Charge: Latuff
Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista de política do Cafezinho
Indisfarçável, durante as 15 horas que Dilma esteve no plenário do Senado, o abatimento dos defensores do impeachment. As máscaras faciais do golpe exibiam medo. Quanto mais as horas passavam, e a disposição e clarividência da presidenta se tornavam ainda mais manifestas, mais se estampava nos rostos dos que foram ali para votar a sua derrubada a nítida imagem da desolação. Não era uma desolação trivial. Era mais aquele tipo de desconsolo que costumava brilhar na cara de quem é pego pelo rabo.
Fisionomias de quem não gostaria de ser visto nu, sem ter como e nem para onde fugir, dominavam nas hostes golpistas. E por quê? O que me pareceu foi que a avassaladora defesa feita por Dilma dentro do Senado, numa inversão flagrante dos papeis entre acossada e acossadores, convertia quase que a cada frase, a cova dos leões num covil de camundongos. E cada frase que desnudava o sentido real do processo aumentava o desconforto ao deixar, não um ou outro senador, mas a frente unida do golpe no Senado, exposta diante do país.
Onde estava o problema maior? A sensação é de que o que se estampava ali era a retirada, sem anestesia, da pele de dissimulação que os golpistas andavam vestindo e com a qual se sentiam inatingíveis. De outro, como efeito dessa presumida posição de força, que foi construída ao longo desses últimos meses com o cimento da mídia, o imaginário golpista reduziu Dilma às dimensões planas de uma carta fora do baralho. As expectativas foram brutalmente traídas quando, de repente, tiveram que concluir que, não só Dilma estava viva, mas muito mais ativa e cortante do que jamais puderam imaginar.
E a cada instante, com respostas claras e solene desprezo por inúmeras asneiras e pérolas que rolavam das bocas dos seus inquisidores, a dimensão de Dilma crescia. E isso na proporção exata em que, a cada intervenção golpista, caía a casa do Senado. Intimidados, emudecidos, pouco dispostos a emitir com a mínima convicção às descargas verbais despropositadas e ridículas que costumam protagonizar, era nítida a reversão de expectativa que, cada vez mais, se tornava um denso clima de velório.
Claro que não se trata do velório do impeachment, ao qual continuam aferrados, mas o velório da sensação de vitória fácil e mar de brigadeiro que achavam que iria prevalecer até o fim do golpe.
No entanto, embora a aliança golpista seja soldada por interesses muito fortes, que nada tem a ver com argumentos e provas, o fato é que a demolição implacável que Dilma realizou dentro da instituição, pode surtir efeitos sobre indecisos. Se ali existir algum indeciso real, e não apenas simulações de indecisão para vender mais caro o voto pró-Temer, não será impossível que uma meia dúzia de senadores tenha sido abalada na raiz de suas convicções caso, repito, pertençam a uma minoria movida por algum apego à verdade.
Mesmo que esse apego seja o apego à verdade política, já que a imagem de Dilma cresceu enormemente durante suas 15 horas dentro do Senado e, com o brilho do seu desempenho e a limpidez da sua coragem, requalificou-se como figura política de estatura rara. E, é claro, o fato de que sua apreciação pela opinião pública e pelos eleitores deve sofrer uma sensível virada a partir desse episódio. Tudo isso pode abalar convicções.
Não é impossível que, diante desse desempenho e de seus possíveis reflexos políticos, muitos senadores tenham sentido temor e dúvidas sobre o que o futuro político lhes reserva. Um horizonte que estava muito límpido foi conturbado de repente por nuvens pesadas e escuras. Se não podemos nos entregar a devaneios ingênuos sobre as chances de vitória, no entanto já vislumbra-se uma fresta aberta. Aqui é sempre bom lembrar o preceito de Gramsci: Otimismo da vontade e pessimismo da inteligência.
Quem até agora, por mais que os golpistas arrotassem vitória, não desanimou no combate ao golpe, mesmo que sem se deixar arrastar por esperanças fáceis, reconhece que a performance de Dilma no Senado abriu brechas numa compacta expectativa pessimista para as próximas horas. Mesmo que as possibilidades de reversão sejam remotas, que apostar numa reviravolta seja tão pouco razoável como o foi na votação da Câmara, alguma chance agora existe.
E, certamente, nesse momento, as apostas de Temer estão dobrando nos bastidores, os indecisos estão recebendo promessas as mais sedutoras, e tudo isso terá um peso também. Portanto, só nos resta esperar. Quem viver verá. Assim como a extraordinária defesa de Dilma foi capaz de abalar as expectativas mais pessimistas, outras surpresas podem sobrevir, embora não seja razoável contar com elas.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros “Lógica do disparate”, “Método e delírio” e “Lógica dos fantasmas”. É professor do departamento de comunicação social da UFES