Entrevista exclusiva: Roberto Ponciano
Por Miguel do Rosário, editor-chefe do Cafezinho
No momento crítico em que se encontra o Brasil, após a concretização do golpe de Estado, O Cafezinho conversou com Roberto Ponciano, mestre em Filosofia e especialista em Economia, para compreender o que, de fato, está em jogo com a posse do governo ilegítimo, os caminhos para a reação da esquerda e a importância da reorganização de base dos movimentos sociais.
Roberto Ponciano é um dos professores do Curso de Extensão – Marxismo, da Primeira Internacional aos dias atuais, que tem previsão de início no próximo dia 12/09, online. Leitores do Cafezinho têm desconto na inscrição.
O Cafezinho: A gente acaba de viver um golpe de Estado. Nesse contexto, qual a importância de se estudar o marxismo no Brasil?
Roberto Ponciano: Eu acho que você não entende o golpe sem Marx. Porque tem gente que quer localizar o golpe no banditismo de Cunha ou nos supostos defeitos de Dilma – que eu acho que são muitas vezes superdimensionados – ou na traição do Temer. Mas se você não fizer uma análise de classe e entender quais são as classes sociais que estão se mexendo, quais são os interesses dos banqueiros, da bancada ruralista, os interesses ligados ao pré-sal, os interesses ligados aos setores financistas…se você não tiver essa leitura de classe, você não entende o golpe. Se você ficar achando que realmente é porque a Dilma não foi visitar o Cunha quando o Cunha quis falar com a Dilma. Isso é uma bobagem. Tem gente que insiste nessas picuinhas da história. Não foram essas picuinhas que fizeram o golpe.
O Cafezinho: Se houvesse interesse do capital em manter a Dilma, de melhorar a imagem dela, eles conseguiriam isso?
RP: Sem dúvida nenhuma. A gente colocou um programa em 2014 em disputa e logo depois a Dilma comete um grande equívoco, que é trazer o Levy pra tentar fazer algum tipo de pacto, de acordo, quando o acordo já não era possível. Várias pessoas já falavam isso. Pomar, no PT, falava isso. Maringoni falava isso. Que a era do acordo já tinha passado. A gente tinha chegado ao limite do processo. Tinha que ter dado o passo seguinte. O único equívoco de Dilma, pra mim, foi não ter percebido que era hora de dar o passo seguinte.
O Cafezinho: Qual seria o passo seguinte, na sua opinião?
RP: Era ter, ao ser reeleita, governado com o programa que ganhou a eleição. Eu não estou dizendo que isso teria evitado o golpe, mas a gente não teria corrido tanto da base social de apoio a ela. “Ah, não temos base no Congresso”. Não tínhamos lá e continuamos a não ter. Ainda perdemos apoio da base social, perdemos apoio político. Então, assim, o marxismo serve pra isso. Pra você olhar como as dicas perversas de economia que o Levy deu aumentou o desemprego e ao aumentar o desemprego a gente correu da nossa base social, que o trabalhador é nossa base social. O golpe não é contra Dilma, o golpe é contra os trabalhadores, o golpe é pra retirar direito, o golpe é pra fazer andar um projeto de destruição do Estado de Bem-Estar Social.
O Cafezinho: E qual é o interesse, do ponto de vista dos capitalistas, em prejudicar a classe trabalhadora
RP: O capitalista, em momentos de ascensão, em momentos que não se tem uma crise do capital, ele pode abrir mão da mais-valia absoluta pra aumentar a mais-valia relativa. Um pouco do lulismo foi em cima disso. No momento em que se tem uma crise, ele quer aumentar o ganho dele a qualquer custo. No capitalismo brasileiro, que não é um capitalismo de alto valor agregado, ele só tem como aumentar essa mais-valia retirando direitos do trabalhador, que eles chamam de “custo Brasil”. Agora, eu acho que isso, em curto prazo, pode aumentar a mais-valia absoluta, mas, em médio prazo, pode acontecer o que aconteceu na Argentina.
Estudando O Capital você entende isso, porque, realmente, você aumenta a taxa de exploração, o lucro do capitalista no primeiro momento é maior, mas você vai ter mais desemprego, menos produtos sendo comprados no prazo médio e longo, que se alia a uma crise de produção e de falta de dinheiro pra comprar os produtos que estão na praça. Então, a crise que está começando vai se amplificar em resultado disso. O capitalista não tem uma visão de prazo grande. Ainda mais o capitalista brasileiro, dependente, covarde, subserviente aos interesses estrangeiros, mas que sempre viveu às custas do Estado. Ele não tem um projeto de nação. O capitalismo no Brasil nunca teve um projeto de nação e não tem agora. Então, num momento de crise, ele quer aumentar as taxas dele às custas do sofrimento da classe trabalhadora. O problema é que isso vai esgarçar as gerações de Estado e a crise que vem à frente é uma crise como a que botou fim à Argentina. E pior, porque na Argentina foi um erro do povo argentino elegendo Macri e aqui foi um golpe. Você vê: o que sobrou do argentino? Até a classe média lá está se arrependendo do que fez.
