(Foto: Ricardo Stuckert)
Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista de política do Cafezinho
A hipótese pode parecer um tanto deslocada em uma discussão séria e numa coluna de política que se pretende séria. Mas vamos lembrar de Orson Welles. Ele tinha um programa de rádio sério, numa emissora séria, e um dia anunciou a invasão da Terra por marcianos. Até hoje, esse é considerado um dos experimentos mais sérios havidos na mídia americana. Então, de saída, não há motivos para descartar a hipótese.
Vamos imaginar que existem seres que corretamente são designados como humanos. Eles provêm do húmus. Esses indivíduos tem uma corpo só, uma só cabeça, e são obrigados a pensar com ela. Acreditam que existe a realidade, e que algumas coisas são verdadeiras e outras são falsas. Eles supõe que em certas condições, se alguém é acusado por um crime que cometeu, por exemplo, há justiça. Em outras, quando alguém é acusado por crimes que não cometeu, há injustiça.
Então, vamos aqui simplificando ao máximo, dizer que assim são os humanos: tem uma cabeça só, acreditam na realidade, distinguem entre o verdadeiro e o falso, e entre o justo e o injusto.
Os extraterrestres, tendo que descrevê-los, aparecem de forma bastante diferente e é difícil acreditar que existam. Em seu universo, o das classes dominantes, cada um existe através de outros corpos (de interpostas pessoas, laranjas, testas de ferro, doleiros entre outros) e de outras carteiras de identidade. Quando a cabeça principal está em perigo, uma ou algumas dessas cabeças acessórias costumam rolar. O cabeça do grupo, ou seja, a cabeça do cabeça, nada sofre.
Essa é uma razão pela qual não gostam da democracia, em que todos tem uma cabeça só e, em caso de encabeçar uma quadrilha, ninguém tem como sair impune.
Ao contrário dos humanos, esses alienígenas têm uma noção muito diferente, se é que têm alguma, do que seja “realidade”. Eles abrem por exemplo empresas em um certo endereço. Normalmente uma empresa tem um endereço. Mas eles criam várias empresas, todas no mesmo endereço. Todas recebem muito dinheiro, geram grandes lucros, sempre trabalhando para o poder público, mas sem prestar nenhum serviço.
Daí se pode perceber que a noção de espaço, na dimensão em que eles habitam, é muito diferente da nossa. Mais ainda quando se constata que, dessas empresas, nenhuma existe. Nem existe o endereço. No entanto, sem existirem, produzem o resultado: lucros enormes. São empresas fantasmas com resultados mágicos.
Para os humanos tudo isso é um mistério incompreensível. Eles tem que trabalhar, suar e no fim de tudo, produzem muito mas ganham pouco. É tudo o inverso na dimensão dos humanos, talvez por terem sido expulsos do paraíso. Já os aliens vivem ainda em paraísos exclusivos conhecidos como ‘paraísos fiscais’.
Mas, além dos humanos, existem, digamos, os androides (um nome melhorzinho para zumbis). Esses, sem conseguirem decifrar o mistério extraterrestre, são contudo adoradores dos seus truques. Eles acreditam que se amarem, se adorarem, e se se prosternarem de joelhos na frente da FIESP, em plena Avenida Paulista, podem, por osmose, adquirir também poderes extraterrestres.
Acreditam que se ficarem bem juntinhos de seus amos endinheirados, com o tempo, um pouco dessa riqueza será deles também.
Eles estão siderados e hipnotizados pelo mito da conversão e, por isso, qualquer argumento que dirijamos a eles, tentando faze-los acordar desse transe, desse sono dogmático, é tempo perdido. Eles adoram, por exemplo, um extraterrestre que senta-se no topo de uma pirâmide e que deve 7 bilhões aos cofres públicos, sendo considerado o maior devedor do país.
E isso nos faz lembrar que, os seres da linhagem intergaláctica, possuem também alguns poderes além dos já mencionados: a ocultação de patrimônio é um deles.
