(Foto: Andre Coelho)
Por Bajonas Teixeira de Brito Junior
A Globo divulgou ontem (03/08), entre as manchetes do portal G1, a première de Marcela Temer em eventos de gala da república. Da república da escória que hoje tem 85 dias, e em breve, completará três meses de vida. Mesmo quem observou as imagens dessa estreia com certa anestesia afetiva, por conta da rejeição ao golpe, deve ter sentido um choque. Embora a maioria não tenha parado para definir bem o por quê. No entanto, um pouco de treino no jogo de poder no Brasil, faz perceber imediatamente os nuances de uma violência simbólica digna de nota.
Na representação que faz do casal nas suas núpcias políticas, a Globo quis deixar bem claro o seu poder de exaltar ou degradar uma figura pública. Em outras palavras: dizer para Temer que a imagem de Marcela é muito mais frágil do que ele poderia imaginar.
O primeiro sinal, está na chamada do portal G1. A sua semiótica é por demais patente. Marcela Temer aparece a partir de um jogo de abstrações, de iluminação (precária) e de enquadramentos, que a reduzem a visibilidade da sua imagem.
Além disso, sendo menor que a chamada do G1 ao lado dela, a imagem termina tendo seu peso reduzido, mas exatamente disso é que vem o seu apelo. Na verdade, ela está montada como uma fresta, por onde se espia o rosto de uma mulher, que mostra certa contorção irônica, diante da fronte de um homem, idoso, como se nota pelo cabelo grisalho. É claro que o editor poderia ter optado por uma foto em que a primeira dama interina se mostrasse inteira, ocupando um espaço maior que a chamada.
Mas parece que a ideia foi justamente a de fazer da entrada de Marcela no palco político alguma coisa parecida como uma nota picante de coluna social. E isso é ainda reforçado por uma manobra para atiçar o olhar, especialidade de uma empresa que vende imagem. Para essa hipótese contribui o uso da palavra ‘estreia’ na chamada. Essa palavra, para os brasileiros com reflexos condicionados por décadas de novelas da emissora, diz muito e mais ainda quando associada, como é o caso na home do G1, diretamente a Globo.
Uma vez aguçada a febre do olhar, pela fresta pela qual se vê Marcela e um homem que se supõe ser Temer, por esta abertura que mais esconde que mostra, a surpresa chega a ser chocante ao se clicar no link.
Fizemos a captura da imagem da página na seção Top Globo, que reúne as mais lidas do G1, e da ação do link para deixar claro o que estamos dizendo. O leitor deve ficar atento para o fato de que a primeira imagem que aparece ao se abrir a matéria, é inadequada para uma publicação séria. Mesmo num pasquim de quinta categoria seria baixaria. Mas na principal concessão pública de mídia no Brasil, a Globo, as insinuações deixadas no ar na primeira imagem pública da primeira dama do país, parecem ir além mesmo do assédio moral.
Essa apresentação insinuante, e não precisa que a Globo fosse uma emissora requintada para saber disso, está no plano do ignóbil. Não é apenas grotesca, está moralmente no rés do chão, fazendo uma insinuação que mesmo os mais reles programas, como o Pânico na TV, provavelmente rejeitariam por uma questão de escrúpulos.
É uma insinuação que dispensa explicações, e que permite ao leitor facilmente fazer todas as deduções e chegar as conclusões acertadas. É autoexplicativa. O que a Globo quis dar a entender, certamente não agradou à primeira dama interina, que deve ter se sentido extremamente ferida pessoalmente na sua ‘estreia’ na tela do poder da empresa. Há certas coisas que não se faz a uma mulher.
E não seria apenas por ser a primeira dama interina que, no momento presente, é uma representação do poder do país, mas porque um estado de direito respeita a integridade moral das pessoas. O desrespeito da Globo foi dirigido ao país, às suas instituições, e ao aparato da sua representação pública. É evidente que esse desrespeito só é possível pela cumplicidade que esse poder, através do golpe, amarrou com a Globo.
O governo de Temer é o mais frágil dos que já pisaram a face da terra nesse canto do planeta em que fica o Brasil. Tendo nascido da mídia, permanecerá quase que inteiramente preso à ditadura das suas parteiras, especialmente a Globo. Roberto Marinho certamente ensinou aos filhos, que também tiveram muito tempo para aprender isso por experiência própria, que no Brasil toda a vida política se desenrola em meio à chantagem, à ameaça e ao assédio.
Sobre isso, o nosso artigo A ‘Cunhalada’ pelas costas – Michel Temer refém de Eduardo Cunha. Quatro ameaças.
Políticos que desagradaram a Globo, como Brizola ou o ministro da Justiça na ditadura, Ibraim Abi Ackel, comeram o pão que o diabo amassou. Dilma e Lula são os exemplos mais recentes.
A investida da Globo não parece ser uma retaliação a alguma tentativa rebelde de Michel Temer. Pode se destinar a ser apenas uma manutenção preventiva de obediência para seus objetivos futuros, começando por deixar claro o que suas garras, sempre muito afiadas, podem produzir.
Que o leitor fique atento. Essa novela está apenas na estreia.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.