(Charge: Lorenzo)
Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista do Cafezinho
Decorridos 52 anos e alguns meses após o golpe de 31 de março de 1964, o Brasil assiste à finalização de outro golpe, novamente no dia 31, dessa vez de agosto. Agosto, mês nefasto, em que coincidiram algumas tragédias políticas no país, agora é potencializado pela data também politicamente maldita, o 31.
Como tudo correu muito bem para os golpistas, e a sorte lhes sorriu com todas as cumplicidades da mídia, dos empresários e do judiciário, e lhes deu a vitória, uma vitória expressiva, acima das expectativas – reeditando o que ocorreu na Câmara –, o caminho está traçado não para uma simples mudança, mas para reinaugurar um novo velho Brasil.
Como disse uma vez Millor, “o Brasil tem um longo passado pela frente”.
Esse Brasil velho, arcaico, volta feroz, disfarçado de pós-moderno, com as redes sociais e as piadas racistas de Danilo Gentili. Com a pirâmide da FIESP iluminada de verde e amarelo, e o pato roubado do artista holandês Florentijn Hofman.
Esse será o novo cripto-pós-moderno maravilhoso mundo de Danilo Gentili, que como diz em seu site é “um publicitário, humorista, escritor, cartunista, repórter brasileiro e empresário. Faz parte da nova geração de humor, a da stand-up comedy.” Um homem universal, como se dizia no renascimento, uma espécie de Leonardo Da Vinci, só que da escória, que agora estará no país dos seus sonhos, feliz como pinto no lixo.
Mas por falar em pós-moderno, um dos seus índices mais ostensivos é a proliferação das redes sociais que, em especial no Brasil, ganha a forma da esmagadora presença do Facebook. Gentili tem 12.619.753 curtidas no seu site.
Outro que já mostra números astronômicos no Facebook, é Jair Bolsonaro, que tinha 2.492.562 curtidas em 13 de março e hoje já conta com 3.321.738. Nada mau, não?
Embora estejamos esquecendo um tema que já esteve mais presente, o fato é que o golpe tem como um dos seus vértices a bancada BBB, da bíblia, do boi e da bala. Serão essas forças que passarão a dominar (em nome da FIESP, dos bancos, do agronegócio) no caso do êxito do golpe hoje. Uma vasta cultura do extermínio haverá que tomar conta do país.
E, para isso, a destruição do estado de direito, da cultura jurídica e da Constituição – assuntos que ganharam o primeiro plano em março, com a condução forçada de Lula, mas que foram passando para o segundo plano nos meses seguintes – será fundamental. Como mostramos, e muitos outros o fizeram também, a gestão de Alexandre de Moraes à frente do ministério da Justiça representa a entronização do estado policial.
Como esse estado reagirá no caso de protestos de rua com grandes massas pedindo o fim do governo Temer? Do mesmo modo, violento e bárbaro, que o estado de São Paulo reagiu contra os estudantes nas ocupações, sob o comando do mesmo Alexandre de Moraes. Só que com uma diferença de escala e, portanto, também uma diferença do número de vítimas.
Estas ações, contudo, dificilmente encontrarão, depois de todos esses meses em que o STF jogou em consonância com os interesses do golpe – por exemplo, dando a Cunha meses e meses antes de afastá-lo da direção da Câmara, possibilitando que fosse ele o arquiteto do impeachment –, um Judiciário capaz de fazer frente ao arbítrio e à truculência. Ao contrário, terá nele o seu maior aliado.
Tendo sido desmontadas as estruturas do estado que pudessem, minimamente, invocar os direitos humanos, desfeito o estado de direito, garantida a cumplicidade do Judiciário, com um Ministério Público alinhado, ficará aberta a porta para as repressões em grande escala. Por quê, por exemplo, não fazer como se fez com os ‘terroristas’ presos por ‘planejarem um ataque’ quando estudantes organizarem protestos contra o governo Temer? Por quê não levar os líderes, mantendo-os incomunicáveis, para penitenciárias no interior do país, onde até o acesso dos advogados se veja bastante dificultado?
E os movimentos sociais? A reversão das políticas sociais previsivelmente abrirá confrontos severos com a repressão, armada até os dentes, e manifestantes, devendo ultrapassar em violência o que vimos na desocupação de Pinheirinho, em 2012, e na repressão aos professores pela polícia do governador Beto Richa, em 2015.
Será preciso ampliar o já existente e ‘eficaz’ cinturão de aço e chumbo, em que o chicote da repressão ricocheteia 24 horas por dias contra as periferias, para disciplinar os potenciais rebeldes pelo pavor. “O Brasil”, se dirá, “precisa de tranquilidade e de paz para trabalhar e crescer”. De fato.
Ontem uma matéria do UOL, com dados levantados pela revista “Forbes Brasil”, noticiava o aumento do número de bilionários no Brasil:
Mesmo com a crise econômica, o número de brasileiros com mais de R$ 1 bilhão subiu de 160, em 2015, para 165 neste ano, de acordo com o ranking de bilionários da revista “Forbes Brasil”.
A matéria recebeu o título Apesar da crise, aumenta o número de brasileiros em ranking de bilionários. Esse título é incorreto porque muito provavelmente não foi “apesar” da crise, mas “por causa” da crise, que o processo de concentração de renda avançou vorazmente no país.
Em todas as análises dignas de crédito, se reafirma a convicção de que o sucesso do golpe, o fato de ter soldado tão firmemente as elites econômicas do país, à despeito dos interesses conflitantes que normalmente as separam, deve ser posto na conta de um desejo de reinserir o país dentro da globalização, processo que foi em parte sustado com o advento do primeiro governo Lula.
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos tem sido a voz mais lúcida e constante nesse diagnóstico.
Mas o que significará o recrudescimento da concentração selvagem de renda em um país em que a favelização, a miséria, a violência, avançam aceleradamente, ao ponto de hoje o homicídio por motivos banais já ser uma febre na própria classe média? Significaria que chegaremos ao paroxismo de insegurança nas grandes cidades, que levará à saída de sempre, o reforço do combate à violência com o uso da violência policial.
Mas, se todas as estatísticas apontam que a nossa violência policial já ocupa os primeiros lugares no ranking mundial, onde vamos chegar?
A convergência da violência repressiva política com a violência policial contra as periferias, será a parteira do Brasil do futuro, do maravilhoso mundo dos Gentilis e Bolsonaros. Esse é o verdadeiro conjunto da obra que devemos vislumbrar desde agora.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros “Lógica do disparate”, “Método e delírio” e “Lógica dos fantasmas”. É professor do departamento de comunicação social da UFES