Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
A constatação de que 33% da população culpa as próprias mulheres pelos estupros é muito preocupante. E mais ainda quando verificamos que sobrevive uma percepção da violência sexual como castigo merecido – “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”.
Os dados obtidos em uma pesquisa do Datafolha divulgada ontem (21), tornam-se mais chocantes quando considerado que os registros oficiais ficam em torno de apenas 10% dos casos de estupro (quase 50 mil por ano), o que pode aproximar o número real de ocorrências dos 500 mil, ou seja, algo beirando o meio milhão de casos por ano.
Esse contexto de crueldade nos obriga a considerar as situações extremas de violência contra a mulher, homicídios e feminicídios, cuja tendência hoje parece ser a de crescimento, o que mostra a insuficiência dos programas adotados nos últimos anos e, muito provavelmente, a influencia da conjuntura política atual.
‘143 mulheres mortas em 11 dias em SP’ seria uma manchete chocante. No entanto, embora em um estado (o RN) de população sensivelmente menor que a de São Paulo, um fato dessa ordem acaba de ocorrer. Matéria do G1 de 21 de agosto, informa que 11 mulheres foram mortas em 11 dias no Rio Grande do Norte, 5 em apenas um final de semana, a maioria com características de feminicídio. Se esse número toca pouco a nossa sensibilidade, cada vez mais habituada ao absurdo, e menos sensível ao horror, fazer de conta que estamos em São Paulo pode ser um bom exercício para nos devolver a capacidade de percepção.
Para isso temos de tomar em consideração, para fins de uma projeção simples, que a população de São Paulo (de 44,3 milhões) é 13 vezes maior do que a do Rio Grande do Norte (de 3.4 milhões). Portanto, se no Rio Grande do Norte, com uma população de 3,4 milhões, temos 11 mulheres assassinadas, em São Paulo, fazendo a multiplicação por 13, isso chegaria ao número que escrevemos acima, 143 mulheres. Ou seja, o percentual de mulheres assassinadas no RN em 11 dias, quando aplicado a São Paulo, gera um número assustador.
Depois de fazer esse exercício, se a nossa sensibilidade não estiver embotada, seremos capazes de perceber que o número 11 não é menos chocante que o número 143. São percentuais idênticos, uma para o tamanho de São Paulo e o outro para o do Rio Grande do Norte, atrás dos quais estão as vítimas de atos bárbaros que devem nos escandalizar para que não passem em branco.
O homicídio de mulheres já se tornou tão corriqueiro, parte tão normal e constante na nossa experiência diária, que só nos sensibiliza quando foge em muito das expectativas. Há cinco anos atrás, talvez, 11 mulheres assassinadas em 11 dias, seria o suficiente para um choque imediato. Mas não hoje. Já 143 homicídios de mulheres, ao contrário, nos toca ainda como um número absurdo. Mas quem nos garante que esse número não será naturalizado daqui a cinco anos?
E esse número é, na verdade, apenas uma projeção. Contudo, não é uma construção arbitraria e nem se refere à fatos ocorridos em um cenário remoto. São dois estados brasileiros, que partilham muitas características em comum. Bastaria lembrar que os dois são campeões em grandes chacinas praticadas por grupos de extermínio, e que uma das últimas em SP (nos dias 8 e 13 de agosto de 2015), envolvendo agentes públicos, resultou em 23 mortes.
Depois de ter sofrido uma redução de 10%, na década seguinte à aprovação da Lei Maria da Penha, o feminicídio pode estar retomando uma tendência ascensional intensa em todo país.
O Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil constatou que, após uma queda inicial depois da aprovação da lei, o número de homicídios voltou a crescer e em 2013 já superava as taxas de 2006.
Junto com essa tendência alarmante, temos o fato de que a misoginia faz parte do momento político catastrófico que vivemos hoje, como item constante de um pacote de crimes de ódio, que foi politicamente insuflado nos últimos tempos. O racismo nas redes, a homofobia instalada em bancadas do Congresso, a misoginia estampada no governo Temer, que nisso satisfaz as iras conservadoras, estão dando seus frutos, e, quanto mais sucesso tiverem em destruir a democracia, mais implacável será o estado de guerra nas relações sociais, de gênero e raciais.
Ps: a imagem que ilustra esse artigo é um mural de fotos de mulheres mortas em outubro de 2015, a maioria em casos de feminicídio. Na época, para discussão na disciplina opinião pública, preparamos uma lista de mulheres assassinadas apenas no mês de outubro, e que rapidamente cobriu 25 páginas. Além do assassinato, foram ainda vítimas da exposição abusiva com a pilhagem dos seus perfis no Facebook, e uso não autorizado de imagens pessoais. O Portal G1 foi o responsável por mais de 90% de casos dessa natureza.
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