Fazem grandes remessas de recursos, através de offshores, para contas em bancos suíços. Raramente são desocultados por um humano. Na maioria das vezes, são intrigas e desavenças entre os próprios extras que acabam revelando algo dessa quarta dimensão.
Agora vamos imaginar que os aliens resolveram que não querem mais ver nem uma presidente da república nem um ex-presidente, saídos os dois do clã dos humanos, circulando livremente por aí. E até tendo poder e gozando de reputação e respeito. O que eles fazem?
Eles fazem exatamente como costumam fazer para conseguir seus lucros e sua impunidade: inventam algo que não existe. Não se valem de motivos reais, apontando crimes reais, mas constroem um simulacro. Isso que eles constroem, os humanos, e principalmente os humanos mais crédulos, não conseguem assimilar.
Os humanos acreditam que o simulacro é algo do tipo que eles conhecem, ou seja, algo de real, que pode ser verdadeiro ou falso. Por isso, se juntam para contestar o simulacro, usam argumentos e querem ‘desmontar’ sua verdade. Eles querem discutir o simulacro. Vejam como são ingênuos.
Ora, a verdade é que o simulacro é um tipo de logro, que obedece às leis do mundo extraterrestre: não tem realidade (como as empresas fantasmas) mas são muito produtivos (como lucros mágicos).
Assim, vamos dar dois exemplos. No caso da presidente, eles a acusam de cometer pedaladas. Ninguém sabe bem porque falam em “pedaladas” e de onde saiu esse nome. O logro já começa aqui. Mas os humanos, porque acreditam na realidade, supõe que a todo nome corresponde um objeto, e acabam acreditando que ’pedalada’ é um nome real para uma coisa real. Com isso, cometem um erro fatídico.
Em seguida, dentro desse nome fantasma, os aliens inserem diversas acusações que nada tem que ver com um crime. Não são crimes, não ferem a Constituição, não são nada na verdade. Justamente porque não são nada, elas convencem toda a gangue extraterrestre de que estão no caminho certo. Assanhados por terem criado mais essa, se reúnem em um imenso sabá e, através da mídia, insistem dia e noite na mesma ficção.
Eles sabem que é fictício. Eles sabem que todos os outros sabem disso. Mas estão convencidos, e nisso estão certos, de que os humildes seres saídos do húmus vão tentar, com todas as forças de suas parcas luzes, argumentar, contradizer, apresentar defesas, etc. Com isso, contudo, só vão se afundar mais, porque o simulacro é como areia movediça, quando mais alguém faz força para sair dele mais é engolido.
As acusações contra Lula são também, desde o começo, invenções sem pé nem cabeça. E é interessante que pela lógica que o MPF insere nela – “Lula não podia não saber” da corrupção na Petrobras – o filho do senador Perella já estaria preso há muito tempo, porque “ele não poderia não saber” de 450 kg de pasta de coca no seu helicóptero. É ou não é?
No entanto, no caso dele, há uma verdadeira cortina de sigilo, a grande mídia fala à meia voz, pisa na ponta dos pés, e tudo parece ter de ser feito com o máximo escrúpulo e cuidado. Já no caso de Lula, que em outras partes seria exaltado como figura histórica, tal como Mandela na África do Sul, reina o maior escracho e os abusos mais desabridos.
O que está em questão então para que, com tanta fúria, os extras fizessem um ataque tão intenso contra a democracia? Talvez seja o fato de que, crescendo e se ampliando, a democracia afirmaria o reino das pessoas comuns, essas que são idênticas umas em relação às outras, em que nenhuma está acima da lei ou tem duas cabeças. Criaria também um princípio de realidade comum, em que empresas fantasmas e lucros mágicos acabariam.
Mas acabar com isso, seria acabar com a seiva pela qual os extraterrestres, parasitando o estado, se nutrem com o sangue de milhões de trabalhadores. Este deve ser o motivo para a reação, tão compacta quanto brutal, desse clã contra a democracia.