Por Tadeu Porto* (@tadeuporto), colunista do Cafezinho
Fui escrever esse título sem saber se acentuava, ou não, a palavra Carmen. Claro que fui recorrer ao Google e relembrei que em algum tempo da minha vida eu soube que paroxítonas terminadas em “n” precisam de acento. Obviamente, também fui ao site do STF para ver a correta escrita do nome da nova presidenta da entidade, afinal nomes têm total liberdade poética para fugir de mordaças gramaticais.
Não fico tão chateado com essa minha dúvida gramatical. A compreendo, inclusive, pois foi num Intel i486 – numa infância extremamente fértil para descobertas – que cansei de ler o nome Carmen Sandiego quando tentava encontrar uma hábil criminosa. Ademais, sempre tive grande admiração pela atriz e cantora Carmen Miranda (achava fenomenal o fato dela estar na calçada da fama).
Meu coração realmente briga com razão quando o assunto é a escrita. E é natural que seja assim, afinal, entre a linguagem e o vocabulário há um abismo onde mora grandes surpresas, como, por exemplo, o livro Quarto de Despejo da escritora Coralina Maria de Jesus que também tive a oportunidade de desfrutar ainda bem jovem.
Me surpreendeu, portanto, que a magistrada Cármen Lúcia tenha tratado a iniciativa da presidenta usurpada, Dilma Rousseff, de recorrer a uma variação antiga da língua portuguesa para quebrar, de certa forma, o machismo que imperou e ainda impera na cadeira do executivo com uma ironia absurda e num momento totalmente inoportuno, e um discussão feita de maneira incrivelmente deselegante, com direito a anedota de Gilmar Mendes [me diga com quem tu andas] e uma frase patética “eu fui estudante e sou amante da língua portuguesa”.
Bom, talvez a magistrada tenha aprendido o mesmo português que levou Merval Pereira e Fernando Henrique Cardoso para a academia brasileira de letras, mas tal dedicação, infelizmente, parece ter tomado um tempo precioso na vida dela, substituindo importantes aulas como de direito e história, reforçando essa visão o conservadora e retrógrada do preconceito linguístico.
Num cenário onde o ex-presidente da câmara foi afastado numa decisão inédita pelo judiciário; o supremo foi citado num áudio como possível integrante de um “pacto nacional” para parar a Lava-Jato onde estava; Gilmar Mendes foi pego de surpresa na Suécia e passou uma vergonha avassaladora, não só no Inglês medíocre – deveria usar tradutor – mas também por desenhar ao mundo que o impeachment é um golpe parlamentar; Renan Calheiros acusou o STF de só pensar em dinheiro e o governo de Michel Temer já deu sinais que o Brasil não tem condições de cumprir a constituição.
Nesse quadro, no qual a Nova República passa por sua maior crise, com total descrédito em toda atuação política, qual o principal assunto da posse do cargo de presidência do judiciário (um dos três poderes)? Se presidenta ou presidente está certo ou não.
É tão absurdo que parece piada. Mas não é, é apenas a maneira superficial e negligente com que nossa classe política trata os problemas brasileiros, de forma tão rasa que parece tentar construir a nossa democracia com uma página do Facebook.
Vivemos um momento em que o legislativo impõe manobras que ajudam Cunha, anistiam corruptos e preparam um golpe para eleger, indiretamente, um usurpador covarde que sequer tem a coragem de se apresentar ao mundo ou enfrentar meia dúzia de vaias. Como a lei de murphy é implacável, soma-se a isso um judiciário comprometido com as “alfinetadas” e as indiretas, ao invés de se posicionar sobre o maior ataque que a constituição de 1988 já sofreu.
E assim caminha nossa República, de bananas a redes sociais, como uma democracia de fofocas, indiretas, desabados, ataques preconceituosos, retratos falsos e exploração da vaidade, porcamente disfarçada por um carpe diem que tenta ludibriar seguidores e seguidoras, na forma de “instituições democráticas em seu funcionamento pleno”.
Funcionando, sim, igualzinho o Tico-tico: doidinho pra comer nosso fuba.
Tadeu Porto é diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (SindipetroNF).