Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Estamos num ano surtado que, a rigor, começou no dia 04 de março, com a condução coercitiva de Lula para depor no aeroporto de Congonhas, e terminou no dia 14 de setembro, com a denúncia vazia da Lava Jato. Entre essas duas datas, a tensão esteve muito alta. E agora entramos num breve ponto de paragem, de depressão nos dois lados em confronto, mas que vai reacelerar novamente. E com muito mais força.
Até aqui vivemos uma sucessão vertiginosa de eventos, transitando de um momento crítico para outro, sempre saltando da véspera para o dia seguinte dos fatos traumáticos (conduções coercitivas, vazamentos, terrorismo da mídia, decisões no Congresso, ações da Lava Jato, manifestações, etc.).
Todos permanecem com os olhos vidrados nas redes, lendo muito mais, falando muito mais e armados para contra-argumentar, ou contra-atacar (porque o fascismo é agressivo), se preciso for.
Uma pausa nessa corrente contínua, um intervalo para respirar, tem sido impossível.
O romantismo fácil que mistificava a história (“estamos vivendo tempos históricos!”) está se esfarelando. Sim, atravessamos mesmo tempos históricos, os que os chineses chamavam de “épocas interessantes”, mas elas são terríveis. História é tempo de traumas, de sustos e ansiedades. É o que dizia Joyce: a história é um pesadelo do qual tento despertar.
O ritmo que vai nos empurrando por agora só se compara a um belo caldo (e se pode imaginar o magro e pálido Joyce entrando no mar em frente ao Copacabana Palace), quando uma onda forte te pega de surpresa e você vai rolando sem amparo no meio do turbilhão. Não tem onde agarrar. Mesmo quando é possível se erguer um pouco, se aprumar, a cabeça girando pela vertigem não consegue fixar a paisagem.
Está tudo rodando no Brasil hoje sem pausas. E mesmo quando nada acontece, um sexto sentido de paranoicos nos deixa alertas contra as pilantragens traiçoeiras do golpe. Esses picaretas não dormem e são peritos em golpes baixos e vilanias em surdina.
Agora mesmo, a velocidade com que, de um dia para o outro, a Lava Jato apresentou sua Denúncia em Powerpoint tosco, foi uma dessas vilanias. Tudo foi feito ex abrupto, na calada da noite e à queima roupa.
Na quarta-feira pela manhã, publiquei o artigo Os novos aloprados da mídia – Lava Jato noturna tenta pegar Lula discutindo a manchete do Folha/UOL que mencionava os últimos andamentos da Lava Jato – “Lava Jato busca concluir ao menos uma denúncia criminal contra Lula”.
Lemos na matéria do UOL:
“A força-tarefa da Operação Lava Jato tem buscado concluir nos últimos dias pelo menos uma denúncia criminal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os trabalhos entraram pela noite desta terça-feira (13).”
Nesta mesma quarta-feira, dia 14, à tarde, o fato consumado, tudo em ritmo de golpe, exatamente como Moro arrastou Lula para depor em 04 de março.
Nesse ritmo é impossível baixar a guarda. Ao invés de amenização ou suavização, o que se percebe claramente, pelo silencio súbito nos grupos do whatsapp, como acaba de acontecer depois da eletrização máxima da quarta e da quinta-feira, é um congelamento imposto pela depressão.
Depois de um tempo líquido num fluxo muito tempestuoso, caímos no lado oposto, numa parada brusca, como uma contração muscular do calendário que nos paralisou, como único modo de escapar da corrente, como que desmaiados na margem.
Hegel escreveu que as épocas felizes são páginas em branco da história universal. Logo ele, o mestre de Marx, e o sujeito que construiu uma filosofia sob o impacto direto da Revolução Francesa.
Não é isso que se sente agora no Brasil. Sente-se que, vistos retrospectivamente, os últimos 15 anos foram a única época que, se não foi feliz, pelo menos não foi trágica, na história brasileira.
É sobre esse desvio, esse oásis, que a história brasileira tradicional, a história da casa grande, quer estabelecer o estado de terra arrasada. Nada deve sobrar da memória dos anos Lula. Em especial, de Lula, como símbolo de lutas.
Mas, infelizmente para eles, isso não tem sido um passeio. Há um outro lado, outra narrativa, que reúne as forças populares na resistência ao golpe. Com isso não contavam. De fato, ao menos desde a campanha eleitoral de 2014, e já são dois anos, os ânimos se acirraram, o país se dividiu em dois, e o tempo ganhou intensidade.
