessoa/ Agência Estado Impunidade do Carandiru e o país em que matar pobre virou “legítima defesa” por Leonardo Sakamoto, em seu blog O Massacre do Carandiru, quando 111 presos foram executados por forças policiais que invadiram o Pavilhão 9 da então Casa de Detenção de São Paulo, completa, no próximo dia 2 de […]

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Foto: Epitácio Pessoa/ Agência Estado

Impunidade do Carandiru e o país em que matar pobre virou “legítima defesa”

por Leonardo Sakamoto, em seu blog

O Massacre do Carandiru, quando 111 presos foram executados por forças policiais que invadiram o Pavilhão 9 da então Casa de Detenção de São Paulo, completa, no próximo dia 2 de outubro, 24 anos. Durante os julgamentos, eu havia escrito aqui que a Justiça estava sendo – mesmo que parcialmente e temporariamente – feita. Mas, nesta terça (27), a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou os julgamentos que condenaram 74 policiais militares pelo massacre.

Ou seja, voltamos à situação ”normal” de impunidade policial. Ufa! Eu estava estranhando. Afinal de contas, estamos no Brasil.

O desembargador Ivan Sartori, relator do processo, votou não só pela anulação, mas também pela absolvição dos réus – o que contraria, segundo juristas, o Código de Processo Penal, por ir de encontro à decisão de um júri popular. Segundo ele, ”não houve massacre”, mas ”legítima defesa”. E, de forma intrigante, Sartori, um magistrado, que tem a função de resguardar a dignidade conforme previsto na Constituição Federal, parece se colocar do outro lado: ”Nós julgadores não podemos nos influenciar por imprensa ou por quem se diz dos direitos humanos”. Mas se ele não é dos ”direitos humanos”, resguardados pelo artigo 5o de nossa Carta Magna, de que lado ele está?

Agora uma nova sessão vai ser convocada com mais dois desembargadores, totalizando cinco magistrados, que irão votar sobre a anulação e a absolvição. O Ministério Público vai entrar com um recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça para manter as condenações.

Ironia à parte, sinto um desalento. Pois, vou repetir o que já escrevi aqui, isso mostra que carne de pobre continua sendo de segunda e soluções rasas e mágicas para problemas complexos, como o da segurança pública, seguem sendo a preferência do eleitorado e da classe política. Haja visto o nível baixo dos debates e das propagandas eleitorais sobre o assunto.

Na época de uma das etapas do julgamento que condenou dezenas de policiais, os promotores Fernando da Silva e Márcio Friggi, responsáveis pela acusação, afirmaram que o mais difícil não seria a questão de provas materiais, mas sim desconstruir a ideia perversa de que “bandido bom é bandido morto”.

Eles estavam certos. Ideia que corrói não apenas a sociedade, mas as instituições criadas para evitar que nos matemos uns aos outros. O Estado deve nos proteger, não nos ferir ou nos matar, independentemente de quem sejamos ou do que tenhamos feito. A polícia não deve estar em guerra com seu próprio povo e o seu primeiro objetivo é proteger vidas e não patrimônio.

Sei que isso é difícil de entender no Brasil, onde pessoas são espancadas até a morte por roubar coxinha no mercado (e isso não foi figura de linguagem).

Ou onde o risco de ser alvejado em um ”confronto policial” é inversamente proporcional à sua renda. Pois se já é duro viver em um lugar tomado pela violência relacionada ao tráfico, é pior ainda quando a polícia vê aquilo como território a ser conquistado – e, portanto, como ação passível de ”baixas” civis. Ou, pior: como espaço para a realização de ganhos pessoais.

Portanto, de acordo com a lógica do desembargador Ivan Sartori, um grupos de policiais que chega atirando em uma comunidade pobre da periferia, sob a justificativa de combater traficantes, e mata crianças e adultos, está praticando ”legítima defesa”?

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