O Cafezinho: É, na Argentina tem uma população, talvez, um pouco mais politizada e que revê isso com mais rapidez. Mas e aqui no Brasil?
RP: Eu estive na Argentina um pouco antes da eleição. Fala-se que a população brasileira não é politizada, mas quem elegeu o Macri foi a população da Argentina. Uma classe média. Tem classe média conservadora no Brasil, assim como tem no Chile, no Uruguai, tem em tudo quanto é canto. Essa classe média que começa a achar que está sendo sacaneada pelos processos de esquerda. E aqui no Brasil, bem ou mal, são quatro eleições seguidas com a esquerda ganhando eleição. Então, assim, o povo não é tão tolo como as pessoas pensam. É só você fazer uma análise de classe no voto. Aqui no Rio de Janeiro: da Tijuca até a Barra, ganha a direita; do Méier até Santa Cruz, ganha a esquerda. O povo não é tão tolo assim, não, como as pessoas querem fazer parecer. “O nordeste vota na Dilma, porque o nordeste é um bando de analfabeto”. O nordeste vota na Dilma porque foi favorecido pelas políticas públicas do PT. É um voto de classe. Não é um voto de analfabetismo ou de burrice. Isso é um etnocentrismo terrível. Você, quando vê o mapa das votações no Brasil, vê o mapa da consciência de classe. A consciência de classe não é só o cara que lê o livro do Marx e sai falando que a religião é o ópio do povo. A consciência de classe é você votar naquele com quem você se identifica. O Lula foi um fenômeno eleitoral porque a classe trabalhadora brasileira se vê no Lula, ele é o retrato da classe trabalhadora brasileira: nordestino, migrante, pobre, engraxate, operário.
O Cafezinho: Você acha que até 2018, com a consolidação do golpe e o aprofundamento da crise, a gente pode ter alguma surpresa positiva pra classe trabalhadora?
RP: Positiva, não vai ter. A gente vai ter que ir pra rua. Porque, mesmo se o Lula vier, a gente vai deixar retirar todos os direitos, pra dizer que com Lula a gente vai recuperar? Como se a gente tivesse um Congresso que vai ser ? progressista? Retomar direito é uma coisa muito difícil. A gente vai ter que ir pra rua, pra não retirar direito. A perspectiva é que com o aprofundamento da crise, em 2018, se o juiz golpista Sergio Moro não prender Lula, eles vão tentar de todas as maneiras não deixar o Lula concorrer. Porque muito candidato de esquerda, em uma situação de crise, tem chance. Mas o Lula é um símbolo. Então a direita quer, de todas as formas, retirar Lula da corrida presidencial. O troféu pra direita é o Lula na cadeia.
A gente tem que ir pra rua evitar a retirada de direitos e se o Lula for preso ou alguma coisa assim, a gente tem que ocupar a penitenciária onde ele estiver. Porque não dá pra aceitar isso, não dá pra aceitar ter uma ditadura de toga. Tão ruim quanto uma ditadura militar é uma ditadura de toga, porque não tem controle nenhum. Quem controla os juízes? Quem controla o Ministério Público? O CNJ foi criado pra controlar os juízes e hoje só serve pra pagar atrasado de juiz. Cada juiz, no fim do ano, está ganhando atrasado de R$ 200 mil, R$ 300 mil, pagos pelo órgão de controle. Todo ano o CNJ inventa algum atrasado. Foi o CNJ que criou o odioso auxílio moradia dos juízes.
O Cafezinho: Em alguns momentos, eu penso que a ditadura de toga é até pior que a ditadura militar, porque ela cobre os setores da política, parece que ela quer invadir o seu pensamento. Você não tem prisioneiro político, você tem prisioneiro comum da ditadura de toga, porque um juiz define isso.
RP: E tenta dar um padrão de legalidade a essa ditadura. Se eu sou um juiz e estou julgando, não tem ilegalidade. A gente está vivendo uma situação suis generis, porque o órgão que foi criado pra controlar o judiciário virou um órgão cuja missão é pagar, todo ano, verbas suplementares ao magistrado. Pode pesquisar. Todo ano, o CNJ libera uma grande quantia para os juízes. É auxílio moradia, é auxílio alimentação (que também foi criado para os juízes pelo CNJ). Os juízes, agora, têm direito a receber acima do teto constitucional, os adicionais, porque o CNJ determinou que isso não fere o teto. É uma coisa de louco, porque você tem um órgão que seria pra controlar os juízes que é povoado por ex-juízes, que acabam legislando a favor deles mesmos.
