“Fora, Temer!”: Os brasileiros, os Jogos Olímpicos e o golpe de Estado

Este ano o Brasil sedia os Jogos Olímpicos em um contexto político particular. O Vice-Presidente induzido presidente após a queda de Dilma Rousseff, para a qual ele contribuiu de forma decisiva, Michel Temer agora é forçado a esconder de seu povo tamanho o ódio para com ele é forte. Explicações de Armelle Enders, historiadora (Foto: Cadu Gomes/ SIPA)

por Armelle Enders, historiadora, no L’Obs / Tradução: Marie Urgell

A crise política é tal no Brasil, que na abertura oficial dos Jogos Olímpicos, momento especial para qualquer líder a quem é incumbido pronunciar o rito inicial, transformou-se em uma tocaia particularmente temida pelo presidente interino Michel Temer, considerado por muitocomo um golpista duplamente criminoso.

O vice-presidente, que foge desde sempre do sufrágio universal direto, contribuiu decisivamente para a queda da presidente Dilma Rousseff, de quem era o principal aliado e está prestes a tomar sua cadeira mesmo dividindo com ela sua impopularidade e problemas de orçamento.

Michel Temer terá que inventar a presidência de holograma

Apenas 16% dos brasileiros são favoráveis à sua instalação no Planalto (palácio presidencial) e cerca de 58% querem o seu afastamento, tanto quanto o de Dilma Rousseff. Para limitar as vaias e protestos, as autoridades planejavam reduzir a aparição pública de Michel Temer ao mínimo necessário dentro do protocolo Olímpico.

O presidente interino não foi anunciado, levou menos de 10 segundos para declarar abertos os 31º Jogos Olímpicos da era moderna, e imediatamente após a cerimônia, deixou o Rio tão rapidamente e tão silenciosamente possível. Desde 13 de maio de 2016, após o afastamento da Dilma Rousseff, o presidente interino vive entrincheirado em Brasília. Em São Paulo, onde fica sua residência pessoal, manifestações e cartazes de “Fora Temer” perturbam sua tranquilidade e de sua família. Em suas aparições públicas, Michel Temer terá que inventar a presidência de holograma.

Um golpe de veludo

Hoje (07 de agosto), no Maracanã, onde foi celebrada a abertura da Olimpíada, não se podia contar nem com ex-presidentes para compartilhar o estigma que afeta quase toda a classe política brasileira. A presidente Dilma Rousseff, cujo governo permitiu a realização dos Jogos, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia obtido em 2009, recusaram o convite. Dilma Rousseff é o alvo de grande rejeição, mesmo em seu próprio campo ideológico. Lula, ao mesmo tempo em que é muito popular, também é rejeitado pelo público capaz de pagar o valor do ingressos para grandes eventos.

Outros ex-presidentes ainda vivos, José Sarney (1986-1990), a personificação de todas as depravações do “Nova República“, que sucedeu em 1985 à ditadura militar, Fernando Collor (1990-1992), que renunciou para não sofrer impeachment uma vez condenado por corrupção passiva, e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mais honroso entre eles, mas que também tem sua parcela de responsabilidade em propinas e desvios de verba do sistema político descobertos pelas várias investigações judiciais, todos estes estavam com agendas muito ocupadas e pareceram ter outros compromissos para aquela noite.

Teria sido tarefa espinhosa reunir em um palco, na frente de milhares de milhões de telespectadores, os protagonistas de vários atos do melodrama no qual o Brasil está mergulhado vários meses e poderia ser chamado de “o golpe de veludo”. O desdobramento se dará tão logo se apague a chama Olímpica.

O impeachment, uma farsa gigantesca

Quanto mais especialistas e magistrados desmontam as acusações contra Rousseff e parecem absolvê-la do “crime de responsabilidade” que justificaria o processo de impeachment, mais sua condenação é dada como garantida. A Presidenta, uma das únicas figuras sobre quem não pesa nenhuma suspeita de enriquecimento pessoal ilícito, será deposta no final de agosto e condenada a 8 anos de inelegibilidade. Politicamente, seu cadáver está frio há muito tempo.

