The Intercept, do jornalista Glenn Greenwald, responde aos ataques de blog direito-libertário

Temer pediu cortes profundos em áreas sociais, ainda que o ‘Instituto Mercado Popular’ não entenda

por Breno Costa e Andrew Fishman, no The Intercept

THE INTERCEPT BRASIL foi criado para fazer matérias de relevância, indiferente a quem possa não gostar. Por isso, não foi uma surpresa ver que a matéria que publicamos na semana passada, analisando os cortes drásticos nos 11 principais programas sociais do governo na primeira proposta orçamentária apresentada por Michel Temer, foi criticada por grupos da direita que apoiam suas reformas em favor de grandes industriais e “economias livres”. A surpresa veio na forma da ferocidade junto com a completa falta de base das acusações, jogando contra nosso trabalho.

O editor de um site direito-libertário, o “Instituto Mercado Popular” (IMP), assinou um post na página de Facebook deles, divulgado a seus 35 mil seguidores, chamando nossa análise, que comparava a proposta de Temer com a de Dilma Rousseff no ano anterior, de “porca” e “tudo mentira”.  Ele chegou a essa conclusão porque “aquele projeto de orçamento [de Rousseff] era uma ilusão, e o gasto efetivo nessas áreas foi menor”. Ou seja, que a proposta orçamentária de 2016 era irrelevante porque os gastos verdadeiros em áreas sociais eram muito inferiores, criando a “falsa conclusão” de que  Temer está propondo grandes cortes nessas áreas. O IMP não cita nenhum número, fonte, cálculo ou link relevante para apoiar sua conclusão, apenas diz. (O post também  foi replicado na íntegra com o titulo “Glenn engana” pelo site “O Antagonista”, liderado pelo polemista da extrema-direita e ex-colunista da Veja, Diogo Mainardi.)

A análise original foi conduzida com o mesmo profissionalismo de sempre por Breno Costa, habituado a lidar com esse tipo de material desde a época em que era repórter de política na Folha de S.Paulo, por exemplo. (Vale a pena notar a ironia com que o IMP e O Antagonista personalizaram suas acusações de falta de rigor profissional contra o editor co-fundador do The Intercept, Glenn Greenwald, que não escreveu ou editou o texto em questão – até porque não tem essa função.)

Vamos aos números.

Desde que o Orçamento de 2016 foi aprovado e implementado, de acordo com um levantamento via Siafi (conforme dados disponíveis para consulta pública no sistema Siga Brasil, gerenciado pelo Senado Federal), houve, sim, R$ 2,18 bilhões em reduções de gastos no conjunto dos 11 programas sociais destacados inicialmente pelo The Intercept Brasil. Mas R$ 953 milhões (ou 43,6%) foram cortados nos três meses da interinidade de Michel Temer. O corte total nessas áreas foi de 1,17% de tudo o que havia sido projetado, inicialmente, pelo governo Dilma Rousseff, e 1,16% do que foi aprovado pelo Congresso em números nominais.

Desta vez, não gastamos nosso tempo corrigindo esses números para considerar a taxa de inflação no período, pois é sexta-feira, e a diferença é tão esmagadora que a natureza difamatória e mal-informada do crítico do IMP fica evidente. Para quem não leu nossa matéria, o governo Temer propõe um corte de R$ 29,2 bilhões (corrigido para inflação) nos mesmos 11 programas — uma queda real de 14% e uma redução media de 30% por programa. Essa diferença de dezenas de bilhões de reais é o que qualquer observador sóbrio chamaria de “cortes marcados”.

Outro ponto que o editor do Instituto Mercado Popular traz em seu post de Facebook, com bastante destaque, é que houve variações nas previsões de crescimento do PIB em 2016 e 2017 que impactaram negativamente a economia e a arrecadação de impostos. O fato é que a reportagem verificou, com base nas duas propostas orçamentárias, que o montante total de despesas do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social programadas para 2017 é 4,8% maior (já descontada a inflação) do que o previsto por Dilma no momento da sua proposta orçamentária ao Congresso, no ano passado.

Ou seja, a grande questão, aqui, é entender por que há uma projeção (significativa) de menos recursos para os programas sociais listados, enquanto, dentro desse mesmo bolo, a fatia de áreas como defesa, agronegócio, política espacial e política nuclear, entre outros, apresenta crescimento. A base de recursos é a mesma. Por que, afinal, houve mudança no tamanho das fatias? É uma simples e legítima questão de prioridades (embora fosse muito mais legítima se os eleitores tivessem votado por um governo que fosse seguir nessa linha).

