Arpeggio – Coluna política diária
Por Miguel do Rosário, editor-chefe do Cafezinho
O ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), participou de um “fórum pela liberdade de expressão” promovido pela revista Veja e Google, em que pronunciou as seguintes platitudes, conforme registrado pela Folha:
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso usou sua participação, num fórum sobre liberdade de expressão em São Paulo, na manhã desta sexta (26), para defender a Operação Lava Jato de “robustas e previsíveis reações” que, “se bem-sucedidas, impedirão a mudança de patamar ético de que o país precisa”.
Segundo ele, “essas reações incluem ataque ao Ministério Público, tentativas de reverter a jurisprudência do Supremo que permite a execução de condenações após o segundo grau, articulações para preservar mandatos maculados com mudanças legislativas que façam tudo ficar tão parecido quanto possível com o que sempre foi”.
Para o ministro, “o país precisa de uma sociedade mobilizada e de um Judiciário independente, capazes de continuar a promover uma virada histórica na ética pública e na ética privada”. Para encerrar, afirmou: “Já nos perdemos pelo caminho outras vezes, precisamos acertar agora”.
Antes, Barroso havia defendido a Lava Jato, que citou nominalmente, dizendo “a novidade é que a corrupção tem sido enfrentada nos últimos tempos com investigação séria, cooperação internacional, tecnologia e técnica jurídica”.
Acrescentou porém que o necessário respeito à transparência “não legitima vazamentos seletivos, venham da acusação, da defesa ou da polícia”.
O divertido Romário, hoje enterrado dentro do corpo de um senador golpista, certa feita cunhou uma frase sobre Pelé que já nasceu célebre: Calado, Pelé é um poeta.
Poderíamos parodiar essa frase e dizer que Barroso, calado, é um grande filósofo político, um eminente jurista e um comentarista genial dos problemas brasileiros!
Calado, Barroso é quase um Hans Kelsen!
Infelizmente, Barroso gosta de falar. De preferência em eventos promovidos pela Veja.
É incrível como funciona a cabeça de um ministro do STF. Aquela capa preta que eles vestem deveria portar o símbolo da Globo. É só vesti-la para que eles se transformem em papagaios furiosos das ideias hegemônicas da grande mídia.
No caso de Barroso, há um elemento ainda mais irritante: sua pretensão de simular críticas ao establishment ao mesmo tempo em que repete frases decoradas no manual do próprio… establishment.
Vamos comentar as frases do ministro:
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso usou sua participação, num fórum sobre liberdade de expressão em São Paulo, na manhã desta sexta (26), para defender a Operação Lava Jato de “robustas e previsíveis reações” que, “se bem-sucedidas, impedirão a mudança de patamar ético de que o país precisa”.
Segundo ele, “essas reações incluem ataque ao Ministério Público, tentativas de reverter a jurisprudência do Supremo que permite a execução de condenações após o segundo grau, articulações para preservar mandatos maculados com mudanças legislativas que façam tudo ficar tão parecido quanto possível com o que sempre foi”.
Mudança no patamar ético de que o país precisa… Claro, isso incluiria derrubar uma presidente sem provas, levando ao poder o ministério mais corrupto e reacionário que o Brasil já testemunhou em sua história.
Além de jurista e analista político, Barroso é também – calado – um moralista magnífico!
“Ataque ao Ministério Público”…
O ministro Barroso talvez tenha esquecido de que, vivendo sob um regime teoricamente democrático, a crítica às instituições não deve ser caracterizada como “ataque” e sim como um saudável e necessário escrutínio social.
No caso do Ministério Público, como ele não passa pelo filtro do sufrágio universal, a única maneira do indivíduo exercer um pouco de influência sobre a sua atividade é através da livre crítica política.
Se tem alguém “atacando” o Ministério Público, excelentíssimo ministro Luis Roberto Barroso, são os próprios procuradores da Lava Jato, que exercem o seu ofício qual fossem justiceiros completamente descompromissados com valores democráticos e garantias individuais.
Afinal, o Ministério Público, como o próprio nome diz, não pertence à corporação. Não pertence aos procuradores e promotores, nem ao Procurador Geral da República. O MP pertence ao povo brasileiro. O povo brasileiro é o proprietário único do Ministério Público e, portanto, pode e deve criticá-lo, para que ele não extrapole de suas funções e não se torne um estamento aristocrático, antipopular, com tendências golpistas.
