Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho
Na ausência de fatos convincentes para acusar Lula, os procuradores da Lava Jato inventaram que “provas são pedaços da realidade que servem para formar convicção sobre fatos”. Esse é o mesmo conceito de prova usado pelos ciumentos surtados na hora de cometer feminicídio: pedaços da realidade são transformados em provas paranoicas.
Observem que o conceito de prova da Lava Jato não é apenas infantil e medíocre, mas também extremamente perigoso. Voltarei a isso logo à frente.
[Lembrete: Caro leitor, desculpe interromper a leitura, mas é preciso. Estou inaugurando o blog Máquina Crítica como mais um front de pensamento e debate. O convido para a entrar como sócio fundador, curtindo e ajudando a divulgar a página no Facebook. Continuarei publicando em O Cafezinho, mas vou dar atenção também à nova página. Obrigado!]
É difícil crer no espetáculo dado pela Lava Jato nesta quarta-feira na sua acusação contra Lula. Parece pouco verossímil que, depois de tanto tempo, e de tantos recursos públicos investidos para essa investigação, o resultado tenha sido tão magro. Ou melhor, olhando por outro ângulo, que acusações de tal gravidade tenham sido feitas sem provas suficientes.
Os objetivos da coletiva, como se viu, iam muito além de incriminar Lula, se tratava de incriminar também o PT – como agente que distribuía recursos através do “caixa geral” para diversas frentes -, e de apresentar um mega esquema, que percorreria todo o estado e a política, e que denominaram de “propinocracia”. O petrolão seria apenas uma das faces da propinocracia, o governo baseado em propina, que incidiria também em diversos outros órgãos públicos. Uma coisa imensa, como se vê.
Para acusação de tal envergadura não se poderia esperar senão provas muito robustas. Mas o que se viu foi que, mal comparando, tivemos muita bananada para pouca ou nenhuma banana.
Na falta das provas, os procuradores assumiram uma estratégia dedutiva. Ou seja, ilações usadas para substituir e tapar os buracos das provas inexistentes.
Foi devido a ausência completa de provas diretas, irrefutáveis, e claras, o que seria o mínimo a se exigir em situação tão grave, que lançaram mão de um conceito de “prova” absurdo, repetido por eles mais de uma vez durante a coletiva: Provas são pedaços da realidade que geram convicção sobre certo fato.
Esse conceito de prova é, sem tirar nem por, o conceito que sustenta as grandes paranoias. Se provas fossem “pedaços da realidade”, como querem os procuradores, então falsas ilações, acusações fictícias, falcatruas, mentiras seriam todas provas. Porque todas são pedaços da realidade. Dou um exemplo: os Protocolos dos Sábios do Sião, um documento que trazia um plano para a dominação do mundo pelos judeus.
De ponta a ponta o documento era falsificado, e, contudo, se tornou “um pedaço da realidade”, com o objetivo de intensificar o ódio aos judeus. E, efetivamente, serviu de prova para os que queriam executar a solução final. Essa “prova” serviu ao extermínio de milhões de seres humanos, formou as convicções dos nazistas sobre os fatos, e no entanto, não possuía uma gota de verdade.
A definição de prova, a única aceitável, é a de que se constitua de fatos que demonstrem de forma inequívoca a participação do acusado no crime de que o acusam.
A falsa definição, que diz que “Provas são pedaços da realidade que geram convicção sobre certo fato” é letal e imprestável. No entanto foi usada pela Lava Jato para denunciar Lula criminalmente. Por quê? Justamente por falta de provas. Sem ter provas suficientes, ou seja, sem fatos indiscutíveis provando a responsabilidade de Lula, eles optaram por se valer de deduções. Vejamos uma penca dessas deduções:
Existe um megaesquema de corrupção, a propinocracia. Lula tem que ser inserido no centro desse esquema. Por quê?
– Porque se Lula for retirado do centro do esquema, não há como explicar a organização criminosa.
– Porque seria impossível explicar como o esquema funcionava.
– Porque não se conseguiria explicar como o esquema abrangia vários órgãos federais.
– Porque não se poderia explicar como o esquema perdurou após a prisão de José Dirceu.
Tudo isso foi dito por um procurador. Mas isso é ridículo por um motivo óbvio: o estado brasileiro, a política brasileira, desde sempre, por toda a República Velha e até os dias de hoje, esteve carcomida de cima abaixo pela corrupção. Datar a corrupção do governo Lula, é de uma estupidez tão patente que choca. É preciso não ter lido nada sobre a história do Brasil para apresentar uma tese tão primária.
