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Difícil é dizer o que não foi bizarro no processo de impeachment de Dilma Rousseff

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado por Leonardo Isaac Yarochewsky, no Justificando Estranho, esquisito, peculiar e extravagante são algumas palavras que os dicionários assinalam como sinônimo de bizarro. “Bizarro” foi a palavra utilizada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes para ser “bastante delicado”, segundo ele próprio, ao se referir à decisão do Senado Federal no […]

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Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa extraordinária para votar a Denúncia 1/2016, que trata do julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade. Bancada (E/D): senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP); senador Aécio Neves (PSDB-MG); senador Fernando Collor (PTC-AL) Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

por Leonardo Isaac Yarochewsky, no Justificando

Estranho, esquisito, peculiar e extravagante são algumas palavras que os dicionários assinalam como sinônimo de bizarro. “Bizarro” foi a palavra utilizada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes para ser “bastante delicado”, segundo ele próprio, ao se referir à decisão do Senado Federal no último dia 31 de agosto. Naquele momento, decidiu-se, primeiramente, pela cassação do mandato da presidenta da República Dilma Rousseff e, em segunda votação, pela não cassação dos direitos políticos que poderiam deixá-la inabilitada para ocupar cargos ou funções públicas por oito anos. Para o ministro Celso de Mello, decano do STF, a decisão do Senado foi igualmente não muito ortodoxa.

Partidos aliados ao governo ocupante do Palácio do Planalto, os quais defenderam a cassação do mandato da presidenta e de seus direitos políticos, já ingressaram no STF mandados de segurança questionando o fatiamento da decisão tomada pelo Senado Federal. Uma coisa é certa: caso o STF decida adentrar no mérito da decisão tomada pelo Senado Federal – seja para confirmar ou para anular a decisão – deixando de lado as tais questõesinterna corporis, que até aqui guiaram o STF quando por inúmeras vezes foi chamado para se manifestar sobre o processo que culminou com a cassação do mandato presidencial, estará abrindo as portas para que seja questionado todo o processo de impeachment.

Como bem observa Cezar Roberto Bitencourt,

Em havendo nulidade, caberá ao Senado voltar a deliberar, não se olvidando, porém, que o julgamento constitui um todo indivisível, isto é, não pode ser anulado apenas uma parte, mantendo-se válida outra. Ou seja, é impossível anular somente a segunda deliberação, qual seja, sobre a inabilitação para o exercício de função pública, sob nenhum argumento. Por ser a decisão que impõe o impeachment una e indivisível, inevitavelmente deverá ser julgado novamente o todo, até porque, sendo julgado unitariamente, os julgadores (senadores) poderão decidir diferente, inclusive negando impeachment, em razão do gravame da inabilitação para o exercício da função pública. [1]

Além disso, é imprescindível ressaltar que o que ocorreu no julgamento da presidenta não tem relação alguma com a votação, que se avizinha, da cassação do mandato parlamentar do deputado federal Eduardo Cunha. Ao plenário da Câmara dos Deputados, ao analisar o parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, somente compete a decisão sobre manutenção ou cassação do mandato de Cunha, não havendo que se cogitar em aplicação de qualquer pena decorrente de uma eventual cassação. A inelegibilidade de parlamentares – que, aliás, não se confunde com a cassação de todos os direitos políticos – é consequência da cassação de mandato por força do que dispõe a Lei Complementar nº 64/1990, chamada de Lei das Inelegibilidades, alterada pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa).

No que diz respeito ao processo que cassou o mandato da presidenta Dilma Rousseff, importante salientar que o STF já deveria ter trancado o “bizarro” processo de impeachment no seu nascedouro, e não o fez. Teve o STF outras oportunidades para anular o processo, mas preferiu se omitir. Agora, seja pelo recurso dos opositores à presidenta cassada ou em razão dos argumentos apresentados pela defesa de Dilma Rousseff, o STF tem novamente a oportunidade de, uma vez por todas, liquidar com esse golpe reconhecendo que a presidenta da República Dilma Vana Rousseff foi condenada indevidamente e injustamente pela prática de conduta atípica, sendo certo que não houve crime.

Como bem assentou Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira et al,

no caso do Impeachment, embora a decisão política caiba, sobretudo, ao Senado, é constitucionalmente necessária, além da garantia do devido processo, a caracterização do crime de responsabilidade, nos termos da Constituição e da Lei 1.079/50 naquilo que essa lei foi recepcionada pela Constituição”. Ou seja, prosseguem os eminentes professores, “sem a caracterização do crime de responsabilidade (que somente existe no Direito brasileiro vigente como crime doloso), o que há é abuso de poder, violação da separação de poderes, portanto da lei e da Constituição. Não é impeachment, é golpe de Estado”. [2]

Não resta dúvida de que o STF não pode se omitir diante de um processo eivado de ilegalidades e de injustiças. Ao se cassar o mandato de uma presidenta da República eleita democraticamente com mais de 54 milhões de votos, sem que tenha sido comprovada a prática dolosa de crime de responsabilidade atentatório a Constituição da República, mas em razão do “conjunto da obra” ou da “falta de governabilidade” como reconheceram vários senadores, é um verdadeiro golpe parlamentar, com o qual o STF, última trincheira da cidadania – como sempre frisa o ministro Marco Aurélio – não pode compactuar.

Segundo o constitucionalista Pedro Serrano,

o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão de soberania do Estado dotado de jurisdicionalidade e a quem compete realizar, precipuamente, a guarda da Constituição, possui competência para examinar, inclusive no seu aspecto material, a decisão que condenou a presidente da República à perda do seu mandato. Do contrário, a autocontenção deslegitimadora da sua relevante função pública representaria o esvaziamento da sua função de contrapoder político. [3]

Por tudo, para “ser delicado” nos moldes do ministro Gilmar Mendes, é imperioso deixar assentado que “bizarra” foi a votação e a decisão da Câmara dos Deputados do dia 17 de abril pela admissibilidade do processo deimpeachment. Bizarro foi o então presidente da Câmara dos Deputados ser afastado, apenas e tão somente, depois que conduziu todo este processo. Bizarro foi o fato da presidenta da República Dilma ter sido “grampeada” ilegalmente e ter sua conversa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vazada em rede nacional por um juiz incompetente. Bizarro foi a condução coercitiva do ex-presidente Lula. Bizarro foi o STF impedir que Lula ocupasse o ministério da Casa Civil, cargo de livre nomeação do Chefe do Poder Executivo (art. 84, I da CR). Bizarro foi, diante de tantas bizarrices, a omissão do STF durante todo o processo. Bizarro foi a condenação da presidenta da República sem crime de responsabilidade. Bizarro é ter que se referir ao atual ocupante do Palácio do Planalto como presidente.

E como diz o personagem Dr. House [4], “O comum tem milhares de explicações. O Bizarro dificilmente tem alguma”.

Belo Horizonte, 05 de setembro de 2016.

Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Professor.
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