Se, porém, a situação está, e continuará tensa, é justamente pela incapacidade da conspiração conjurada pelos golpistas de estabelecer sua vitória, sua pax imperial. Agora mesmo, se há uma depressão generalizada, o mais interessantes é que ocorre nos dois lados do front.
Do lado da esquerda, os protestos foram num crescendo, deram 100 mil em São Paulo no domingo, dia 04, os blogs e as páginas no facebook entraram num movimento dezenas de muitos milhões de interações. O ministro da fazendo, Meirelles, mostrou preocupação: “100 mil em protesto é um número substancial”, afirmou.
O anúncio pelo governo Temer, com suas mesuras de sabujo subserviente ao capital, de medidas de restauração do escravismo colonial (jornada de 12 horas, aposentadoria com o mínimo de 65 anos, fim de correção dos salários dos aposentados, etc.), incendiaram todos os ânimos à esquerda. Na abertura das Paraolimpíadas, Temer foi saudado com a maior vaia já ouvida no Brasil. E era um 07 de setembro. (Michel Temer já anunciou que, por medo, não vai no encerramento).
E tudo isso apenas como um começo de uma nova fase ascensional.
Da parte da direita (das grandes mídias, da FIESP, dos bancos e do agro-latifúndio) o começo do governo Temer no dia 31 de agosto, o anúncio dos preciosos planos de rapina através das privatizações, concessões e malversações, ascendeu um entusiasmo. Bastaria ver as homes do G1 desses dias.
A cassação de Eduardo Cunha, e a confissão monumental de descaramento dos seus apoiadores, que de repente ficaram reduzidos a dez, deixando apenas dois oradores gagos para fazer a defesa do antigo líder, pareceu ótima notícia para a Globo.
Mas então, as duas forças, a esquerda e os golpistas, ambas em movimento ascensional nos seus respectivos terrenos, se crisparam na apresentação da denuncia da Lava Jato. E o que houve?
A esquerda cerrou os dentes e os punhos, enfrentou com dura indignação o martírio imposto a Lula durante a tarde de quarta-feira. Mais um martírio desde o ciclo de assédio moral iniciado no dia 04 de março, com a condução coercitiva.
Daquela vez falaram os procuradores de meia idade. Dessa vez, os jovens imberbes e bem penteados. Por trás de ambos, contudo, escondem-se as velhas raposas do MPF de gordíssimos salários surrupiados dos recursos públicos.
Na quinta-feira, a esperada fala de Lula foi o máximo que os opositores do golpe podiam resistir. Logo depois, caíram em prostração mediúnica.
Já a direita coxinha de baixa patente, a classe média, que anda desconfiada de que foi engrupida, quase não teve forças para se pronunciar e cuspir fanfarronadas nas redes. Anda acabrunhada e cheia de desconfianças. Está vendo seu mundo desmoronar com as medidas de Temer, com coisas como o desejo dos planos de saúde de marcar consultas com 30 dias, ou seja, de virarem um SUS de vez.
A classe média que vivia na Guerra Fria anticomunista, anti-URSS, agora descobre que seu prêmio vai ser o pró-SUS. Enquanto isso, o Mais Médicos não pôde ser retirado dos mais pobres. Enfim, a classe média esta perplexa.
Mas acima dela, a mídia, os empresários, os manda-chuvas, que a tinham como tropa de choque, estão cismáticos, macambúzios. Temer não é confiável, para nada. A classe média já está se distanciando. Protestos engrossam nas ruas com 100 mil pessoas… Nada está muito sólido.
Para piorar toda essa situação, os procuradores da Lava Jato fazem esse papelão. Apresentam uma acusação sem provas, não conseguem laçar Lula com nada consistente, abrem a guarda para justificar a tese do golpe, como diria Cunha.
Estamos nesse momento, as duas forças, numa compasso de espera no fundo do vale da depressão. Mas não nos enganemos, não estamos na quarta-feira de cinzas da história. Isso é só a anti-véspera de uma convulsão bem maior do que as que vimos até agora.
A Lava Jato no dia 14, como se estivesse combinado, anunciou sua Denúncia contra Lula, o que fez com que o pacote de saque de muitos bilhões anunciados por Temer em privatizações, concessões e permissões, no dia 13, caísse no esquecimento já no dia 14. Notícia melhor não poderia haver para Temer. Mas essa lama não vai passar em brancas nuvens. Podem se preparar.
Ps: MÁQUINA CRÍTICA Bajonas Teixeira
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