“Um Nazista em Copacabana” ajuda a decifrar o pós-novo Brasil

por Rogério Pacheco Jordão

O grande mérito de Ubiratan Muarrek em Um nazista em Copacabana (Ed.Rocco) é partir em viagem de encontro ao Brasil. O país de agora, que já não é mais aquele novo Brasil inaugurado por Lula em 2003 e herdado de FHC, e que, sem precisar na disputa política, fez da estabilidade da moeda aliada à redução de desigualdades uma espécie de tênue bússola. Essa se espatifou, como se sabe, em algum momento do passado recente, talvez nas ruas brasileiras de junho de 2013, quando ecoou com força o ‘não-me-representa’ e o país encarou seu vazio existencial. É o pós-novo Brasil no qual todos os personagens, fictícios ou não, soam inquietantemente como secundários. Um país feito de clamores e reiteração de sensos comuns, que Muarrek tão bem captura na sua escrita eivada de ironia e à primeira vista desinteressada.

O Brasil que Muarrek encontra e transcreve nas 350 páginas de seu romance é, alegoricamente, um pântano. Frívolo. Confuso. Entranhadamente conflituoso, mas de choques, por vezes, circunscritos ao nada, ao vazio de personagens – Circes, Dianas, Delúbios, Edwards – que movem-se em tramas que nem sempre se resolvem (o que pede paciência ao leitor). Tipos irrelevantes que partem de apartamentos reclusos na zona sul do Rio de Janeiro para suas ocas aventuras no ABC paulista e Minas Gerais, enfronhados em diálogos estéreis e em (muitas vezes) intermináveis jantares temperados a molhos esdrúxulos. Com frequência rodeados de objetos domésticos que tão somente o cobiçado dinheiro fácil pode conceber. Ideal de riqueza advinda mais da aventura do que do trabalho metódico, como talvez pontuasse Sérgio Buarque de Holanda. No caso, e no início do século XXI, dinheiro vindo sabe-se lá de onde, fruto de transações obscuras associadas a tramas municipais, a terrenos, alvarás e licenças, como convém ao leitor do pós-novo Brasil que enxerga na corrupção fator explicativo de si próprio. Muarrek mergulha no pântano e faz da superficialidade uma arma.

Eis que no livro, e apesar do título, não há nenhum nazista, nem tão pouco, ou muito pouco, de Copacabana. Palavras, porém, que remetem de imediato a um tempo e um espaço. Coordenadas da nação? O pós-novo Brasil que sai do mosaico de situações e personagens não tem rosto, talvez nunca teve nem terá, sendo, nós, o produto de colagens instantâneas. Que refletem, quem sabe, algo de um renitente escravismo, esse passado nacional que nunca está morto, ao mesmo tempo em que entramos na contemporaneidade pela via do consumo. Imagens sobrepostas que sugerem algo de esquizofrênico nas nossas relações coletivas. Pois no cotidiano de país retratado por Muarrek não há sonho que vá além da antessala de apartamentos fechados em condomínios de nomes estrangeiros, por um lado, e de cozinhas apertadas em conjuntos habitacionais aonde a polícia aparece em eventuais blitze sem propósito aparente além de manter uma ordem invisível qualquer. É o tipo de incômodo que faz de Um Nazista em Copacabana um livro sobre a atualidade brasileira. Só por isso, mas não somente, um livro que merece ser lido.

Rogério Pacheco Jordão é jornalista e Doutor em Letras pela PUC-RJ

 

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