Há um sermão belíssimo do padre Antonio Vieira, o Sermão I, da primeira sexta-feira da quaresma, que o excelentíssimo ministro deveria ler antes de sair por aí chamando, genericamente, a crítica democrática de “ataque ao Ministério Público”. Nele, Vieira explica, com base nos textos sagrados e em Santo Agostinho, que há um amor que destrói, porque desordenado e cínico, e um ódio que aprimora, porque visa o aperfeiçoamento. Si males amaveris, tunc odisti; si bene oderis, tunc amasti, dizia Santo Agostinho. Se amas mal, então odeias (ou seja, fazes o mal); se odeias bem, então amas (ou seja, fazes o bem).
Uma crítica democrática, inteligente, ao Ministério Público, tem como consequência o seu aperfeiçoamento, e é feita por quem ama, verdadeiramente, as funções democráticas do MP, a saber, a de defender o cidadão dos arbítrios do Estado e das corporações.
Um elogio vazio ao MP, como o feito por Barroso, não constrói nada, apenas reforça os vícios já graves da instituição. É um amor destrutivo, e, portanto, falso, oportunista.
(…) tentativas de reverter a jurisprudência do Supremo que permite a execução de condenações após o segundo grau, articulações para preservar mandatos maculados com mudanças legislativas que façam tudo ficar tão parecido quanto possível com o que sempre foi.
Barroso parece realmente ter sido picado pelo mosquito do punitivismo, da prisão enquanto valor máximo e prioritário da filosofia penal. Fala-se de “execução” e “condenações após o segundo grau” como se não estivéssemos, em verdade, discutindo aqui a redução do grau de liberdade individual, ou seja, do valor fundamental de uma democracia liberal, que é supostamente o regime político almejado pelos constituintes que escreveram a nossa carta magna.
Mais poder se dá ao Estado para encarcerar o indivíduo, menos instrumentos para o mesmo se defender da perseguição do Estado, eis o caminho para o autoritarismo – o que a Constituição de 1988 tentou explicitamente evitar. A declaração de Barroso, portanto, é uma tentativa oportunista de tirar casquinha desse populismo penal seletivo, que tem caracterizado essa parceria espúria e promíscua entre mídia e judiciário no Brasil.
Para o ministro, “o país precisa de uma sociedade mobilizada e de um Judiciário independente, capazes de continuar a promover uma virada histórica na ética pública e na ética privada”. Para encerrar, afirmou: “Já nos perdemos pelo caminho outras vezes, precisamos acertar agora”.
Antes, Barroso havia defendido a Lava Jato, que citou nominalmente, dizendo “a novidade é que a corrupção tem sido enfrentada nos últimos tempos com investigação séria, cooperação internacional, tecnologia e técnica jurídica”.
Barroso parece um profeta louco discursando num banquinho de rua. Sociedade mobilizada? Que sociedade? Que mobilização? Não há mobilização mais importante e mais consequente, por exemplo, do que aquela que prepara e antecede um processo eleitoral. Milhões de pessoas se mobilizam para convencer outros eleitores sobre a melhor opção. E o que o judiciário faz para garantir que o governante escolhido não seja derrubado por uma conspiração golpista? Nada. Judiciário independente? Como o judiciário pode ser independente se os juízes frequentam regabofes de partidos, recebem prêmios de corporações midiáticas e são vítimas de assassinatos de reputação a cada vez que não se alinham aos interesses do status quo?
E como assim “continuar a promover uma virada histórica na ética pública e na ética privada”? Que virada é essa que não estou vendo? O que eu vejo é exatamente o contrário: a Lava Jato destruiu empresas estratégicas e participou de uma conspiração mafiosa que levou um monte de corruptos ao poder. Essa é a virada histórica na ética pública?
Quanto à ética privada, recuso-me a acreditar que um ministro do Supremo Tribunal Federal ache que teremos alguma “virada histórica” promovida por um Ministério Público e um Judiciário profundamente corrompidos por preconceitos aristocráticos.
O que melhora a ética privada de um povo, ministro, é proporcionar melhor alimentação, dar mais segurança econômica e, sobretudo, respeitar a vontade soberana das urnas.