por Lincoln Sousa
O Golpe de 2016 serve como um alerta para um problema que deve ser levado muito a sério pelos amantes da democracia: o fanatismo. Presenciou-se, nos últimos anos, um aumento considerável de pessoas que foram cegadas por determinados discursos e líderes. E que tiveram seu comportamento controlado por eles. E foi no campo religioso que esse fanatismo ficou mais evidente. Em alguns casos, Deus passou a ser confundido com religião. Igrejas viraram sedes políticas. O sacerdócio passou a ser uma carreira lucrativa. E a fé se transformou, muitas vezes, em obediência cega.
Campanhas como a “escola sem partido”, cujo objetivo tem pouquíssima relação com o nome, começaram a ser fomentadas por setores religiosos. Também aumentou a presença de certas instituições religiosas nas escolas, principalmente públicas, distribuindo “livros sagrados” e promessas de prosperidade. E o que mais espanta em tudo isso é a quantidade de recursos, sobretudo financeiros, que essas organizações dispõem para realizar campanhas gigantescas que alcançam quase todo o território nacional.
Há muito tempo, algumas “religiões” se transformaram em negócios lucrativos. É certo que a religião pode ter um efeito positivo na sociedade e sobre o indivíduo. A priori, não há nada de errado em buscar ajuda para aperfeiçoar-se e transformar o mundo em lugar melhor para todos. O problema, contudo, é que alguns “religiosos” parecem ter uma agenda bem diferente para os seus fiéis. O que deveria ser uma forma de incentivar o autoconhecimento e o automelhoramento é utilizado como um instrumento de controle e de exploração. O que poderia ser uma forma de ajudar na evolução individual e coletiva se transformou em uma fábrica de milícias, que pensam, falam, agem e votam de acordo com a vontade daqueles que comandam essas instituições, “em nome de Deus”. Nesses casos, a “religião” realmente é usada como um instrumento de controle social, de conquista de poder e de enriquecimento.
O discurso de ódio, preconceito e intolerância substituíram os discursos de fraternidade e de amor ao próximo que normalmente são pregados pelas principais religiões do planeta. De certa forma, esses líderes conseguiram perverter alguns dos princípios teológicos mais básicos para manipular e controlar os mais ingênuos dos seus “rebanhos”.
O fanatismo que vem crescendo nos últimos anos não está restrito ao âmbito religioso. Na política, os extremistas também são abundantes. Assim como acontece em algumas “religiões”, líderes políticos também podem desempenhar um papel de destaque na lavagem cerebral coletiva. E a mídia especializada em desinformar também contribui na criação de zumbis obedientes. O princípio é o mesmo: criar divisão, intolerância e ódio usando medos e preconceitos. Essencialmente, é um jogo de manipular a ignorância e a insegurança das pessoas menos alertas ou mais fragilizadas.
A esquerda não está livre de culpa quando o assunto é fanatismo. Muitos esquecem, frequentemente, que o questionamento, a reflexão e a compreensão de ideias diferentes também fazem parte processo de aprendizado. E a tolerância deve ser praticada por todos, por mais difícil e conflituoso que seja o ambiente ou por mais ignorante e preconceituoso que seja o interlocutor. É certo que paciência tem limite e ninguém é de ferro. Todo ser humano está sujeito a erros. Mas cada faz o que pode, dentro das suas próprias limitações.
A partir do momento em que se entende como funcionam os mecanismos que geram o fanatismo, a sua prevenção fica mais acessível. O autoconhecimento, a reflexão, o aprendizado constante de novas ideias e teorias, o espírito crítico e muita prudência na hora de aceitar o que líderes “pregam” são algumas atitudes que podem ajudar o indivíduo no combate ao fanatismo. Coragem de olhar para si mesmo antes de olhar para o outro também ajuda.
É importante lembrar que contestar líderes não é pecado. Rever conceitos não é pecado. Mudar de ideia não é pecado.
O fanatismo é uma das piores armadilhas da sociedade humana. E, como acontece com todas as armadilhas, é necessário ficar atento para não cair nela. A vigilância é essencial. Assim como acontece com as doenças do corpo, é sempre melhor prevenir do que remediar. Porque o fanatismo, muitas vezes, consome o indivíduo de tal forma que ele se torna incapaz de se libertar dele. O fanatismo é uma das drogas mais perigosas e destrutivas da sociedade contemporânea. Assim como o fascismo, o militarismo, a xenofobia e o racismo. E, com o aumento da pobreza, da desigualdade, da desinformação, da violência e do preconceito, essas drogas estão sendo cada vez mais consumidas pela população em geral. E é justamente essa a intenção daqueles que controlam a sociedade.
Lincoln Sousa é Bacharel em Relações Internacionais, ativista e vegano