O Cafezinho: Se tornou um órgão totalmente corporativo.
RP: Pior que corporativo. É um órgão de proveito próprio. Degenerou. O CNJ, hoje, se acabar, a sociedade não se dá conta de que acabou.
O Cafezinho: Não tem o controle externo, como era a ideia.
RP: Isso, como era previsto na Constituição. Houve uma grita dos juízes dizendo que esse controle externo era pra tolher a justiça. Muita gente acreditou. Como havia a PEC de controle do Ministério Público, que diz que aquele que investiga não pode ser quem acusa e que é uma questão de democracia e de ética, porque veja bem: o Ministério Público é parte. Então você tem uma parte que defende e uma parte que ataca. Só que a parte que ataca, investiga. Ou seja, pode manipular a prova, como se faz na delação premiada. Então, a PEC era pra dizer: a polícia investiga, o Ministério Público acusa.
O Cafezinho: A PEC 37, você está se referindo?
RP: Sim, sim. E a sociedade foi pras ruas dizendo não.
O Cafezinho: Aquilo foi uma manipulação também, né? Porque as pessoas nem sabiam direito o que era a PEC 37, muitos chamavam de PEC da corrupção. Sempre se quer simplificar muito, não tem um debate aprofundado.
RP: Mas imagina a sociedade em que o acusador é o investigador. A delação premiada é uma excrecência.
O Cafezinho: É o que acontece, por exemplo, nessas forças tarefas e vem desde a ação penal 470: você tem um juiz, que é um juiz instrutor, é um juiz julgador, é um juiz carcereiro, que define a pena.
RP: E você não preza o comum, que não é o juiz da instrução. Então veja o seguinte: o Ministério Público não quer investigar no morro, não quer subir o morro pra tomar tiro de traficante, mas nos crimes de colarinho branco ele quer manipular a prova. Agora, se eu sou parte – eu sou parte, sou o Estado – se eu acuso e ao mesmo tempo eu preparo a peça, eu preparo a investigação criminal, ela já está contaminada. É O Processo de Kafka. O Brasil tem um Estado hoje kafkaniano. Qualquer pessoa que me interesse, já está condenada desde o início do processo. Eu vou manipular a prova pra que ele seja culpado. O Zé Dirceu é culpado de tudo. Zé Dirce é culpado de respirar. Então, assim, você pega, por exemplo, o tesoureiro do PT, que foi preso sem prova, e você tem um processo do PSDB com a lista de Furnas, comprovadamente corrupto. A justiça brasileira, inclusive, tem cor. A justiça brasileira virou uma justiça macartista, antipetista, antisocialista, anti-esquerda. A gente está em um estado que é extremamente perigoso. Veja no que o macartismo transformou a sociedade norte-americana.
O Cafezinho: É, lá houve luta, né?
RP: Mesmo com luta, houve expurgo no cinema, no teatro, na literatura. Os Estados Unidos não ficaram melhor depois do macartismo, não. Ficaram piores. A gente vive uma era de macartismo aqui. E você imagina, lógico que a gente não chegou ao estágio que foi nos Estados Unidos, mas a diferença é de grau, não de estrutura. Tanto que um procurador idiota do Ministério Público de São Paulo fez aquela citação imbecil de Marx/Hegel, tipicamente se colocando como um cara que está caçando comunista.
O Cafezinho: Mas eu acho a situação no Brasil pior que nos Estados Unidos, porque, como é um país pobre, tem uma população muito mais indefesa. Nos Estados Unidos, como era e é um país muito rico, têm sistemas de defesa individuais, porque as pessoas têm dinheiro no bolso pra se defender. E aqui tem uma fragilidade muito grande do sistema.
RP: Ainda assim, era um processo macartista de tal forma que o acusado tinha muita dificuldade de se livrar da acusação. E o processo da Lava-Jato é um processo macartista. Porque, primeiro: a delação premiada não visa ao cara acusar onde está o dinheiro. A delação premiada é macartista, é pra acusar um nome. É igual à ditadura militar. Ou você entrega um nome ou não tem delação premiada. Então, invés de premiada, é uma delação manipulada. Você vai falar mal do Lula? Não? Então, não tem delação premiada.
