(Dilma em sua resposta à senadora Ana Amélia. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)
Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho
Neste dia seguinte ao histórico momento em que a presidenta eleita fez a sua defesa diante dos senadores – a qual será solenemente ignorada pela maioria dos ‘julgadores’ -, peço licença para utilizar alguns exemplos do estado onde nasci, o Rio Grande do Sul, para demonstrar uma das maneiras através da qual a mídia conservadora sequestra a democracia brasileira.
No Rio Grande do Sul, a afiliada da Globo, a RBS, reprisa fielmente a atuação da sua matriz: monopoliza, em afronta à Constituição, o mercado da comunicação, mantendo liderança disparada na televisão, rádio, jornal e internet; faz um jornalismo de direita disfarçado de imparcial; está envolvida em escândalo de sonegação fiscal.
O senador Lasier Martins, do PDT, trabalhou na RBS de 1986 a 2013, quando saiu da empresa para concorrer ao Senado.
Durante a maior parte deste período ele foi comentarista de política do ‘Jornal do Almoço’, o telejornal que, presumivelmente, é acompanhado por boa parte dos gaúchos durante o seu almoço.
Os comentários diários de Lasier eram um festival de senso comum conservador (o seu ápice de reconhecimento como analista político é o momento em que leva um choque quando cobria a Festa da Uva de Caxias do Sul).
Mas a exposição diária ao público por quase 30 anos fez com que Lasier fosse eleito um dos 81 Senadores da República em 2014, sem nunca ter exercido qualquer outro cargo público anteriormente.
Ontem, em sua pergunta à presidenta, o senador Lasier fez exatamente o que se espera dele: reproduziu fielmente a narrativa bumba-meu-boi midiática, falando em ‘roubalheira na Petrobras’ quando a justificativa oficial e supostamente jurídica para o impeachment não tem absolutamente nada a ver com a estatal.
Lasier apenas trocou o púlpito de onde vomita senso comum, saltando da afiliada da Globo diretamente para o Senado Federal.
Outra Senadora do Rio Grande do Sul é Ana Amélia Lemos. Trabalhou na RBS de 1977 a 2010, quando saiu da empresa para concorrer ao senado.
Em boa parte desses anos foi correspondente de política da emissora em Brasília, fazendo comentário no telejornal da hora do almoço.
Por conta da exposição diária ao público foi eleita Senadora da República em 2010, também sem ter exercido qualquer cargo público anteriormente.
Ontem a Senadora Ana Amélia, vestida pateticamente de verde e amarelo, afirmou perante Dilma que a ida da presidenta ao Senado, para se defender, é a prova de que não é um golpe. Alguém precisa explicar urgentemente para a senadora os conceitos de ‘prova’ e ‘golpe’.
Esta verdadeira aberração antidemocrática – pessoas ficarem famosas aparecendo na televisão (ou seja, utilizando uma concessão pública) e depois usarem essa fama para virarem políticos com ótimo potencial eleitoral – não é exclusividade do Rio Grande do Sul. Acontece no Brasil inteiro.
Celso Russomano, líder nas pesquisas para a prefeitura de São Paulo e deputado federal mais votado do país em 2014, talvez seja o caso mais emblemático.
Esta é apenas mais uma das agressões à democracia provocada pela concentração dos meios de comunicação no Brasil: a possibilidade de pessoas serem eleitas aos mais altos cargos de representação apenas pela exposição midiática que garantiram reproduzindo o discurso conservador desejado pelos seus patrões por anos a fio.
Qual a legitimidade real deles para representar o povo em cargos eletivos?
Com uma origem dessas é óbvio que só poderiam se unir aos golpistas.
O oligopólio midiático conservador deveria ser a pauta prioritária do campo progressista.
É a origem e a sustentação do poder da direita, uma vez que os seus governos, invariavelmente hostis aos direitos dos trabalhadores e à serviços públicos de qualidade, possuem péssimo apelo popular.
A democracia brasileira é refém do cartel midiático conservador há tempo demais.