E na verdade, basta ter vivido as décadas de 70, 80 e 90, para ter claro que corrupção é a instituição mais persistente da história brasileira: esteve firme em toda a ditadura, e continuou com a mesma força na volta da democracia.
Aliás, todos sabem que alguns delatores, como Nestor Cerveró, afirmaram que o esquema da Petrobras vinha do tempo de FHC. Coisa que foi dita do mesmo modo por Delcídio do Amaral. E esteve presente também nas privatizações, como o livro A privataria tucana está aí para provar. E não é de espantar, já que a corrupção sempre esteve entranhada no estado brasileiro. Por que então aqueles fatos, aquelas denúncias, não foram usados pelos procuradores da Lava Jato? Não foram porque, se fossem, o raciocínio teria que ser o seguinte:
– FHC não pode ser retirado do centro do mega esquema de corrupção que assaltou o estado brasileiro porque, sem ele, não se explica como justamente esse esquema nasceu durante o seu governo.
Os raciociniozinhos infantis da Lava Jato se repetem em relação ao tríplex, que é o ponto mais crucial da acusação:
Marisa e Lula adquiriram o apartamento da Bancoop em abril 2005. Começaram a pagar as prestações mensais, mas a real intenção do casal era já a cobertura. Isso se revela por duas provas: uma rasura na escrita em que, abaixo do número do apartamento pelo qual pagavam prestações mensais, estavam escrito o número da cobertura. Ou seja, primeiro foi escrito 174 (número da cobertura) que, em seguida, foi rasurado com a sobreposição do número 141 (número do apartamento). Outra prova, que se junta a essa, é que a cobertura não foi vendida mesmo após ser o condomínio adquirido pela OAS da Bancoop em 2009.
O que poderia ser mais convincente? Desde o primeiro momento o casal queria a cobertura. Como se sabe disso? Por que já de início o número escrito na escritura foi 174, que foi rasurado em seguida.
Um único problema não é mencionado pelos procuradores: nessa época da compra e da rasura (2005) o condomínio ainda não pertencia à OAS. Apenas quatro anos depois, em 2009, a OAS comprou o empreendimento. Como Lula poderia esperar receber da OAS uma cobertura que pertencia ao Bancoop?
Mas não seria fácil dizer que, na verdade, quando escolheu o apartamento em 2005, Lula e Marisa já sabiam que seria vendido em 2009 para a OAS? Não. Não seria fácil. Não seria possível prever essa venda. A venda só ocorreu, como bem informou a Folha de São Paulo em matéria de julho desse ano, por um fato singular:
“O prédio era de responsabilidade da Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários), que, em crise financeira, repassou a edificação para a OAS em 2009.”
Todas as provas apresentadas sobre o tríplex são fictícias como essa. E, mesmo assim, por bobas que sejam, os próprios procuradores se confundem ao conta-la.
Ao começar a falar do assunto, o procurador responsável disse tratar-se de um “empreendimento de alto padrão” no Guarujá. Duas frases depois, afirmou que o valor do apartamento era de R$ 195 mil na época, e que até ai, não havia problema nenhum, já que qualquer um podia ter feito a aquisição. Ou seja, era um apartamento muito barato.
O que ocorre então? Que o procurador, em nome da Lava Jato, classifica o condomínio em que está o apartamento como de alto padrão, para, no momento seguinte, dizer que o apartamento podia ter sido adquirido por qualquer um, ou seja, tinha preço popular. Estamos ou não estamos diante de disparidades psicóticas?
A mesma coisa acontece com a rasura constatada e com o fato de a cobertura não ter encontrado comprador. Não seria mais razoável crer que houve um erro no cartório, coisa que acontece aos montes, e que, em relação à cobertura ter permanecido sem comprador, ocorreu de ninguém ter tido interesse por ela, justamente por ser uma péssima escolha, com seus três andares minúsculos?
A denúncia feita pela Lava Jato hoje é um deboche. Falta sensibilidade crítica, noção de proporção, e até senso de ridículo. Alguns rapazes inexperientes, mas ambiciosos, são jogados na frente dos refletores para dar o seu show de bola. Uns até muito acelerados.
Todos esses disparates evidentes só servirão para reascender o acirramento de ânimos e a divisão do país, que começava a esfriar. É impossível saber onde isso irá nos levar.