Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho
No dia 31 de agosto de 2013, exatos 3 anos antes do golpe midiático/judicial/parlamentar de 2016, foi publicado um editorial no Globo afirmando que o apoio do jornal ao golpe de 64 foi um erro.
A Globo reconhece o erro mas ao mesmo tempo tenta justificá-lo: outros grandes jornais também apoiaram, havia o temor de que Jango instaurasse uma ‘república sindical’, ‘a intervenção fora imprescindível para a manutenção da democracia’, etc.
Em um trecho o editorial afirma o seguinte:
A História não é apenas uma descrição de fatos, que se sucedem uns aos outros. Ela é o mais poderoso instrumento de que o homem dispõe para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los.
A Globo, no entanto, não aprendeu com os próprios erros.
Podemos dizer com segurança que a empresa da família Marinho é a grande protagonista do golpe de 2016.
Afinal, sem o seu jornalismo furiosamente antipetista e macartista (não só o jornalismo, mas também através de mensagens subliminares nos seus programas de entretenimento: na minissérie ‘Felizes Para Sempre?’, de 2015, por exemplo. há uma cena em que aparece um quadro de Che Guevara na casa luxuosa de um empreiteiro corrupto, numa clara tentativa de ligar a corrupção à esquerda, quando o perfil de empreiteiros corruptos na realidade está muito mais para eleitor de Aécio Neves); sem a sua parceria com a Lava Jato, utilizando vazamentos seletivos para manipular a opinião pública, tentar interferir na eleição de 2014 e depois derrubar o governo; sem o seu poder de assassinar reputações que intimida deputados, senadores e ministros dos tribunais superiores; e sem a convocação do exército coxinha com cobertura em tempo real das manifestações da direita o golpe não seria possível.
O editorial do Globo de hoje, o dia seguinte ao golpe de 2016, é um festival de cinismo, soberba e ameaças.
Não vem com a mentira do editorial do dia seguinte ao golpe de 1964 – Ressurge a Democracia -, mas começa ameaçando os próximos presidentes: o título é ‘Para que jamais haja outro impeachment’ e o subtítulo ‘A partir de agora, governante que desejar tomar atalhos, e não apenas no manejo do orçamento, para contornar a Carta, sabe o risco que corre’.
No final do editorial fica claro que na verdade não são os governantes que ‘contornam a Carta’ que correm o risco de serem apeados do poder:
A partir de agora, qualquer governante que pense em atalhos à margem da lei, no manejo orçamentário, precisará refletir sobre as implicações de seus atos. O mesmo vale para delírios no campo político-institucional. O fortalecimento não é apenas das cláusulas da responsabilidade fiscal, mas da Constituição como um todo, para desaconselhar de vez projetos bolivarianos como o do lulopetismo. Serve de aviso geral à nação.
O impeachment de Dilma serve para “desaconselhar de vez projetos bolivarianos como o do lulopetismo”.
Não é ‘só um aviso geral à nação’, mas uma ameaça aos eleitores e próximos presidentes, feita pela auto-proclamada suprema comandante do país, a Globo: ou o governo se alinha ideologicamente aos Marinho ou cedo ou tarde será derrubado.
Neste trecho, todo o cinismo da Globo:
São um feito os dois impeachments (Collor e Dilma), sem rupturas, num continente cuja trajetória é pontilhada de acidentes institucionais e autoritários, à direita e à esquerda, tendo como ligação, entre esses dois campos que se opõem, o nacionalismo, muitas vezes turbinado pelo populismo, como tem sido na tragédia do chavismo e foi na debacle do lulopetismo, com a mais grave desestabilização da economia brasileira na República.
É de notável ineditismo, na América Latina, o fato de esses incidentes institucionais no país serem contornados sem as rupturas clássicas na região.
Uma empresa que apoiou a ditadura militar chamar os governos ‘lulopetistas’ e o chavismo de autoritários é positivamente ridículo.
E afirmar que o impeachment de Dilma se deu ‘sem ruptura’ é um escárnio.
Mas, como diz Jânio de Freitas em sua coluna de hoje na Folha, ‘nenhum golpista já admitiu ser golpista’.
A Globo ainda lembra várias vezes, no editorial, a ligação de Dilma com Brizola, tripudiando, após essa vitória suja, em cima de seu mais feroz combatente. Outro trecho:
No processo contra Dilma, não há acusações de corrupção, mas crimes que têm a ver com a visão ideológica lulopetista, com o tempero brizolista da ex-presidente. Não passou despercebido que, ao se defender no Senado, Dilma Rousseff usou tática do guia Leonel Brizola: nunca responder as perguntas e falar o que quiser.
Mais uma vez fica claro que o crime de Dilma, para a Globo, foi ter uma visão ideológica ‘lulopetista com tempero brizolista’, portanto desalinhada com o que os Marinho querem para o país: neoliberalismo selvagem e a conta da crise paga pelo povo, para que sua fortuna e seus privilégios permaneçam intocados.
O cientista político Moniz Bandeira afirmou, quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia, que ‘uma potência é muito mais perigosa quando está em decadência do que quando conquista o seu império’.
Com audiências minguando ano a ano – a internet e o Netflix vão acabar com a televisão como a conhecemos – e a narrativa política sendo disputada por sites progressistas, a Globo é uma potência em decadência.
E provou estar correta a frase de Moniz Bandeira, atuando decisivamente para que estejamos vivendo mais um golpe em nosso país.
Apenas 3 anos depois de afirmar que foi um erro o apoio ao golpe de 64.
Mas em algum momento a decadência será irreversível, e aí uma eventual admissão de culpa por mais um crime contra a democracia será muito pouco.
O fim do monopólio inconstitucional da Globo nas telecomunicações virá, de um jeito ou de outro.