Filha de Mônica Moura responde à reporter do jornal O Globo

Uma carta aberta ao jornalista Flávio Freire, que escreveu uma matéria no O Globo sobre a saída da minha mãe hoje (01 de agosto de 2016):

por Alice Requião, no Facebook

Eu não te conheço, mas você escreveu uma matéria hoje sobre minha mãe, Mônica Moura, que foi solta depois de mais de 5 meses em custódia, e sorriu dentro do carro.

Deve ser bom, né, falar da vida de gente que você não conhece, que nunca encontrou, que não sabe nada da história ou do caráter… Simplesmente porque você tem o espaço de um jornal, que todos vão ler e acreditar no tom da notícia que você está dando.

Queria te falar um pouco da minha mãe, pra você ter o mínimo de propriedade pra escrever sobre ela, da próxima vez que você o fizer.

Título da matéria assinada pela repórter Flávia Freire, no Globo

Ela sorri. Ela sorri sempre. Ela ri até quando chora. Ela sorriu desmedidamente até no dia que eu fui visitar ela numa penitenciária de segurança máxima, onde ela ficou 45 dias. Me deixaram vê-la depois de 30 dias que ela passou em período de “triagem”, onde só podia tomar banho de sol 3 vezes por semana, passava todo o resto do tempo trancada numa cela de 2 metros. Ficou as primeiras 48 horas seguidas nessa mesma cela, sem luz nenhuma. Sem saber que horas eram, sem poder pedir pra que os seus advogados trouxessem uma lâmpada, afinal, eram regras do presídio. Sem acesso a uma caneta pra escrever uma carta pros filhos dela. Com as costelas machucadas porque estava dormindo num colchão fino que fazia com que ralasse as costas a noite toda. Ah, ela estava na ala das prisioneiras do PCC, umas das mais perigosas do país.

Não, ela não tinha sido condenada… Sequer julgada… Mas aí estava. Cada vez que ela tinha que ver um advogado, o que acontecia diariamente, ela precisava fazer aquela revista humilhante, sem roupa alguma.. Mas sabe o que ela fez nessas 3 horas que permitiram que eu ficasse com ela? Ela sorriu. Riu, deu gargalhada de cada história que contei. Sorriu com a alma mesmo, riu de chorar.

Desculpe, se te incomoda muito, Flávio. Mas é o jeito que a minha mãe sabe viver. Eu sei que você e muitas pessoas preferiam que ela estivesse triste e cabisbaixa no pior momento da vida dela.

Mas a minha mãe é assim: ela sorri. O que você chama de não demonstrar fragilidade, é apenas uma felicidade interna que injustiça nenhuma desse mundo vai tirar dela. E eu só posso agradecer ao universo por isso. Sei que pra você não é nada pessoal, é só mais uma matéria lixo que você acha que vai ter alguma audiência ou alguns amigos vão compartilhar no Facebook. Mas pra mim não, pra mim é a minha vida toda, é a mulher que eu mais amo no mundo sendo retratada como uma pessoa sem sentimentos.

Eu espero, de coração, que você tenha alguém na sua vida como a minha mãe: que ri e sorri mesmo quando as coisas não vão nada bem.

Redação:
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