Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho
Há uma guerra aberta entre os golpistas.
Se antes do impeachment a mídia conservadora, Gilmar Mendes, Sérgio Mouro, os procuradores da Lava Jato e os grandes partidos de direita (PSDB e PMDB) atuavam em perfeita harmonia, com o golpe praticamente consumado a disputa de poder entre os integrantes do consórcio golpista fica cada vez mais sangrenta.
Para que o golpe pudesse ser concretizado foi necessário um trabalho midiático para levar a opinião pública a apoiar incondicionalmente a lava-jato.
Nada muito difícil para uma mídia acostumada a se colocar sempre ao lado do Estado policial repressivo: os direitos humanos e o direito de defesa são ridicularizados nos programas policialescos, nas novelas, nas séries, no viés das notícias dos portais.
Sempre bom lembrar que Globo, Folha, Veja e Estadão apoiaram a ditadura militar, o Estado policial por excelência.
Bastou juntar esse fetiche punitivo incentivado na população há anos com o ódio ao PT semeado pela mesma mídia para que a Lava Jato se tornasse um sucesso de público.
Mas os fatos confirmam a experiência histórica e os alertas da blogosfera: quando os abusos por parte dos integrantes do sistema de justiça (procuradores da Lava Jato e Sérgio Moro, no caso) são tolerados porque estão atingindo os inimigos políticos a tendência é que esses abusos saiam do controle e passem a atingir os aliados também.
Gilmar Mendes, ligado umbilicalmente ao PSDB – o ministro teve a desfaçatez de citar um artigo de José Serra em um voto no STF sobre o rito do impeachment! -, que de bobo não tem nada, sabe disso e já tratou de mandar o recado ao Ministério Público.
“Isso não vai prosseguir assim, a gente tem instrumentos para se colocar freios. É preciso colocar freios nisso, nesse tipo de conduta.”
“Se houver exagero alguém tem que puxar. O tribunal (STF) tem mecanismos para fazer valer a lei.
“Isso precisa ser colocado nos seus devidos termos. Vazamento tem em todo lugar. No caso do ministro Toffoli, a responsabilidade é clara da Procuradoria como um todo.”
“A concentração de poderes é um risco. Depois não querem a Lei do Abuso de Autoridade. É muito curioso.”
Quando os abusos ameaçam aliados e colegas Gilmar Mendes lembra-se de que a lei deve ser cumprida.
Mas o gostinho do poder é instigante, e os heróis da luta contra a corrupção aparentemente não vão sair de cena tão facilmente.
Associações de procuradores e de magistrados – sintomático que estes atuem politicamente ao lado da acusação, ignorando completamente o equilíbrio entre defesa e acusação que é necessário a um julgador – soltaram notas reagindo às declarações de Gilmar (aqui e aqui).
O PGR Rodrigo Janot também reagiu: “A Lava Jato, hoje, está incomodando tanto e a quem e por quê?”.
Com as ‘10 medidas contra a corrupção’ (bem mais de 10 medidas pró-acusação no processo penal, na verdade) o MP e os magistrados-acusadores buscam aumentar e consolidar esse poder angariado nos últimos meses.
Gilmar Mendes, sobre as tais medidas:
É aquela coisa de delírio. Veja as dez propostas que apresentaram. Uma delas diz que prova ilícita feita de boa fé deve ser validada. Quem faz uma proposta dessa não conhece nada de sistema, é um cretino absoluto. Cretino absoluto. Imagina que amanhã eu posso justificar a tortura porque eu fiz de boa fé.
Acabou a lua de mel: Moro e os procuradores, os defensores das medidas, são agora uns “cretinos absolutos”.
As críticas de Gilmar são todas corretas, mas o próprio Mendes utilizou prova obtida ilicitamente – a gravação da conversa entre Lula e Dilma depois de encerrada a autorização para o grampo dada por Moro – para impedir a posse de Lula como ministro da Casa Civil, como bem apontou o jornalista Fernando Molica.
O fato é que a Lava Jato foi usada para derrubar Dilma e agora não interessa mais aos partidos de direita e ao STF um MPF e um magistrado de primeiro grau tão poderosos.
A Folha cita hoje uma frase, de um procurador anônimo, que é emblemática da guerra surda que se instalou entre os golpistas: “Éramos lindos até o impeachment ser irreversível. Agora que já nos usaram, dizem chega”.