Também é importante deixar claro para quem ainda estiver interessado no assunto que, com todo o critério jornalístico que temos por obrigação e pelo nosso prazer em trabalhar, tivemos o cuidado de:

  • Comparar a proposta de Orçamento não com a lei aprovada pelo Congresso ou mesmo com os valores efetivamente autorizados ao longo da execução orçamentária deste ano, mas, sim, com a proposta de orçamento apresentada exatamente um ano atrás pelo governo Dilma,como explicam os primeiros parágrafos da matéria. Não comparamos alhos com bugalhos.
  • Corrigirmos os valores considerando a inflação do período, referente aos preços de mercado (IGP-M). Afinal, não estamos falando de algo que custa R$ 10 hoje e que passará a custar um real a mais dali a um ano. Estamos falando de coisas de R$ 5 bilhões que viram algo, em média, R$ 550 milhões mais caras.
  • Deixarmos claro no título, assim como no gráfico publicado, que o Orçamento apresentado era uma “proposta”, não o Orçamento final, assim como foi no caso de Dilma. O título da reportagem é “Temer pede”. Além disso, a reportagem termina com esta observação, que reafirmamos aqui:

“Toda essa numeralha envolve apenas a proposta inicial de gastos. Esses valores serão trabalhados no Congresso e podem aumentar ou, considerando o perfil da base aliada, diminuir ainda mais. Além disso, na execução do Orçamento ao longo do ano que vem, o governo poderá promover diretamente o chamado contingenciamento de recursos – ou, traduzindo, fazer ainda mais cortes naquilo que já foi cortado.”

Imaginamos que o IMP tenha parado de ler a reportagem antes do final.

Poderíamos  continuar, mas parece que uma acusação tão rasa não merece mais do nosso tempo, nem o seu.

Seria interessante, entretanto, saber por que os integrantes do Instituto Mercado Popular não pegam as íntegras das propostas orçamentárias de 2016 e 2017 e produzem um texto para o seu público a respeito dos números, indicando onde, exatamente, existe uma perspectiva de melhoria nos recursos que estarão disponíveis para os principais programas sociais. Talvez já se consiga deduzir a resposta.

Agora, vale a pena analisar quem é que acusou o The Intercept Brasil de publicar “mentiras ideologicamente motivadas”.

O escritor, Pedro Menezes, é editor do blog do Instituto Mercado Popular (IMP) e estudante do curso de graduação de economia no Insper, de acordo com sua biografia no site. O IMP, um grupo com oito integrantes listado no seu site, acredita que o liberalismo econômico é o caminho mais adequado para garantir bem-estar aos mais pobres e cita Adam Smith na abertura de seu manifesto ao público. É uma de várias novas organizações e “think tanks” no Brasil com nomes pomposos, fundado por integrantes de um movimento da extrema direita criado e orientado nos EUA.

Geralmente, entre esses grupos, existem uma a abundância de coligações para que um grupo pequeno possa estrategicamente criar a ilusão de um amplo movimento “grassroots”, torcendo exatamente para os tipos de reformas que o governo Temer e seus apoiadores estão tentando implementar (com o bônus de quase todo mundo envolvido poder botar no currículo ser “co-fundador” de X e “diretor” de Y e talvez ganhar uma bolsa para fazer um treinamento nos EUA). O IMP foi fundado em 2013 exclusivamente por membros do grupo Estudantes pela Liberdade, que é o berço, entre outros, do líder do Movimento Brasil Livre, Kim Kataguiri.

O “Estudantes pela Liberdade”, por sua vez, é descendente direto do americano “Students for Liberty”, uma organização surgida em 2008 com o apoio de entidades conservadoras dos EUA, entre eles os irmãos Charles e David Koch, apoiadores de várias causas neoliberais, libertárias, anti-regulação e pro-industria e que estão, ambos, entre os dez homens mais ricos do mundo. O conglomerado deles, a Koch Industries, é a segunda maior empresa de capital fechado nos Estados Unidos.

Agradecemos ao IMB a oportunidade de esclarecer e reforçar nosso trabalho e elucidar a falta de rigor no seu. The Intercept Brasil foi fundado porque acreditamos que existe uma carência de debate e análise bem informada sobre os assuntos mais importantes no Brasil atualmente e que esse vácuo serve aos interesses dos mais ricos e poderosos do país (parecido com os que se alinham com grupos como o IMP), que estrangulam os tradicionais meios de comunicação no país.

Pretendemos corrigir nossos erros rápida e transparentemente, sempre que  necessário, e defender nosso trabalho quando atacado de forma espúria, como foi o caso desta vez. Novos adversários, sejam bem-vindos ao debate.

Quem quiser, pode ler a crítica do IMP na íntegra aqui:

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