Antes do julgamento, considerava-se o golpe consumado. O termo impeachment é apenas a frágil folha de parreira que oculta com grande dificuldade a realidade indecente. Golpe em Português, significa “golpe” no “golpe” em geral, mas também, de acordo com o dicionário Português “uma manobra desonesta destinada a enganar”, uma fraude, basicamente. A remoção de Dilma Rousseff mantém, de fato, tanto a farsa e quanto o golpe de Estado.

Este é um golpe, porque as conversas cujos registros foram confiados à Justiça e divulgados na imprensa provam claramente que os caciques do PMDB, o partido do vice-presidente Temer, decidiram substituir Dilma Rousseff para frear as investigações do enorme escândalo de corrupção em torno da Petrobrás. Conversas sem rodeios expondo o enredo, as suas razões e ramificações que vão até a Suprema Corte. É também um golpe, porque a manobra segue à risca, mas trai o espírito da Constituição de 1988, alterando o equilíbrio das instituições.

Em várias ocasiões em sua história e por referendo (1963, 1993), os brasileiros estavam claramente em favor do presidencialismo e estão ligados à eleição do presidente por sufrágio universal. O impeachment puramente político de Dilma Rousseff, eleita democraticamente em 2014, enfatiza o enfraquecimento do Executivo em relação a um Legislativo desacreditado por corrupção.

Uma farsa política

É uma farsa, porque o governo interino, que supostamente lutaria contra a corrupção e salvaria as finanças públicas, rapidamente mostrou sua verdadeira face.

Vários ministros, verdadeiras relíquias jurássicas ambulantes arrastando consigo seus longos rabos presos, tiveram que renunciar às pressas devido ao envolvimento em negociatas. Quanto às finanças públicas, Temer começou seu reinado dando um aumento de 40% para os funcionários federais, sobretudo do Judiciário, e, ultrapassando o déficit de R$ 96 mil milhões de reais (em Dilma Rousseff) para R$ 170 bilhões de reais! Parte desse déficit pode ser descontado da fatura do processo de impeachment, incluindo presentes aos amigos e compra de todos os tipos de alianças.

É uma farsa política, porque entregou o governo aos personagens secundários e aos derrotados nas recentes eleições presidenciais, o PMDB, partido de plutocratas que nunca consegue eleger os seus para a presidência, aproveitou-se da aliança com o PT e de sua força popular para fazer parte do executivo; o PSDB, cujos candidatos foram derrotados consecutivamente quatro vezes em eleições por Lula e por Dilma e Temer já estão com o pé no governo após 14 anos de oposição.

Será que a corrupção ficará impune?

O próximo passo é a eliminação política de Lula, sempre à frente nas pesquisas para uma possível eleição presidencial em 2018. Há uma correlação perturbadora entre o percentual de votos a favor de Lula e a pressão da justiça sobre ele.

O último ato do ‘golpe de veludo’ não vai se limitar, de fato, à condenação de Dilma Rousseff e tem sua parcela de suspense. Lula poderia ir para a cadeia? Ele será o único bode expiatório da corrupção no governo? As investigações serão abafadas? Entre as dezenas de políticos com nomes citados nas delações, quantos serão condenados e pagarão suas penas? Uma vez que a tempestade passar, a impunidade e a corrupção vai continuar a reinar como de costume?

Não há dúvida do que se espera de Michel Temer, um golpista traiçoeiro, comprometido apenas com as velhas oligarquias brasileiras. Este golpe de Estado é destinado a restabelecer a ordem social e política, como alguns gostariam que permanecesse eterna no Brasil, uma boa mistura entre o entreguismo e a pilhagem do país por suas classes dominantes, com resultados econômicos que sejam aceitáveis ??para o capitalismo internacional e garantindo uma relativa paz social. Um país de sonho onde os negros permanecem nas plantações e cozinhas, as mulheres em casa, e os homossexuais no armário.

Neste sentido, o governo Temer, composto por homens brancos septagenários, conhecendo alguns trâmites legais é mais que um governo: é um manifesto.

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