O Cafezinho: Agora, por exemplo, no caso do Léo Pinheiro, da OAS. Um caso super estranho, porque você tem um jogo sujo. A mídia não corre atrás, pelo contrário, ela participa desse jogo sujo.
RP: A mídia faz parte do aparato de poder. A mídia tem lado e é o lado da elite, da direita. A mídia faz parte do golpe, então não vai correr atrás, porque ela não quer correr atrás. É necessário, como em todo regime fascista, demonizar o inimigo. Pegando um filósofo que não é marxista, Emmanuel Levinas: você precisa anular o outro, o outro tem que ser um animal, o inimigo da sociedade. O nazismo foi assim.
O Levinas dizia o seguinte: o que o nazismo fazia? Ela tirava a humanidade do outro. O judeu era o inimigo, você tinha que demonizar o judeu. Então ele não era mais humano, você pode levar para o campo de concentração e fazer o que quiser, porque ninguém liga.
O que se faz com o PT? Você demoniza, transforma-o em inimigo, aquele que é culpado de antemão e você pode fazer o que quiser, passar por cima de todas as garantias. Por exemplo, no caso de Dias Toffoli, eu não quero saber se ele tem ou não culpa no cartório, mas efetivamente o vazamento é condenável. Aí vem uma grita. Embora fale: “não, mas ele teve origem no PT”. Se fosse alguém da direção do PT, ninguém ia questionar.
O Cafezinho: Porque hoje ele já é visto como um aliado de classe, né? Então, ele já é blindado e protegido quase que com histeria.
RP: Independentemente, é uma questão de justiça. O que é o processo totalitário? É o processo em que você não dá defesa, não dá as garantias éticas e morais de defesa para o acusado. O que acontecia em Moscou: o Stalin falava que Bukharin era traidor, Bukharin ia ser traidor, ia sair do tribunal condenado. Na Alemanha também havia um simulacro de julgamento. Nós temos no Brasil tribunais que são iguais aos tribunais nazistas e aos tribunais de Moscou, o cara já está condenado antes do julgamento. Não interessa o resultado do julgamento. Você só quer saber quantos anos vão ser de pena.
O Cafezinho: Inclusive, repetindo até esses padrões totalitários, você tem um tribunal midiático…
RP: O que é pior. Isso não existia na Alemanha, nem em Moscou. O que tinha era ínfimo. Não havia condenação pelo jornal. Agora, não. Eles destroem a vida da pessoa.
O Cafezinho: É, então, só que o que parecia ser exceção, agora virou uma rotina.
RP: Uma regra. Você colocou na Globo e falou que o cara é culpado, o cara é culpado de qualquer jeito. Você imagina: as pessoas estão interessadas em pedalinhos. A mediocridade, a imbecilidade generalizada. E aí eu vou até lembrar Eduardo Paes, de quem eu não sou fã: pedalinho é coisa de pobre, não faz diferença. O Lula era presidente da República, tem um salário excepcional, compra um pedalinho. Isso é a prova de que o cara não é corrupto. Quanto custa um pedalinho? R$ 300, R$ 400. O cara tem um salário de 20 e tantos mil, é o teto do salário do serviço público. Isso não tem a ver com corrupção. É uma coisa fora do comum. É tão ridículo. Você imagina o seguinte: o cara era presidente da República. Se ele quiser receber propina, vai ser propina de bilhões.
Como, por exemplo, aqueles ditadores africanos, de países ultra pobres, que têm bilhões na Suíça.
RP: O Lula não tem conta na Suíça, o Lula não tem conta nas Ilhas Cayman, não tem nada provado contra ele. E as pessoas requentam essas histórias e têm prazer com isso. O macartismo também tem um outro lado. Tem o lado daquele pessoal da inquisição e o de quem ia ver a execução, de quem ficava gritando “mata!”. E é uma coisa que eu não consigo entender, esse prazer das pessoas com essas condenações abjetas. Porque a condenação sem prova é uma coisa que atenta contra a democracia. E aí eu fiz questão de citar tanto a Alemanha nazista quanto o tribunal de Moscou. Não importa qual é o regime, você não pode condenar alguém com antecedência.
Qual é a possibilidade de alguém que tenha sido vítima de uma delação premiada de se ver livre do julgamento do mundo? Nenhuma. A prova é puramente a palavra de um bandido, de um canalha. Dizem que a delação premiada não vale sem prova. É mentira. Se não valesse sem prova, o Dirceu não estava condenado. Então, a palavra de um bandido virou prova pra condenar alguém sem nada material e concreto.
