Expresso Político – Coluna Diária do Editor
Por Miguel do Rosário, editor-chefe do Cafezinho.
É tudo muito previsível.
Ao mesmo tempo perturbador.
Tudo que lemos nos livros de história, sobre corporações de juízes, na França do Antigo Regime, na Alemanha e Itália em processo de fascistização, na China pré-revolucionária, agindo em bloco, como um partido político, invariavelmente reacionário, contra qualquer mudança progressista na sociedade, vemos se materializar no Brasil de hoje.
Os juízes brasileiros são a face mais evidente, mais perigosa, brutal e agressiva, da atual reação conservadora aos avanços observados nos últimos anos.
Os juízes, qual os que perseguiram os inconfidentes, os quilombos, as lideranças populares da nossa história, de maneira geral, querem cortar cabeças, em particular uma: a de Lula.
No caso do Brasil, há um agravante: uma publicidade midiática opressiva, avassaladora.
O juiz que não aderir ao clima de linchamento, é linchado também. Que o diga o ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, do STJ, que ousou contestar alguns arbítrios da Lava Jato. Foi o suficiente para se tornar alvo da sanha midiática e da própria Lava Jato, que direcionou suas baterias delatoras contra o ministro.
É uma conjuntura cruel, em que os ministros mais corruptos e mais autoritários são protegidos, blindados, acariciados pela mídia e pelo sistema, enquanto os magistrados mais isentos, mais éticos e preocupados em não aderir ao espírito linchatório que impregna a atmosfera política da ocasião, são atacados, vilipendiados, desmoralizados.
O indiciamento de Lula, por parte de um juiz de Brasília, representa ainda, possivelmente, uma reação do partido do judiciário – ou melhor, do partido dos justiceiros – à denúncia de Lula às Organizações das Nações Unidas (ONU) contra o estado de exceção que vive o Brasil.
Alguns estudiosos, aliás, preferem chamar o partido dos justiceiros de partido da juristocracia, que parece ser um dos piores males da nossa era, pois é uma espécie de reação do autoritarismo ao progresso da democracia no mundo.
Essa juristocracia foi, junto com a mídia nacional (que integra o sistema juristocrático, visto que ela, a mídia, também se transformou num tribunal), protagonista do golpe, e o golpe precisa desmoralizar a figura política que representa tudo aquilo que o golpe veio para destruir.
É preciso aniquilar um ideário centrado no amor ao povo e no respeito a seu voto.
Segundo o ideário golpista, o povo não pode ganhar bons salários, não pode ter tempo para o lazer, não pode ter educação ou saúde públicas, não pode estudar no exterior, não pode ter leis que lhe dêem segurança no trabalho, tem de se aposentar de preferência um minuto antes de morrer.
Para o ideário golpista prevalecer, contudo, é preciso pintar aqueles que defendem o oposto, que defendem as ideias de liberdade política e social para o povo, como ladrões, corruptos, párias.
Além da reação à ONU, o que vemos é também uma intensificação do clima golpista às vésperas da votação do impeachment. Afinal, o golpe foi dado principalmente por dois atores: as castas burocráticas e a mídia. Ambos estão agora trabalhando para assegurar que o golpe se consume sem maiores obstáculos. Para isso é preciso manter Lula acuado, oprimido, debilitado judicialmente.
As acusações à Lula, que são as mesmas para outros sete réus, são surreais. O juiz tirou do fundo do baú as acusações mais subjetivas e vagas de todo o direito penal brasileiro: embaraço à investigação de organização criminosa, que prevê pena de três a oito anos; patrocínio infiel (quando advogado não defende corretamente interesses do cliente – os outros foram considerados coautores), que prevê pena de seis meses a três anos; e exploração de prestígio, que prevê pena de um a cinco anos.
Embaraço à investigação, patrocínio infiel e exploração de prestígio…
Tudo isso numa atmosfera midiática de absurdo linchamento político, com divulgação diária, massacrante, de denúncias (sempre vazias, tipo pedalinhos, “orientação” de cozinha), vazamentos seletivos ilegais, contra o ex-presidente.
É muito pior do que Kafka…