por J. Carlos de Assis
Pessoas de boa fé que acompanham a política norte-americana com uma simpatia superficial em favor de um ou outro candidato costumam se deixar levar por preferências ideológicas dos concorrentes em assuntos internos e não por seus comprometimentos reais no campo da política externa. Exceto pela compaixão humana natural que se tem em relação a imigrantes mexicanos, este, a meu ver, é um tema secundário em face do risco, por exemplo, de uma guerra global a que um presidente americano louco pode levar o país e o mundo.
Isso me obriga a uma reflexão em relação às propostas de Hillary Clinton e Donald Trump. Não tem havido muitas informações sobre o que pretendem em política externa – nossa imprensa é em geral omissa, ou distorcida pela ideologia -, mas é possível comparar o que Truman diz e o que Hillary fez como chefe do Departamento de Estado. De fato, ela foi o braço intervencionista e belicista de Obama. Aliou-se aos neoconservadores para promover uma política de intimidação e de mudança de regime em várias partes do mundo.
Em situações como do Irã, da chamada Primavera Árabe e da Ucrânia, ela atuou de forma absolutamente brutal, inconsequente e provocativa, sempre na fronteira de riscos maiores no confronto com os russos. Note-se que foi sob o Departamento de Estado de Clinton que a Líbia foi virtualmente destruída, a situação no Iraque deteriorou-se, o Afeganistão afundou em instabilidade, e os russos foram insistentemente provocados. Sob a aparência de uma mulher cortês corre nas veias uma belicista perigosa, um falcão, como é o caso de todos os neoconservadores a que estão associados os liberais (políticos).
A propósito, entende-se muito pouco a ideologia neoconservadora no Brasil. A maioria, acertadamente, a reconhece como belicista, mas poucos sabem que ela tem muito bom coração para com os pobres. Apoiam “sinceramente” programas de assistência social, desde que isso lhes deixe as mãos livres para o armamentismo exacerbado e o belicismo. Em seus documentos, pode-se ler que seu objetivo é garantir a supremacia militar norte-americana, afastando qualquer ameaça potencial a seu domínio, sobretudo dos russos.
Em termos de paz mundial, e a despeito das aparências truculentas de Trump, acho-o menos atemorizante do que Hillary. Lembro-me, ao tempo das negociações do acordo com o Irã, a postura ameaçadora ela. Algum repórter idiota fez a pergunta imbecil, dado seu caráter absurdamente hipotético, sobre qual seria a reação dos Estados Unidos se o Irã atacasse Israel. Ela, na condição de chefe da diplomacia norte-americana, não perdeu a oportunidade e disparou: “Nós deletamos o Irã”. Essa bravata era realmente necessária para uma pergunta idiota e hipotética?
Comecei a prestar maior atenção em Trump quando um jornal deixou escapar quase por acaso uma declaração segundo a qual ele acha “perfeitamente possível trabalhar com Putin”. Para mim, é isso o que importa. Os Estados Unidos de Obama e de Hillary estão empurrando o mundo, celeremente, para uma nova guerra fria – na verdade, já estamos nela – e há pelo menos dois pontos quentes que podem ser locais de um conflito generalizado, a Ucrânia e a Síria. Ambos refletem a infinita arrogância norte-americana de exercer o domínio completo de todo o mundo. Trump, claramente, parece não querer embarcar nessa loucura.
Em relação à política interna as bravatas de Trump não atemorizam. Simplesmente porque o país que conquistou nas ruas os direitos civis e o fim da guerra do Vietnã não permitirá a construção de nenhum muro ao longo a fronteira do México. Também não vejo nenhum possível recuo nos poucos direitos sociais que beneficiam os cidadãos americanos. Os compromissos maiores de Trump são com o crescimento econômico e a geração de emprego. E suspeito que o tratamento que dará a Wall Street, se ganhar, será bem menos suave do que Hillary iria dar na trilha de Obama.
J. Carlos de Assis é economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ e coordenador da Aliança pelo Brasil