O Cafezinho: Eles pegam qualquer coisa como prova. Se tem R$ 2 mil em tal conta…
RP: Como a história do Pizzolato, que era uma conta de patrocínio do Festival de Verão da Bahia. Se o Pizzolato foi pra cadeia, tinham que pegar todo mundo que recebeu aquele patrocínio e mandar pra cadeia. Porque o dinheiro tinha destinação comprovada.
O Cafezinho: Mas ali começou uma era muito triste no Brasil e, pra mim, o que marca essa era é a Ação Penal 470 e aquela frase da Rosa Weber ao condenar o Dirceu.
RP: “Não tem prova, mas a literatura me permite condenar”. Que literatura é essa? “Alice no país das maravilhas”, em que a rainha fala “cortem as cabeças”? É a única literatura possível.
O Cafezinho: Agora, pra finalizar, em que o estudo do marxismo pode ajudar o brasileiro a entender e a desenvolver instrumentos de luta?
RP: Vamos lá. A gente falou da mídia, a mídia como aparelho de Estado, a mídia é o partido político da elite. O Brasil não tem um partido político de direita. Nem o PSDB é. Não se organiza. Quando o PT atingiu a hegemonia, quem combateu o PT não foi o PSDB, foi a Globo. O partido político organizado da elite brasileira é a Rede Globo. Melhor organizado e que dá a linha para o PSDB. Então, olha só, tem um autor clássico do marxismo, o Gramsci, que fala: quando a gente está desorganizado e não tem um partido que organiza seu plano, a imprensa faz esse papel.
O marxismo não para no tempo, ele vem até os dias de hoje. Ele vai se moldando à realidade e dando instrumentos. Ele é uma ferramenta de análise. Sem uma ferramenta de medição, você não sabe a temperatura. A ferramenta pra medir política é o marxismo. Ele vai dizer: se você quer entender a política, vê onde estão as classes sociais, quais são os interesses. Sem isso, vira análise do fuxico. “A Dilma caiu porque era mau humorada, porque não foi jantar com o Cunha, porque o Temer é golpista”. Isso não é análise de conjuntura. E você não consegue fazer análise de conjuntura sem entender a luta de classes.
Rita Mota
04/04/2017 - 09h41
Excelente análise!
Quem não leu Marx vai compreender, em linhas gerais, a luta de classes. A citação do resultado das eleições nas regiões do Rio e do Brasil ilustram muito bem a identidade de classe do povo com os candidatos.
Brilhante entrevista!
Antonio Carvalho
04/09/2016 - 22h27
Leiam Louis Althusser e Antonio Gramsci edobre os “aparelhos ideológicos do estado”.
ari
03/09/2016 - 20h51
Vc está corretíssimo. A história é a história das lutas de classes. O voto do nordeste tem tudo a ver.
Seu
nome é Zelita. Ela mora perto e tem
cerca de 45 anos . No dia da votação do primeiro
turno, ela dizia que votaria na Dilma pois ela e o Lula foram os únicos
governos que fizeram alguma coisa “por nós”. Mais recentemente, essa senhora
falava que havia sido motivo de piada por gente da classe média pelo fato de ela
ser beneficiária do bolsa família (num passado não tão distante, ela e família
passaram fome). Em alguns lugares, as beneficiárias do programa são conhecidas,
como “mulheres do Lula”, expressão que se tornou sinônimo de “preguiçosas”. Há
uns 4 anos, Zelita mostrou de que material é feita: sua filhinha de 4 anos
morrera num acidente e apenas 3 dias depois ela estava trabalhando. Um preguiçosa, como se vê!
Cláudio Luiz Pessuti Pessuti
03/09/2016 - 16h52
Análise muito boa.
Adriano
02/09/2016 - 23h54
A discussão começou bem mas, na sequência, embora vocês sejam inteligentes e bem articulados, faltou o fio de prumo, porque são indisciplinados. Ao invés de continuarem a falar metodicamente da relação de classe, como ela poderia explicar, a partir dos interesses de cada uma das frações das elites, os rumos do golpe, caíram matando sobre o filé tentador da divagação opiniática em torno do golpe. Indignação é coisa que se vê pendurada em barraca de feira e banca de camelô. Isso não vale nada. Mas uma lição, ou nem isso, um esboço dos interesses de classe, seria um bem mais precioso e necessário. É essa paciência de ruminadores de conceitos que ainda temos que aprender no Brasil.
Adriano
02/09/2016 - 23h57
Aliás, replico a mim mesmo lembrando que a observação final do artigo, sobre a Globo como o partido político é muito acertada, assim como outras espalhadas ao longo do texto. Acertadas, porém, não obedientes ao que deveria concernir à discussão em primeiro lugar, que seriam os interesses de classe intervenientes no golpe.