“Na verdade, foi uma ‘despedalada’ fiscal”, diz economista na defesa de Dilma
Segundo dia de julgamento é marcado por acirramento dos ânimos entre defesa e acusação
Primeiro convidado da defesa de Dilma Rousseff a ser ouvido nesta fase final de julgamento do impeachment, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo destacou que não considera que tenha havido desacato à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) por parte da presidenta afastada. O depoimento ocorreu na tarde desta sexta-feira (26), segundo dia da fase final do processo.
“Na minha opinião, o que ocorreu foi uma ‘despedalada’, se considerarmos que houve contingenciamento num momento de queda da arrecadação”, argumentou.
Durante o depoimento, ele ressaltou ainda que defende o resultado das eleições presidenciais. “Quero deixar manifestada e clara a minha adesão incondicional à soberania do voto, porque essa é uma grande conquista do mundo ocidental”, salientou.
Neste momento, o plenário do Senado ouve o professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Geraldo Prado. Estão previstos ainda para esta sexta-feira os depoimentos de outros três representantes da defesa: Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda; Luiz Cláudio Costa, ex-secretário-executivo do Ministério da Educação; e Ricardo Lodi Ribeiro, professor de Direito da UFRJ.
O depoimento de Belluzzo ocorreu sem muitos questionamentos porque, no intervalo do almoço, os senadores pró-impeachmentacordaram entre si que retirariam as inscrições de perguntas, de forma a acelerar os depoimentos. “É uma questão de economia processual”, disse o tucano Aécio Neves (MG).
A base aliada do presidente interino Michel Temer tem se movimentado para agilizar o máximo possível o processo. Um dos motivos é a viagem de Temer à China, caso seja confirmado o impeachment. O peemedebista intenta viajar na próxima semana para participar da reunião do G-20, em Hangzhou, nos dias 4 e 5 de setembro.
Na avaliação da defesa, a medida consiste numa manobra para evitar que uma possível delação do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) leve ao sufocamento do governo Temer.
“Eles sabem que Cunha está chantageando todo mundo e, se fizer uma delação, arrasta todo mundo com ele”, tem repetido o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Tanto Beluzzo quanto Ribeiro passaram da condição de testemunhas para a de “informantes”, por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que preside o julgamento nesta fase final do processo.
Também estava prevista a oitiva da ex-secretária de Orçamento Federal do governo Esther Dweck, mas o advogado de defesa de Dilma, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, desistiu do depoimento dela. Cardozo argumentou que não gostaria de expôr a ex-secretária.
Animosidade
A oitiva de Belluzzo teve início somente após o intervalo de almoço da sessão porque pela manhã as questões de ordem e os debates entre os parlamentares se estenderam por quase duas horas.
O clima de animosidade entre defesa e acusação se acentuou neste segundo dia de julgamento e teve o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), como um dos protagonistas. Por volta das 11 horas, o peemedebista pediu a palavra e discursou aos parlamentares pedindo que não protelassem as discussões.
Calheiros se disse “constrangido” diante das testemunhas, que estavam aguardando o fim das discussões para serem ouvidas. “Esse debate não tem mais pra onde ir. Se continuar assim, daqui a pouco o presidente Lewandowski vai se sentir como se estivesse conduzindo um julgamento num hospício. (…) Se seguirmos nessa morosidade, vamos ter que cancelar o depoimento da presidenta, que está marcado pra segunda”, sugeriu.
O ponto mais polêmico do pronunciamento de Calheiros se deu em seguida, quando ele criticou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). “Eu não sei como a senhora tem coragem de apresentar esse comportamento sabendo que há poucos dias eu ajudei a desfazer o seu indiciamento no STF”, disparou.
Tendo provocado uma ebulição no plenário, a fala de Calheiros foi uma referência ao discurso da senadora nessa quinta-feira (25), primeiro dia do julgamento, quando ela afirmou que “o Senado não tem moral pra julgar a presidenta Dilma”. A fala do peemedebista também se refere ao processo em que Hoffman foi indiciada pela Polícia Federal, que provocou uma reação institucional do Senado.
“O que ocorreu foi que eu entrei com uma ação contra a Polícia Federal dizendo que a PF não poderia me indiciar. Quando se termina um inquérito, ele precisa ser remetido ao Ministério Público, que é quem tem competência pra isso. Inclusive, foi pedido que o Janot [Rodrigo Janot, procurador-geral da República] se manifestasse, e ele concordou. O Senado entrou com uma ação porque é um caso em que há interesse da instituição”, defendeu-se Gleisi, acrescentando que não houve um “favor pessoal” de Calheiros a ela e que por isso não se sente “devedora” em relação ao peemedebista.
“Eu acho que o presidente se confundiu. Ele estava nervoso e acabou falando isso. Foi uma fala que não corresponde à realidade”, disse, minimizando a turbulência que marcou as disputas em plenário na manhã desta sexta-feira (26).
Farias qualificou a atitude do peemedebista como “desastrosa”. “O Renan perdeu completamente o senso. É ele que manda no Supremo, por acaso? Ele tocou fogo na discussão como um bombeiro. Em vez de uma palavra de bom senso, ele fez foi incendiar ainda mais o debate. (…) Este é um momento dramático pra gente porque estão tentando afastar uma presidenta inocente, mas nós temos o direito de defendê-la. Desde ontem, eles tentam nos desqualificar e não vamos aceitar tamanho desrespeito. Passaram muito do tom, mas não vão nos intimidar”, garantiu o líder da minoria na Casa, criticando também o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), com quem protagonizou novos bate-bocas neste segundo dia de sessão.
Em nota divulgada à imprensa durante o intervalo de almoço, Calheiros suavizou o pronunciamento que havia feito, afirmando que “as intervenções do Senado Federal são impessoais, transparentes e ditadas pelo dever funcional, no intuito de defender a instituição e as prerrogativas do mandato parlamentar”.
No início da tarde, senadores do PT e do PSDB acordaram que evitariam usar as chamadas “questões de ordem” e “pela ordem” (intervenções parlamentares durante as sessões) no restante do dia, de forma a iniciar as oitivas, que estão em andamento.