Sérgio Moro faz escola: Almirante Othon é condenado a 43 anos de prisão. Penas longas e condições degradantes nos presídios diminuem a criminalidade?

por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho

O almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, foi condenado a 43 anos de prisão pelo juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, Marcelo Bretas.

Em depoimento, no mês de abril, Othon admitiu que recebeu dinheiro da construtora Andrade Gutierrez através de contratos de fachada, como pagamento para a realização de um estudo sobre a importância de Angra 3 para o país, mas negou que tenha concedido ou obtido vantagens ilegais por conta disso.

O ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, também foi condenado, mas com a redução da pena concedida por conta do acordo de delação premiada, cumprirá 7 anos e 4 meses de detenção.

Diante da idade do almirante (77 anos), na verdade sua pena será de prisão perpétua, caso seja confirmada pelos tribunais.

Já o corruptor cumprirá uma pena quase 5 vezes menor porque resolveu delatar. A discrepância e consequente injustiça é flagrante.

Essa pena de mais de 40 anos de prisão a um senhor de 77 anos demonstra o quanto estamos atrasados.

Ela é fruto da ilusão de que penas mais duras geram o efeito de diminuição da criminalidade, quando na verdade os países com melhores resultados foram os que seguiram as sugestões de Beccaria, autor de Dos delitos e das penas, cuja síntese, segundo o jurista Luiz Flávio Gomes, é a seguinte: a pena não precisa ser necessariamente severa, mas sim justa e infalível. Vejam esse trecho de artigo do jurista:

É muito mais importante para o controle do crime a certeza do castigo que o volume intenso do castigo previsto na lei (que se sabe que raramente é aplicada). De outro lado, paralelamente à certeza do castigo é preciso cuidar da educação assim como das reformas socioeconômicas (isso se chama prevenção primária).

Os países escandinavos (Suécia, Noruega, Finlândia, Dinamarca e Islândia) assim como vários outros (Canadá, Alemanha, Espanha, Itália, Áustria, Nova Zelândia, Holanda etc.) que vivenciaram o Estado de Bem-Estar social (sobretudo nos 30 anos gloriosos: 1945-1975) e seguiram o padrão de Beccaria (prevenção primária + certeza do castigo) contam com menos de 1 assassinato para cada 100 mil pessoas. A combinação de educação forte + certeza do castigo acontece em vários países orientais (Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan, Hong Kong etc.): eles contam com menos de 2 assassinatos por 100 mil habitantes.

Enquanto a Noruega reabilita para a vida em sociedade 80% de seus presos, no Brasil as prisões são amplamente conhecidas como escolas do crime: as condições degradantes dos presídios facilitam o domínio das organizações criminosas, as quais não têm dificuldade de cooptar os novatos.

Milhares de pessoas são presas no Brasil por tráfico de drogas, por exemplo, sem que tenham cometido crime violento ou tenham sido flagradas portando arma.

Prender réus primários não violentos significa colocá-los em contato com organizações criminosas e afastá-los da reinserção social. Como diz o juiz Marcelo Semer neste artigo: “Afinal, se todos querem um funcionário ficha limpa, quem vai empregar os egressos? E o que farão depois, sem chance de trabalho?”

Enquanto a Noruega condenou o assassino de 77 pessoas a 21 anos de prisão o Brasil condena um senhor de 77 anos, que não cometeu crime violento, a 43 anos de prisão.

Enquanto na Noruega as prisões são pensadas para reabilitar os condenados, no Brasil quanto mais sub-humano o tratamento ao preso, melhor.

Vejam como são tratados os presos de Sérgio Moro, o representante mor do medievalismo em matéria penal, descritas pela filha de Mônica Moura, esposa de João Santana, em resposta a uma matéria canalha de O Globo sobre o sorriso de Mônica ao sair da cadeia:

Ela sorri. Ela sorri sempre. Ela ri até quando chora. Ela sorriu desmedidamente até no dia que eu fui visitar ela numa penitenciária de segurança máxima, onde ela ficou 45 dias. Me deixaram vê-la depois de 30 dias que ela passou em período de “triagem”, onde só podia tomar banho de sol 3 vezes por semana, passava todo o resto do tempo trancada numa cela de 2 metros. Ficou as primeiras 48 horas seguidas nessa mesma cela, sem luz nenhuma. Sem saber que horas eram, sem poder pedir pra que os seus advogados trouxessem uma lâmpada, afinal, eram regras do presídio. Sem acesso a uma caneta pra escrever uma carta pros filhos dela. Com as costelas machucadas porque estava dormindo num colchão fino que fazia com que ralasse as costas a noite toda. Ah, ela estava na ala das prisioneiras do PCC, umas das mais perigosas do país.

Não, ela não tinha sido condenada.. Sequer julgada.. Mas aí estava. Cada vez que ela tinha que ver um advogado, o que acontecia diariamente, ela precisava fazer aquela revista humilhante, sem roupa alguma.. Mas sabe o que ela fez nessas 3 horas que permitiram que eu ficasse com ela? Ela sorriu. Riu, deu gargalhada de cada história que contei. Sorriu com a alma mesmo, riu de chorar.

Isso que Mônica Moura não é negra nem pobre, para os quais o sistema penal costuma reservar sua face mais autoritária e desumana.

E ela não foi nem julgada! Meses presa preventivamente para Moro libertá-la afirmando que a responsabilidade criminal dela “enconta-se em um nível talvez inferior da de corruptores, corrompidos e profissionais do crime”.

Ora, ficou meses sendo torturada pelo Estado brasileiro por que, então?

Alguém indenizará esse tempo de vida em liberdade arrancado da pessoa?

Mesmo que houvesse indenização, é possível medir em dinheiro o valor da liberdade e o tempo de vida perdidos? Lógico que não!

Brasil ou Nourega: alguém está errado nessa história. Não é difícil perceber quem.

 

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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