(Foto: Edilson Rodrigues)
Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista de política do Cafezinho
As doces ilusões, como as expressas no título desse artigo, estão condenadas a tornarem-se amargas. Quem dera que, decorridas todas essas etapas de defesa e acusação, estivesse formada no Senado uma clara compreensão de que as acusações contra Dilma são infundadas. Mas é claro que isso não aconteceu nem acontecerá. No entanto, a condução de todo o processo, a aplicação com que a própria defesa tem procedido, chega a fazer com que muitos se convençam de que é possível livrar-se do cerco do impeachment simplesmente através de provas e argumentos.
O circo jurídico faz crer na legitimidade constitucional e, com isso, ter esperanças em um veredito justo, ao fim do julgamento. No fundo, sem que se saiba, essa esperança, tem um quê de cumplicidade com as elites judiciárias brasileiras ou, ao menos, de apego às antigas ilusões que, decorridos os últimos meses, já podiam estar enterradas.
Vimos nos últimos meses a perseguição implacável a Lula, com decisões e omissões as mais descaradas, indo desde tentativas sumárias de prisão (pedida pelo MP de São Paulo), até vazamento de conversas pessoais gravadas e divulgadas de forma ilícita, por Sérgio Moro. No STF, tivemos um jogo que funcionou como um ataque em pinça: de um lado, o julgamento do pedido de afastamento de Eduardo Cunha levou meses até que tivesse uma decisão, o que permitiu que ele atuasse como o principal arquiteto do impeachment, enquanto, do lado contrário, Lula, que poderia ser, como ministro da Casa Civil, um negociador capaz de refazer as alianças em torno de Dilma, foi, com escândalo e indignação de alguns ministros, vilipendiado e impedido de assumir pelo STF.
Engana-se, portanto, redondamente quem acredita que argumentos, provas e contraprovas tenham o mínimo efeito para mudar o destino de Dilma em seu julgamento no Senado. Terão de fato, no Senado Federal, tão pouca efetividade quanto tiveram na Câmara Federal.
Não queremos dizer, evidentemente, que Dilma deveria ter renunciado ao seu direito de defesa, e se limitado a denunciar, de fora, todo o processo como uma farsa. Isso seria entregar a faca e o queijo nas mãos dos golpistas. Por outro lado, se fizesse isso, teria sido possível agir com maior liberdade em relação ao viés bem comportado, legalista, de seus defensores mais próximos.
Em muitas ocasiões, como na oportunidade que teve ao falar na ONU, Dilma poderia ter sido mais explícita sobre a parcialidade completa da justiça brasileira. E, portanto, por extensão, do STF brasileiro. Ao fazer agora uma denúncia mais contunde do golpe no seu discurso de hoje no Senado, Dilma ainda poupou o STF. E o fez para não irritar o Supremo, já que pretende ir a ele como a última instância após uma decisão negativa do Senado.
A defesa teve o mérito de documentar, de acumular provas contundentes, nas inúmeras peças de defesa que produziu, de que o que vivemos hoje é um golpe. Ou seja, um mérito que será para o futuro, e talvez para um futuro não muito distante, uma arma nas mãos das forças progressistas. Contudo, justamente a obediência à legalidade e aos ritos do impeachment, abriram o espaço para legitimar o processo por inteiro.
Ou seja, findo o último ato no STF, com um julgamento pelos ministros que conclua que todos os procedimentos no Congresso foram regulares e obedientes à Constituição, o que restará à defesa? Aceitar como legítimo o resultado inteiro e, desse modo, entrar em contradição com o próprio discurso das ruas, que denuncia o golpe.
A maioria dos Senadores, que vai votar contra Dilma, está muito satisfeita com todos os argumentos, provas, contraprovas, testemunhas e perícias favoráveis à presidente. Elas são muito bem vindas porque servem para a legitimação que, ao fim, nos dirá que tudo transcorreu dentro de rigorosa submissão à Constituição. Assim, quanto mais argumentos a favor de Dilma, quanto mais a defesa se esforce para provar sua inocência, melhor, porque o processo ganha mais aparência de legitimidade.
Além do interesse da maioria dos senadores de ver o PT pelas costas, e ter seus partidos colocados no centro do poder, há também desejos mais laterais, mas não menos efetivos. Um deles, como vimos com todos os detalhes nas gravações de Sérgio Machado, é costurar um novo pacto, nacional, com todos os vitoriosos que, congregados pelo “renascimento do Brasil” pós-PT, pós-Lula e pós-Dilma – ou seja, fim dos programas sociais, imposição à ferro e fogo de um super-agenda neoliberal, desmonte das leis trabalhistas, saque do estado, etc. – concederá uma anistia geral para todos os crimes, desde que praticados pela direita golpista.
Ou seja, o enterro sem lágrimas e sem velas da Lava Jato.
Tendo, como esse grupo tem, ideias muito claras sobre o que pretendem conquistar, e contando com uma sólida cumplicidade em suas fileiras, os argumentos contrários ao golpe são todos muito bem vindos. Quem se importa com eles? Quando no Brasil – o país do “Manda quem pode, obedece quem tem juízo” – alguém se importou com argumentos ou com provas?
No Brasil, desde sempre, a cultura nunca foi intelectual e argumentativa, mas sempre baseada em duas faces que jogam articuladas: 1. Ideias, instituições e práticas ostensivas para Inglês ver (por exemplo, a adoção de Constituições muito modernas copiadas de países avançados) e, 2) as práticas dissimuladas que fazem o contrário do que pregam as Constituições, ideias e instituições modernas que o país abraça.
Por exemplo, a Constituição enumera até cansar os ideais de igualdade social, de direitos iguais, de acessos, de promoção, etc. Não obstante, o funcionamento normal das instituições, em seu dia a dia, impõe, ao contrário, as práticas desiguais: nepotismo, favorecimento, arbítrio, patriarcalismo, apadrinhamento, pistolão, racismo institucional, etc. etc.
Isso que acontece no Brasil acontece também em outros lugares. Não é exclusividade desse país. Mas aqui, tem-se que admitir, a cultura da dissimulação chega ao extremo. Não é só um método da política ou das relações sociais, é uma espécie de fixação psicótica, de tara psíquica. Tudo que é feito escondido, por trás da visibilidade, e que entra no esquema do “isso fica entre nós dois, não diga nada para ninguém”, ou do “isso morre aqui”, tem um peso muito maior, uma realidade muito mais decisiva, do que as coisas feitas para serem vistas.
E se, para tudo ficar completo, um rebanho de ovelhas inocentes acredita naquilo que se faz para todo mundo ver – coisas como leis e constituições – , enquanto os lobos conspiram e dividem o butim atrás das cortinas, então estamos no Jardim de Éden à brasileira. Aliás, para finalizar: Rui Barbosa, cujo feio busto estampa o Senado Federal, do qual é patrono, era um belo de um dissimulado.