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O golpe da burocracia

por Marcos Valley A burocracia público-administrativa brasileira, não eleita pelo povo, que acessa o poder sem um voto sequer, sem participação popular no processo de escolha e por uma via que somente pode ser considerada avaliadora e meritocrática em momento estanque no tempo – a época da prestação do concurso público – está obtendo sucesso […]

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por Marcos Valley

A burocracia público-administrativa brasileira, não eleita pelo povo, que acessa o poder sem um voto sequer, sem participação popular no processo de escolha e por uma via que somente pode ser considerada avaliadora e meritocrática em momento estanque no tempo – a época da prestação do concurso público – está obtendo sucesso em derrubar um governo eleito democraticamente e em reduzir as garantias e liberdades individuais.

Em outras palavras, o ano de 2016 entra para história nacional como o ano em que a burocracia deu um golpe civil no Brasil.

Supremo Tribunal Federal, Procuradoria Geral da República, Justiça Federal do Paraná e Polícia Federal, ao dar suporte institucional a uma decisão altamente discutível adotada por parlamentares em grande parte corruptos, a eles se une para realizar uma ruptura institucional e cassar o voto de mais de cinquenta milhões de eleitores brasileiros.

Apoiada pela mídia, cujos interesses corporativos são evidentes, a burocracia tenta disseminar a falsa ideia de que o processo é técnico. Todavia, essa mensagem somente é recepcionada por parcela do eleitorado. A outra parcela, igualmente relevante em número, discorda do processo.

A esmagadora maioria da parcela pensante da população, os intelectuais, entendem que o processo é um golpe. Ante as evidências que sobressaem do processo de impedimento, a imprensa internacional, não atrelada aos mesmos interesses que movem a nacional, acolheu a tese do golpe.

Reconhecido o golpe pela intelectualidade e pela comunidade internacional, não há dúvida sobre a narrativa que prevalecerá para a história: houve golpe no Brasil.

Dessa forma, as pessoas que hoje são vendidas pela mídia como os arautos da moralidade, passarão à história, quer queiram, quer não, diretamente como golpistas ou como apoiadores do golpe.

É bem provável que o jornal O Globo tenha que novamente pedir desculpas por apoiar um golpe no país, talvez daqui uns trinta anos, presumindo-se que ainda continue a existir até lá.

As instituições e pessoas públicas – STF, Janot, Moro e Polícia Federal – têm atuado como cruzados da falsa moralidade ou da moralidade eletiva, parcial. São cúmplices, não somente da ruptura institucional, mas de um processo de redução aguda dos direitos e das liberdades individuais e de um brutal retrocesso sócio-econômico no país, sob o pálio do combate à corrupção e, agora, ao terrorismo.

Utilizam, como supedâneo para essa cumplicidade, fundamentos sabidamente imaginários ou supervalorizados. Dilma não cometeu crime de responsabilidade e não poderia perder o mandato em função da corrupção generalizada que somente agora, coincidentemente no governo do PT, foi descoberto. Ela não é pessoalmente responsável pelos crimes até agora investigados.

Busca-se uma condenação no estilo Al Capone, paradigma completamente fora de propósito.

O sociólogo americano Howard S. Becker afirmou que “o comportamento desviante é aquele que as pessoas com poder para tal rotulam como desviante” e os membros da elite que produzem esse rótulo ele denomina de “empreendedores morais”. Em outras palavras, quem define se há crime ou não é um representante da elite dominante e, para tanto, pouco importa o ato praticado, mas quem o praticou. Seria o correspondente acadêmico da famoso ditado “ao amigos, tudo, aos inimigos, a lei”.

No sentido emprestado pelo sociólogo, o juiz Sérgio Moro certamente deve ser enquadrado como um empreendedor moral, segundo as notícias que dão conta de seus pudores em investigar outros partidos além daqueles que compunham a base de apoio do governo do PT. Aparentemente, não será pela República de Curitiba que se desvelará qualquer crime praticado por políticos do PSDB.

Por outro lado, não há corrupção ou terrorismo que justifique alteração e retrocesso nos patamares mínimos civilizatórios. As garantias constitucionais sobre o devido processo legal e que veda prisões sem decisão judicial transitada em julgado são conquistas históricas que protegem todos os cidadãos do uso excessivo e abusivo dos integrantes dos poderes do Estado. Ao mitigar essa proteção, agiganta-se o poder de um Leviatã que já o possui em demasia.

Os que apoiam esses desvarios da burocracia não poderão lamentar no futuro, quando, pessoalmente ou alguma pessoa querida, for pega indevida e inocentemente nos tentáculos do monstro estatal. Se isso um dia ocorrer, experimentarão pessoalmente a agonia descrita por Kafka no romance “O processo”.

Se o povo brasileiro permitir a consolidação desse processo de redução de direitos, todos deveremos temer desagradar delegados, promotores de justiça, procuradores, juízes, deputados, senadores, ministros, enfim, qualquer homem público capaz de movimentar o aparato de violência e de punição do Estado.

Quanto ao combate à corrupção sistêmica, torna-se absolutamente ineficaz quando “fulanizado”, quando personificado em um demônio cuja erradicação supostamente eliminaria o mal, pois disso decorre a impressão popular de que, eliminado o demônio, elimina-se o problema.

Como os fatos estão demonstrando, muito longe de eliminar o mal, pioraram-no.

A brusca alteração, para menor, nos investimentos da Petrobras, a quase total cessação dos projetos de engenharia pesada das grandes construtoras, a redução geral no ânimo dos empresários, tudo isso causou uma semiparalisia econômica que desempregou milhares e milhares de brasileiros, cujas famílias, em grande parte, retornaram ao estado de miséria e pobreza anterior à ascensão do primeiro governo petista.

A atuação da burocracia brasileira em todo esse enrosco institucional parece conferir razão a Robert Michels, pensador que disse que “a burocracia é inimiga da liberdade individual”. Segundo ele, o poder corrompe, de modo que a burocracia, tendo acesso ao poder, irá usar de todos os meios necessários para, não somente preservá-lo, mas aumentá-lo cada vez mais.

Em resumo: caso a burocracia golpista consiga o aumento de poder que hoje luta por obter, em pouco tempo estará sedenta por um poder ainda maior, só que desta vez exigirá maiores poderes munida de poder ainda maior do que antes. O círculo é vicioso: quanto mais poder a burocracia estatal obtém, mais poder possui para exigir ainda mais.

A hora de impedir o crescimento da doença burocrática é essa, quando a sede de poder ainda está no nascedouro.

Hoje, a população apoia um combate à corrupção ou ao terrorismo em bases que violam os direitos humanos, praticado por uns poucos juízes, procuradores, delegados e outras autoridades.

Amanhã, a se permitir o incremento dos poderes arbitrários, encerrado esse suposto combate à corrupção e ante a necessidade vaidosa e arrogante de demonstrar o próprio poder sobre as demais pessoas, serão dezenas de milhares dessas autoridades praticando barbaridades contra o povo, agora não somente juízes que abusam do poder, mas também, como disse alguém, o guarda da esquina, o atendente do departamento de trânsito, o médico do hospital público e qualquer outro burocrata que detenha uma mínima fatia do poder estatal.

A escolha, por enquanto, ainda é nossa.

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Roberto E.

12/08/2016 - 11h48

A dúvida é: por que o povo não reage? ?


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