O delinquente caiu!
por Jean Wyllys
Hoje, muito tardiamente, o Brasil se livrou da presença nefasta de Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados. Por 450 votos SIM, 10 votos NÃO e 9 abstenções, foi aprovado o requerimento do PSOL e a REDE que pedia a cassação do mandato do réu. Começamos essa luta sozinhos — eu mesmo enfrentei Cunha desde muito antes de ele ser presidente da Casa e avisei que ele era um perigo para a democracia! — e, graças à mobilização da sociedade, e especialmente da comunidade LGBT, das mulheres, dos negros e negras e da juventude, finalmente conseguimos derrotar esse bandido. É uma vitória enorme da bancada do PSOL, com apenas seis deputados. E é, sobretudo, uma vitória da sociedade brasileira.
A passagem do réu no legislativo brasileiro será lembrada em livros de história. Não pelos feitos, mas por uma trajetória marcada pelo ataque aos direitos humanos, às minorias, aos trabalhadores, às liberdades individuais e à democracia. Cunha caiu por ter mentido sobre as contas na Suíça. Caiu por mentiroso e ladrão. Mas o dano que ele fez à República e ao povo brasileiro foi muito maior, muito mais grave e terá consequências muito mais profundas.
Ao longo de sua gestão como presidente da Câmara, além de ser o principal articulador do golpe de Estado contra a democracia, Cunha instalou um programa reacionário, conservador, fundamentalista, fascista e de ataque às minorias, aliando-se para isso às bancadas “BBB” (da Bíblia, da bala e do boi), aos fascistas e à direita que perdeu as últimas quatro eleições presidenciais.
Lembremos alguns exemplos:
-) Antes mesmo de chegar à presidência da Câmara, Cunha foi o arquiteto, nos bastidores da Câmara, da chegada do pastor Marcos Feliciano, atualmente suspeito de cometer estupro, à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da casa.
-) Foi ele o responsável pelo retorno da pauta de redução da maioridade penal no Congresso, uma iniciativa que ignora a dinâmica já prevista no ordenamento para a punição de menores infratores. Pelo seu projeto, as cadeias atualmente superlotadas também deveriam receber jovens a partir dos 16 anos e que estivessem em reformatórios. Um catástrofe social e que só iria aumentar a violência.
-) Cunha é autor de um projeto que criminalizaria qualquer pessoa que ajudasse ou “induzisse” outra pessoa a realizar o aborto, mesmo em casos de estupro (e ele disse que, enquanto fosse presidente da Casa, a legalização do aborto, que eu propus em projeto de lei, jamais seria debatida). Esse mesmo projeto também obrigaria as vítimas a buscarem uma delegacia de polícia antes de receber o antedimento na rede de saúde.
-) Cunha também é autor de projeto que criminalizaria a “heterofobia”, uma fantasia ridícula que ninguém sabe dizer o que é. Nunca se teve notícia de alguém discriminado ou vítima de violência física por ser heterossexual. Essa proposta sempre foi uma mera provocação a população marginalizada de pessoas LGBT, população que sofre sim a violência, a discriminação e até o assassinato. Ele também foi um dos principais apoiadores do “Estatuto da Família”, que pretendia retirar os direitos já adquiridos pelas famílias formadas por casais do mesmo sexo.
-) Cunha impulsionou e conseguiu aprovar a maioria das propostas de uma contrarreforma política antidemocrática que barrava o PSOL dos debates eleitorais (regra que o Supremo declarou inconstitucional), reduziu o tempo de TV dos partidos que não fazem alianças oportunistas e tentou, também, legalizar a doação de empresas para as campanhas. Ele tentou mudar as regras das eleições para favorecer os partidos corruptos e fisiológicos e prejudicar, principalmente, a esquerda.
-) Também foi ele um dos principais articuladores de emenda que permitiria a construção de um shopping center no Congresso. O ‘parlashopping’, como ficou conhecido, custaria no mínimo 1 bilhão de reais e teria como principal finalidade dar mais conforto aos deputados que votaram em Cunha para a presidência da Câmara. Foi uma das tantas bizarrices que ele inventou para ganhar apoio do “baixo clero” do parlamento.
-) Além dessas iniciativas, outras foram tocadas por Cunha através de aliados, como a transferência para o poder legislativo das discussões de demarcações de terras indígenas, a revogação do estatuto do desarmamento e outras pautas nefastas para o país.
São por essas propostas e pela ampla capacidade de cooptar o apoio de outros deputados investigados que Eduardo Cunha foi o candidato que mais recebeu “doações” de campanha na última eleição: quase SETE MILHÕES DE REAIS! É o poder da grana que está por detrás do seu discurso falso e moralista. Essa velha política deve morrer com o mandato que será cassado hoje. Uma nova política deve chegar para que essa velha prática não permaneça nunca mais entre nós.
Cunha caiu, que caiam agora, com ele, a política suja, a roubalheira de dinheiro público, o oportunismo, a canalhice, o fundamentalismo religioso, o fascismo, o ataque às liberdades individuais e aos direitos humanos, o preconceito, a discriminação, a criminalização da pobreza, o lobby das grandes empresas pautando as leis da República, os ataques contra os direitos dos trabalhadores, a mentira, a traição, a hipocrisia. Que caia a política que Cunha representa! Que caia o governo golpista que ele ajudou a empossar, cassando 54 milhões de votos!
Cunha caiu e isso é muito bom. Festejemos, mas a luta continua!
Jean Wyllys é Deputado Federal pelo PSOL-RJ